Autárquicas 2025

Menos rua, afastar instabilidade e limpar a imagem. A campanha do PS quis “reencontrar os eleitores”

10 out, 2025 - 06:30 • Alexandre Abrantes Neves

Ao longo de mais de cinco mil quilómetros, José Luís Carneiro repetiu vezes sem conta que quer voltar a ter o PS no "lugar que merece, no primeiro lugar". Mais do que localmente, o líder do PS pareceu estar interessado numa recuperação nacional - para isso, trouxe vários pesos pesados do partido e evitou entrar por temas fora da realidade autárquica.

A+ / A-

Na leitura do PS, a ideia foi jogar as fichas todas nesta campanha autárquica: mais de cinco mil quilómetros, passagem por 15 distritos do Continente e pelas ilhas, uma agenda frenética, com o líder a anunciar como objetivo “ganhar mais autarquias, assembleias municipais e assembleias de freguesia”, nomeadamente as autarquias de Lisboa e do Porto. Ninguém se apresenta a eleições para perder, mas o líder do PS deixou claro, ao longo dos 12 dias de caravana, que tudo se tratava de um meio para atingir um fim: recuperar a confiança dos eleitores a nível nacional, depois da forte derrota eleitoral nas legislativas.

“Disso não tenho dúvidas. Estamos a trabalhar para isso. O PS vai reencontrar-se com os portugueses, pouco a pouco”, afirmou José Luís Carneiro, na última terça-feira a bordo de uma traineira em Sesimbra, numa das muitas vezes (normalmente, até mais do que uma por dia) que assumia nas entrelinhas que o grande objetivo do partido era reconquistar os portugueses, num cenário de ascensão do Chega.

Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui

Para isso, as expressões-chave utilizadas pelo líder foram várias. Desde a “força tranquila” que diz ter introduzido no estilo de liderança do partido até à confiança que não o põe a transpirar de nervos e ainda à “casa comum” em que quer tornar o PS com pessoas vindas de todos os lados do espectro político, Carneiro foi repetindo os apelos para “confiarem no PS”, quase como se quisesse vencer pela insistência.

Até nos poucos temas que foram penetrando a campanha eleitoral, se notou que Carneiro está sempre a pensar na recuperação nacional do partido – a começar pelo reaparecimento do caso Spinumviva, da empresa familiar do primeiro-ministro.

“Nestas matérias, o mais importante é mantermos um sentido de Estado, confiar na justiça e evitar precipitações”, disse José Luís Carneiro, num estilo bem diferente do antecessor Pedro Nuno Santos que, inúmeras vezes, referiu que Luís Montenegro não tinha “idoneidade” para ser chefe do governo. Aliás, José Luís Carneiro evitou sempre as possíveis consequências políticas e eleitorais da polémica – da única vez que apontou a mira a alguém, não foi a Montenegro ou ao PSD.

O que para mim é incompreensível é que não tenha sido aberto um inquérito. Acho que essa é a explicação que deve dar o procurador da República: é porque é que não abriu um inquérito”, declarou o socialista, acrescentando ainda que os atores políticos não se devem intrometer no trabalho das instituições da justiça.

Da mesma forma, também no tema do Orçamento do Estado (OE2026), Carneiro mostrava que o PS não está interessado em mais nada sem ser em ganhar tempo e fôlego para recuperar a imagem antes de se apresentar de novo nas urnas. Nas negociações com o governo, os socialistas destrancaram a porta, disseram quais as condições para ficar aberta – deixar de fora a reforma laboral, temas de natureza laboral, do SNS e da Segurança Social –, o governo aceitou “as exigência” e, por isso, Carneiro disse tudo, só lhe faltou mesmo a palavra “viabilizar”.

“Respeitarei e honrarei a palavra que dei aos portugueses de contribuir para a estabilidade política no nosso país”, declarou esta quinta-feira em Braga, evitando, assim, deixar a decisão nas mãos do Chega e garantindo que do tema do OE2026 não surge uma crise política sobre a qual terá de tomar posição.

Partido unido e os temas (nem todos) que interessam

Para passar a imagem de um partido unido a trabalhar para “reencontrar os portugueses”, Carneiro convocou um plantel de estrelas do partido, desde aqueles que estão ao seu lado (como Augusto Santos Silva ou Fernando Medina) até outros que nem sempre o apoiaram internamente.

É o caso da antiga ministra, Mariana Vieira da Silva, que se juntou à campanha eleitoral primeiro em Aveiro e depois em Almada para mostrar que a distância de outrora (chegou a considerar que havia pessoas com “melhores condições” para assumir a liderança do partido em maio deste ano) são águas passadas.

“Zé Luís, vemos-te em todos os cantos do país, a todas as horas, não sabemos bem como descansas, nem quando. O que sabemos é que tens feito aquilo que o Partido Socialista precisa: estar em todos os concelhos, lado a lado com todos os nossos candidatos, com muita força, até à vitória no dia 12”, afirmou em Aveiro.

Também Francisco Assis (apoiante de Pedro Nuno Santos na corrida interna de 2023) se juntou a José Luís Carneiro para se mostrar convicto de que “a melhor forma de lidar com a derrota [das legislativas] é ganhar agora [nas autárquicas]”.

Perante o Theatro Circo cheio em Braga, o atual eurodeputado aproveitou também para criticar os adversários – avisou implicitamente a AD que “quem abdica de princípios por votos” acaba a perder as duas coisas, mas o grande destaque foi para o Chega.

“A única missão do Chega é por os portugueses uns contra os outros, é criar estigmas, é lançar labéus contra determinados setores: minorias, os imigrantes, etc. Ora, isso é o mais fácil, é o mais cobarde, é o mais miserável que se pode fazer na vida política”, para logo a seguir deixar a previsão: “Estou convencido que nós vamos assistir, no próximo domingo, ao primeiro grande apagão eleitoral do Chega na vida política portuguesa”.

Estes personagens não são desconhecidos para Carneiro. Em Espinho, o líder do PS juntou AD e Chega no mesmo recado, ao dizer a Luís Montenegro para não governar com “pouca humildade”, sentado num “cavalo com altivez” e a dar mais ouvidos ao “partido extremista”.

Esse foi, aliás, um dos poucos momentos em que o secretário-geral socialista partiu para a crítica direta. Ao longo de toda a campanha, Carneiro escolheu a dedo os temas sobre os quais queria falar, sempre sob o chapéu das “preocupações muito profundas” do país local e sobre os quais tinha propostas ou críticas concretas. Contornou, por isso, várias vezes as questões sobre a flotilha humanitária e não trouxe o tema da Lei dos Estrangeiros – preferindo focar-se, por exemplo, na permanência de barracas em Almada ou em Viseu, na reforma laboral que “promove a precariedade” ou na perda de rendimentos para quem recebe pensões até 520 euros.

Dentro de portas

Reuniões, visitas, comícios, almoços e jantares. A volta do líder socialista permaneceu a maior parte do tempo dentro de portas ou em ambientes mais controlados, onde quem marcava presença eram predominantemente militantes e apoiantes.

Ao contrário de anos anteriores, as chamadas ações de rua foram em menor número (por exemplo, a passagem por Angeiras foi retirada da versão inicial da rota sem explicação aos jornalistas) e, quando aconteciam, eram mais curtas – exemplo da ação desta quinta-feira no Porto, onde, em apenas cerca de meia hora, subiu apenas a Rua Formosa com o candidato Manuel Pizarro e embarcou para a reunião que se seguia na agenda.

A contribuir para a longa volta – cerca de cinco mil quilómetros –, estiveram também os indicadores internos do partido que fizeram acrescentar pontos ao trajeto realizado pelo secretário-geral. Foi o caso de Bragança, que fechou a última quarta-feira com o comício mais participado de toda a campanha, que se juntou à lista depois de as sondagens mostrarem que a antiga secretária de Estado, Isabel Ferreira, pode roubar a câmara que o PSD vence desde 1997.

Depois de 14 dias na estrada – incluindo o do próprio aniversário, a 4 de outubro –, José Luís Carneiro fecha esta sexta-feira a campanha para as autárquicas com o dia mais preenchido de toda a volta a Portugal: depois de duas ações na Grande Lisboa de manhã, arranca a tarde com a tradicional descida do Chiado e, à noite, participa em quatro comícios no distrito do Porto, terminando as hostes junto da candidatura de Manuel Pizarro.

Saiba Mais
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+