18 out, 2025 - 08:23 • Lusa
O candidato presidencial Gouveia e Melo afirma que Mário Soares é o seu modelo de Presidente, destaca o contributo de Ramalho Eanes para a democracia, mas demarca-se dos chefes de Estado militares não eleitos no pós-25 de Abril.
"O Presidente [da República] que mais gostei e que me revejo nele por diversas coisas, até como ser humano, é Mário Soares", afirma o ex-chefe do Estado-Maior da Armada em entrevista à agência Lusa.
Henrique Gouveia e Melo considera que Ramalho Eanes foi também "importantíssimo" numa fase da democracia - e que sem Eanes e Soares não teria a democracia que possui hoje.
Em relação a Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, o almirante considera que "foram já uma sequência".
"Se calhar por serem uma sequência já não lhes dei tanto benefício da dúvida. Mas o meu modelo, se tivesse que escolher um, seria Mário Soares. Tenho mesmo admiração pelo doutor Mário Soares", acentuou.
Em contraponto, Henrique Gouveia e Melo demarca-se totalmente dos primeiros chefes de Estado da democracia portuguesa, António de Spínola e Costa Gomes, ambos militares.
"Entraram para a Presidência [da República] através de um golpe militar, ou em resultado de uma revolução militar -- e eu tenho uma diferença absoluta em relação isso. O próprio general Ramalho Eanes, quando foi eleito pela primeira vez, era um militar no ativo, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e estava no Conselho de Revolução", assinala.
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A seguir, procurou vincar diferenças em relação à sua situação atual como candidato na corrida a Belém.
"Sou um civil, tenho muito orgulho no meu passado militar e não me envergonho de nada. Pelo contrário, entendo que é uma mais-valia. Mas sou um civil com os direitos cívicos de todo o cidadão", declara.
Gouveia e Melo, neste contexto, diz mesmo que a tese sobre a existência de perigos por ser militar o "aborrece".
"Não estou aqui porque se está a fazer um golpe militar, ou porque os militares de onde eu saí disseram vai para lá para fazer um golpe militar. Os militares, se calhar, até preferiam que eu ficasse lá. Estou aqui como cidadão com os mesmos direitos liberdades e garantias e com os mesmos deveres de qualquer outro cidadão", frisa.
Queixa-se, também, de perguntas que lhe faziam sistematicamente antes de formalizar a sua candidatura a Belém, questões que, na sua perspetiva, tinham subjacente uma espécie de chantagem.
"Perguntavam-me: O senhor o que vai fazer no futuro? Vai ser político? Se dissesse sim teria de sair imediatamente das minhas funções. Se dissesse não, queriam que isso ficasse marcado. Isso era uma chantagem que me faziam todos os dia - e eu comecei a dizer nim". E explicou porquê?.
"Não me quis submeter a essa chantagem. Ninguém tem o direito de limitar a opção futura de qualquer pessoa, porque isso não é um direito exigido na Constituição ou na lei portuguesa a qualquer militar", acrescenta.
Nesta entrevista, Gouveia e Melo relativiza as sondagens, apontando que a verdadeira só será feita em 18 de janeiro próximo. Recusa que a sua candidatura tenha sofrido um desgaste nos últimos meses e justifica alguma quebra pela circunstância de haver agora candidatos presidenciais "de todos os partidos, praticamente".
"O facto de aparecer um candidato para cada faixa partidária obriga a dividir os votos. Naturalmente, baixei nas sondagens mais por esse efeito do que por efeito de desgaste", defende.
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Candidato presidencial posiciona-se ao centro: “Já(...)
Interrogado se teme ficar apenas com o eleitorado marginal de cada um dos principais partidos, o almirante rejeita essa perspetiva, alegando que "a lealdade partidária hoje não é o que era há 20 anos".
"Os partidos não são donos das suas áreas de incidência ideológica", advoga.
Do ponto vista político, Henrique Gouveia e Melo afirma colocar-se ao centro e diz que não mudará de estratégia consoante o seu adversário numa eventual segunda volta das presidenciais.
"Não há nenhuma estratégia específica. Eu estou ao centro. Naturalmente, um candidato de direita que vá comigo [à segunda volta] vai ter de combater o centro e a esquerda, porque a esquerda não vai votar num candidato de direita. E um candidato de esquerda que vá comigo vai ter de combater o centro e a direita. Todas as sondagens mostram que venço na segunda volta, mesmo a pior das sondagens", realça.
O almirante Gouveia e Melo considera que um Presidente da República só pode ser moderador do regime se for isento e que o seu adversário Marques Mendes vai ficar com uma dívida ao PSD, que será cobrada.
Em entrevista à agência Lusa, o candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo defende que Portugal precisa de um Presidente da República realmente isento e não de um "Cavalo de Troia" de um partido.
"Esse cavalo de Troia pode fazer duas coisas: Está lá para validar tudo o que o partido faz; ou está lá para, na primeira oportunidade, encontrar uma situação para deitar abaixo uma governação. A isenção é muito difícil de ter quando devemos muitas lealdades, não só pelo nosso percurso, mas até pelos apoios que temos no momento da eleição", adverte.
Neste ponto, o ex-chefe do Estado Maior da Armada vai mais longe: "O doutor Marques Mendes pode dizer que não é do PSD, que é independente, etc. Sem o PSD não seria eleito. Portanto, ele vai ficar com uma dívida ao PSD. E essa dívida vai ser-lhe cobrada", acusa.
Para Gouveia e Melo, "não há moderação sem isenção".
"A moderação que Marques Mendes fala é uma moderação natural de qualquer pessoa minimamente inteligente, com bom senso, adulta. Por outro lado, o Presidente não é só o moderador do regime, é também um árbitro e um verificador. E, quanto a dizer-se que eu não tenho experiência política, eu não tenho é experiência político-partidária", contrapõe.
Invoca, para o efeito, o seu papel de liderança no processo de vacinação contra a covid-19.
"Quando os supostos políticos cheios de capacidades de moderação e cheios de experiência política tiveram de conduzir um processo político, que era o processo de vacinação, falharam. Eu, que supostamente não tinha experiência em nenhuma política, fiz esse processo com todas as pessoas, não fiz sozinho. E como não fiz sozinho tive de negociar, tive de agregar e de definir objetivos. Isso é que é verdadeiramente a política", defende.
Gouveia e Melo recusa também que tenha um perfil autoritário, prejudicial a um trabalho de fazer consensos e construir pontes a partir de Belém entre setores em divergência. Na sua opinião, acontece apenas que algumas pessoas querem metê-lo dentro de um fato feito à medida dos interesses dessas mesmas pessoas.
"Enquanto militar tinha autoridade, não era autoritário. Tinha autoridade porque os militares são disciplinados e hierarquizados, o que não significa que não saiba trabalhar num sistema mais livre, mais horizontalizado. E tanto sei trabalhar num sistema mais horizontalizado que provei isso", refere, numa nova alusão ao combate à pandemia da covid-19.
O candidato promete que irá bater-se pela estabilidade política -- e critica a dissolução do parlamento decretada por Marcelo Rebelo de Sousa em novembro de 2023, quando o PS tinha maioria absoluta.
Considera que a proximidade junto do povo português e os afetos são importantes na figura de um chefe de Estado, mas também aponta que isso não chega.
Questionado se os portugueses vão perder os afetos se suceder a Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República, Gouveia e Melo começa por elogiar o atual chefe de Estado pela forma como interagiu com os cidadãos: "Fez muito bem nessa área, ser um Presidente de proximidade, um Presidente dos afetos".
"Não é mau ser um Presidente dos afetos, mas não pode resumir-se a isso ou afunilar-se nisso", assinala.
"E não pode ficar também condicionado por isso na sua ação, porque muitas vezes na política é preciso tomar decisões difíceis, e as decisões difíceis às vezes não agradam a todas as pessoas", acrescenta.
Nesta entrevista, Henrique Gouveia e Melo mostra-se apreensivo com a instabilidade política em Portugal nos últimos três anos e com um eventual crescimento do populismo, frisando que o país não pode continuar em ciclos curtos de governação.
"Os ciclos curtos de governação não resolvem os problemas do país. E não se resolvendo os problemas do país cria-se uma insatisfação que se vai acumulando, uma frustração, até que aparece uma solução populista. E essa solução populista toma conta do país e normalmente não toma conta do país de forma democrática", adverte, embora logo a seguir faça a ressalva que Portugal ainda não está perto desse ponto.
Interrogado se a instabilidade política resulta em parte da legitimidade reforçada inerente aos presidentes da República, que são eleitos diretamente pelos cidadãos, Gouveia e Melo discorda dessa tese do ex-primeiro-ministro e atual presidente do Conselho Europeu, António Costa.
"O nosso sistema constitucional é semipresidencial, ponto final", responde.