07 out, 2025 - 22:35 • Susana Madureira Martins
O co-porta-voz do Livre, Rui Tavares, quer colocar o partido entre os quatro “grandes partidos” políticos no país e, a prazo, aponta para resultados eleitorais de “mais de 10%” e que “se comece a aproximar dos 15% e mais”.
Em entrevista à Renascença, Rui Tavares fala das coligações em “geometria variável” que o Livre integra para as eleições autárquicas de 12 de outubro e lamenta que no Porto não tenha sido possível aliar-se ao PS, que terá imposto a ausência do símbolo do Livre no boletim de voto, a papoila.
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Em relação às presidenciais, Rui Tavares diz esperar “não ser candidato” e considera que o “ideal” seria aparecer uma “figura independente” dos partidos. Pelo meio, deixa críticas ao ex-líder do PS António José Seguro por ter admitido dar posse a um Governo de extrema-direita, no caso de vir a ser eleito Presidente da República. “Não é simplesmente aplicar uma chapa cinco, porque com isso já se perderam muitas democracias no mundo”, conclui o co-porta-voz do Livre.
Na noite eleitoral de 12 de outubro, o que é que gostava mesmo de ouvir sobre o resultado eleitoral do Livre?
Gostaria de ouvir que estamos a começar a dar a volta a isto, que a política portuguesa está a ficar um pouco mais equilibrada, depois dos desequilíbrios dos últimos anos, que isso significa também que podemos começar a pensar em elevar um pouco mais o debate político, em vez daquilo que temos visto nos últimos tempos, que é um rebaixar do debate político, inclusive no Parlamento, e gostaria de ouvir dizer aos meus concidadãos que o Livre está a ser decisivo para darmos a volta a isto.
O Livre tem várias coligações à esquerda, ora com o PS, ora com o Bloco de Esquerda, com o PAN. É o sinal de que a esquerda tem de ter uma espécie de frente para enfrentar aquilo que é o bloco de direita, neste momento?
Defendemos isto há muito tempo e, aliás, por isso, logo a seguir ao dia 18 de maio nós dissemos que era preciso um grande pragmatismo e sentido de responsabilidade por parte da esquerda para conseguirmos, desejavelmente, ter dezenas de coligações progressistas que permitissem que o eleitor, que é democrata e que acredita nestes valores do progresso, da ecologia, do humanismo, não tenha dúvidas em quem votar. Isso foi possível nalguns casos, noutros casos não foi, mas apesar de tudo é uma grande novidade à esquerda, porque isto durante décadas não existiu.
Os partidos de esquerda, no fundo com os seus diretórios, durante décadas consideraram que era preciso uma estratégia de modelo único, de pensamento único, aplicada da mesma forma em todas as autarquias. Lembro-me de ouvir muito dizer ‘as pessoas não vão entender que nós fazemos oposição a um governo do PS, por exemplo, a nível nacional e depois estamos coligados em Lisboa’. Nunca percebi isso. O que nós precisamos é de ter uma boa dose de pragmatismo, idealismo à esquerda. E isso significa que conseguimos fazer estas coligações, são em geometria variável.
Lisboa precisa de mudar de rumo e precisa de ter uma presidente de Câmara que cuide a cidade. Em Sintra, temos uma situação na qual há um empate a três e podemos ter a Ana Mendes Godinho, que foi uma excelente ministra com a qual nós trabalhámos muito bem ou podemos ter uma Rita Matias presidente da Câmara pelo Chega, a fazer o seu discurso de divisão e de ódio pelo TikTok. Em Coimbra, há uma pessoa com quem trabalhámos muito bem quando foi ministra, a Ana Abrunhosa, ministra da Coesão, que conhece muitos problemas a nível regional.
No Porto não foi possível?
Vamos sozinhos, não houve a ambição e não houve o sentido de responsabilidade por parte do nosso interlocutor, que seria Manuel Pizarro, do PS, para termos ali uma coligação. O Livre tem uma candidatura autónoma.
Manuel Pizarro pode vir a arrepender-se de não ter aceitado uma coligação com o Livre?
Sim, a sondagem da RTP e do Público indica precisamente isso. Mas aí as pessoas saberão que há uma diferença muito grande. Onde o Livre não está numa coligação é porque não houve a ambição de pôr em cima da mesa os temas programáticos, as pessoas. No caso do Porto, nem sequer pôr o próprio símbolo do Livre no boletim de voto que nos permitisse estar na coligação. Ou seja, para pôr a coisa de outra maneira, as pessoas sabem que não há uma estratégia nacional que diz ‘nós não vamos em coligações em lado nenhum’. Isso foi o que nos disseram da parte do PCP, reunimos com o PCP e disseram-nos ‘nós já temos a nossa coligação, é a CDU e não fazemos mais nenhuma’. Aqui não é o caso. No caso do Porto, as pessoas estão ali exatamente no momento da decisão da eleição de um vereador. Portanto, de certa forma, da maneira como eu vejo isto, pelo menos no eleitorado do nosso entorno, é que a papoila do Livre no boletim de voto é uma espécie de selo de qualidade em relação à candidatura mais progressista, mais ecologista e mais humanista que foi possível fazer em cada lugar do país.
Em Lisboa, um dos grandes problemas é a higiene urbana. É estrutural?
Estou no fim do meu mandato como vereador em Lisboa, portanto, tive várias discussões sobre esse tema, que é multifatorial, ou seja, o lixo é uma consequência, não é uma causa, é uma consequência de coisas que estão mal organizadas, de querer ignorar-se o problema do sobre-turismo, acerca do qual pressionámos a Câmara durante quatro anos. É preciso contratar mais cantoneiros. Os funcionários de recolha de lixo em Lisboa são cerca de 800 e há cerca de 800 toneladas de lixo produzidas todos os dias. Evidentemente, para esta profissão ser minimamente atrativa, os níveis salariais têm de ser bastante maiores e o trabalho tem de ser organizado de outra forma. Infelizmente, Carlos Moedas, não creio que ele goste de ser presidente da Câmara de Lisboa, de sentir aquela paixão pela cidade, que significa que numa carreira política ser presidente de Lisboa é a coisa mais importante da vida. Isso Carlos Moedas não tem e nós precisamos de ter alguém que cuide da cidade.
E o que é que responde a Carlos Moedas quando repetidamente apelida de radical a coligação liderada por Alexandra Leitão?
Carlos Moedas fez isso durante quatro anos e acho que muita gente agora está a ver qual é a manha. É a vitimização, dizer ‘eles acham que são os donos de Lisboa e não me querem deixar governar’. Com isso conseguiu pressionar o PS, de todas as vezes, a aprovar-lhe o orçamento. Teve sempre o orçamento para governar, governou como quis, o problema é que não quis governar e vem depois apelidar aqueles que durante anos o alertaram para questões de negligência com o sobre-turismo na cidade. Podemos com obras muito simples acalmar o trânsito e radical é não as fazer.
No dia 12 de outubro já vai poder anunciar a sua eventual candidatura à presidência da República?
Bem, eu espero que não, porque não estou a pensar nela, não estou a refletir numa candidatura à Presidência da República e, portanto, não estou em processo de vir a preparar uma candidatura. Enquanto os dados todos não estiverem completamente claros, não podemos dizer taxativamente ‘não contem comigo, zero chances’ porque o país, sejamos claros, está numa posição muito delicada. Estas eleições presidenciais são muito importantes e aquilo que nós queremos é que haja uma candidatura que seja muito clara na defesa da Constituição, da democracia, dos direitos fundamentais e do Estado de Direito e que tenha hipóteses de ganhar. E isso é que eu acho que muita gente ainda não percebeu.
No atual contexto ainda não existe essa candidatura?
Não, no atual contexto, com estas duas condições, não. Ou seja, apesar das críticas que eu vi sobre a nossa posição, o que o Livre diz é uma coisa muito cristalina: a esquerda não pode ser uma máquina de perder eleições presidenciais. Desde Jorge Sampaio que não ganhamos uma, com o Sampaio da Nova tivemos 23%, foi o nosso melhor resultado. Por outro lado, a esquerda não se pode colocar numa situação em que uma candidatura não diga nada. Não diga nada acerca das ameaças à Constituição e ao Tribunal Constitucional, não diga nada acerca de uma maioria dois terços de direita que se propõe, basicamente, alterar o regime e a Constituição. E eu acho que um candidato ou uma candidata à Belém tem que ser muito claro em relação ao que faria numa situação desse tipo.E eu ainda não vi essa clareza.
António José Seguro não enche as medidas?
A questão não é essa. Dou-me bem com António José Seguro, é uma pessoa com quem tenho uma relação que é cordial e acho que é uma pessoa afável que tem todo o direito a apresentar a sua candidatura à Presidência da República. Agora, se me dá uma resposta sobre um governo encabeçado pela extrema-direita, que é ‘ficaram à frente ganham, têm direito a ter o primeiro-ministro’, quando essa não é a lei eleitoral para as eleições legislativas e não é o que diz a Constituição. Quer dizer, um candidato a Presidente da República tem a obrigação de ser pedagógico com o país e dizer, ‘calma, o que a Constituição diz em relação à formação de governo é uma coisa diferente, e é uma coisa diferente por boas razões’. Não é simplesmente aplicar uma chapa cinco, porque com isso já se perderam muitas democracias no mundo.
Aqui em Portugal já temos uma situação em que temos três partidos empatados nas sondagens, à volta dos 22, 23, 24%, e, espero eu, podemos vir a ter partidos, e eu quero que o Livre tenha mais de 10% e se comece a aproximar dos 15% e mais, e que seja um dos 4 grandes partidos em Portugal. Acho que só isso pode dar esperança de equilíbrio do sistema. Digo claramente, não é onde estamos agora, é onde eu quero que estejamos.
E alguém em Belém acha que se, por um ponto, a extrema-direita ficar à frente, e 74%, 75% do país disseram nós não temos alianças com esses senhores, não queremos trabalhar com esses senhores, não formamos um governo com esses senhores, eles é que devem ter a chefia do governo. Parece-me que isto não é fazer a análise daquilo que é a importância do cargo de Presidente da República. E é essa a minha crítica. Agora, seria muito bom que tivéssemos alguém que ao mesmo tempo fizesse essa análise e tivesse hipóteses de ganhar, acho que isso seria o melhor para o país. E creio que pode haver quem esteja a fazer essa reflexão e a quer aguardar para depois das eleições autárquicas.
Que não o Rui Tavares?
Que não eu, sim. Espero não ser candidato a estas eleições presidenciais. O ideal, seria uma figura independente dos partidos. É por isso que tenho pena que Sampaio da Nova não tenha avançado. No atual contexto político, até marcado pela candidatura de Gouveia e Melo, seria muito importante que houvesse uma candidatura de alguém que não fosse militante partidário. Sim, eu acho que isso seria o ideal. Vamos ver se o ideal pode de alguma forma cumprir-se.
No dia 10 de outubro teremos a entrega da proposta de Orçamento do Estado no Parlamento, e de alguma maneira o PSD e o governo passaram a controlar a agenda mediática. Que espaço é que fica para a oposição de esquerda neste contexto político?
Para mim tenho muito claro, o PSD está no governo, mas o PSD não governa sozinho, quem governa é a direita. Vimos na lei da imigração, vamos ver na lei da nacionalidade, a direita tem uma maioria. Luís Montenegro poderia ter escolhido outra maneira, porque havia outra maioria, que era uma maioria democrática, que poderia até ajudar a melhorar e a reformar o sistema político, de forma que não houvesse estas frustrações que depois vão para a extrema-direita, mas não foi essa a escolha de Luís Montenegro. Lembra-se que propus muito isso, à esquerda, à direita democrática, os democratas devem trabalhar em conjunto e fui muito criticado até à esquerda por ter falado nisso.
Se calhar com alguma razão, porque sempre foi muito claro que o Luís Montenegro não tem esse tipo de pruridos e chegado à altura, se tivesse que decidir, iria tentar ir atrás do eleitorado do Chega. É uma estratégia que me parece errada, porque esse eleitorado foi para ali e está perdido por bastante tempo. Contra isso, o que é que a esquerda pode fazer? Pode manter uma posição do princípio e pode dar esperança às pessoas, de que não é derrotista, de que não se agacha, de que fala no Parlamento e desmascara as fantochadas da extrema-direita, mostrar que também sabe estar nas redes sociais e nas ruas a falar diretamente com as pessoas com uma linguagem coloquial e que tem um programa para governar, que não tem só um programa para a oposição.