08 out, 2025 - 10:28 • André Rodrigues
A politóloga Sílvia Mangerona diz que o caso Spinumviva é "um fantasma que vai acompanhando os governos de Montenegro" e que "não abona nada à sua credibilidade nem à sua imagem".
"Continuo a ver com alguma perplexidade o facto de Luís Montenegro empurrar explicações, ser dúbio e utilizar isso como estratégia de comunicação", diz à Renascença a também professora da Universidade Lusófona.
Para a especialista, o caso "é uma ferida aberta" que terá consequências, ainda que não nas Autárquicas por se tratar de eleições nas quais as "pessoas votam muito mais em rostos".
"Bem sei que estamos num período em que o Governo não pode ir abaixo, mas esse tempo chegará", acrescenta.
Sílvia Mangerona critica também a atuação do Presidente da República e a forma como tem gerido as suas intervenções. "A sua vocalidade não pode ser dispensada", argumenta.
"O professor Marcelo já não tem o tempo e o Presidente Marcelo não sei se alguma vez teve essa vontade."
"Averiguação preventiva" continua. Procuradoria re(...)
O caso Spinumviva entrou na campanha autárquica. Tem sido recorrente os processos de justiça invadirem o espaço eleitoral. Vê algum tipo de perversão na forma aparentemente cirúrgica como estes casos entram na política?
Estes casos vêm em contextos temporais muito decisivos, muito oportunistas, mas isso é a realidade da política, é o sistema democrático a funcionar e creio que a principal preocupação será em tornar a política e os políticos responsivos e não reativos. E pouco reativos, como até agora tem sido.
Se no caso Spinumviva, neste caso em particular que estamos a analisar, como em outros, houvesse respostas cabais, disponibilidade de colaboração séria e visível, creio que não havia tanto espaço para explorações.
A culpa não estará do lado da justiça, a culpa não estará do lado dos jornalistas que fazem o seu trabalho e divulgam o que se está a passar. A responsabilidade maior está em quem não procura esclarecer aquilo que ficou há muito por esclarecer. Por isso, mais do que olharmos se vai ou não influenciar a campanha, penso que o caso Spinumviva é um fantasma que vai acompanhando os governos de Montenegro e, de facto, não abona nada à sua credibilidade nem à sua imagem.
"A responsabilidade maior está em quem não procura esclarecer aquilo que ficou há muito por esclarecer"
Do seu ponto de vista, pode resultar num dano de mais longo prazo para o Governo?
Sem dúvida. E um dano de longo prazo que pode vir até a espoletar alguma precipitação. Bem sei que estamos num período em que o Governo não pode ir abaixo, mas esse tempo chegará. Portanto, é sempre uma boa altura de relembrar que temos de esclarecer e não pode haver dúvidas.
Continuo a ver com alguma perplexidade o facto de Luís Montenegro empurrar explicações, ser dúbio e utilizar isso como estratégia de comunicação. Fico muito, muito perplexa com o que tem acontecido.
Então, para si, o Governo corre o risco de cair por culpa do primeiro-ministro?
Pode cair, novamente. E talvez essa seja a maior estupefação. Já caiu uma vez e pode ser novamente pelo mesmo tema e por falta de esclarecimentos.
O desgaste pode não ter consequências imediatas, mas, mais cedo ou mais tarde, isto será uma ferida que vai sempre abrindo e terá consequências, penso eu, negativas para o Governo.
"Bem sei que estamos num período em que o Governo não pode ir abaixo, mas esse tempo chegará"
PGR
Primeiro-ministro reage a notícia sobre eventual p(...)
"Fico com alguma expetativa de que o próximo Presidente da República possa gerir matérias mais sensíveis de uma forma um pouco mais incisiva"
Abre a janela para uma cada vez maior expressão do populismo?
É, sobretudo, uma janela aberta para forças que têm aproveitado este descontentamento dos cidadãos para se mobilizarem em sentidos mais negativos e mais polarizados. Isso sem dúvida.
E vai refletir-se já nestas eleições autárquicas?
Creio que será mais à frente.
Nas presidenciais?
Talvez sim. E isso não é só intuição, é a perspetiva baseada naquilo que já têm sido estudos feitos nesta matéria. Sabemos que nas autárquicas as pessoas votam muito mais em rostos do que propriamente em forças políticas e, portanto, essa penalização não será imediata.
"O professor Marcelo já não tem o tempo e o Presidente Marcelo não sei se alguma vez teve essa vontade"
Como é que avalia o papel do Presidente da República e a forma como se tem pronunciado sobre casos como este envolvendo o primeiro-ministro?
O papel do Presidente da República é muito mais forte do que ultimamente se quer parecer. Eu bem sei que, por responsabilidades constitucionais, ele não tem influência direta em determinadas matérias, mas há uma magistratura de influência que tem de voltar a ser levada a sério.
Por isso, fico com alguma expetativa de que o próximo Presidente da República possa gerir matérias mais sensíveis de uma forma um pouco mais incisiva.
Marcelo Rebelo de Sousa já não tem o tempo para ser mais vocal nesta matéria?
O professor Marcelo já não tem o tempo e o Presidente Marcelo não sei se alguma vez teve essa vontade. Creio que teve uma opção política de alguma equidistância perante matérias mais sensíveis, que é sua obrigação, sem dúvida.
Mas a sua vocalidade não pode ser dispensada e, por vezes, é mesmo necessária quando estão em causa matérias tão sérias como a imagem de um Governo, questões éticas, possíveis envolvimentos em situações que vão descredibilizar o Governo.
Portanto, o Presidente da República tem aqui um papel muito importante, não só de pedir esclarecimento, mas de fazer uma força e uma pressão para que tudo seja esclarecido, devolvendo essa confiança nas instituições. É esse o seu principal desígnio.