09 ago, 2023 - 06:33 • José Pedro Frazão
O grupo de jovens ucranianos que se encontraram com o Papa Francisco na Nunciatura Apostólico de Lisboa, durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ2023), foi escolhido de forma a representar vários pontos do território ucraniano.
Era composto por 13 pessoas, na sua maioria raparigas, com origem em diversas províncias da Ucrânia Ocidental e Oriental, acompanhados por dois sacerdotes. O líder da delegação foi Maxim Demush, padre greco-católico, fluente em italiano, que foi apresentando os jovens ao Papa.
"Quisemos trazer ao Santo Padre a integridade da realidade de quem sofre com as bombas, de quem tem medo, de quem tem feridas de mísseis, mas também de quem tem feridas pela perda do seu pai, do seu irmão ou de entes queridos. Eram jovens ucranianos de todo o país, do Donbass a Lviv, de Kharkiv a Odessa ou Mykolaiv", explicou o coordenador greco-católico da delegação que veio da Ucrânia.
Maxim Demush partilhou a coordenação operacional das peregrinações ucranianas com o padre polaco Waldemar Pawelec, da Igreja Católica Romana, em Kiev. Ambos trabalharam diretamente com o Comité Organizador Local (COL), organizando e conduzindo a viagem de D. Américo Aguiar à Ucrânia, semanas antes da Jornada Mundial da Juventude.
O encontro foi marcado pela emoção e pelo simbolismo de alguns presentes entregues ao Papa. Um jovem entregou trigo ucraniano a Francisco, como exemplo dos cereais ucranianos destruídos pela guerra e bloqueados na exportação. Um folar tradicional foi repartido e o Papa recebeu duas garrafas plásticas contendo água benta de Zarvanytsia, santuário mariano do centro da Ucrânia onde D. Américo Aguiar tinha estado três semanas antes.
"O Papa Francisco não falou muito. Escutou as histórias dos jovens ucranianos, as histórias e as suas feridas causadas pelo governo russo, os soldados russos e as bombas russas. Contaram histórias de perdas das suas famílias, das suas vidas, das suas juventudes. O Papa ouviu e enxugou as suas lágrimas. Chorou junto a eles e sentiu esta compaixão como um pai", revela o padre Maxim Demush, que antes de se despedir do Papa ainda registaria no seu telemóvel uma breve saudação para os jovens ucranianos que não puderam vir a Lisboa.
Uma das jovens peregrinas chorou intensamente ao entregar ao Papa uma fotografia do seu pai acompanhada por um texto manuscrito em espanhol. "Este era o meu pai Denys. Era advogado e devia encabeçar o Comité Papa para a Ucrânia. Mas nos primeiros dias de guerra foi defender a Pátria. Peço que rezem pelo mau pai Denys que, com fé e oração de um cristão sedento, deu a sua vida a defender a Ucrânia. Peço orações pela Ucrânia e pela vitória", podia ler-se no texto envolto numa capa plástica.
Outra jovem ucraniana entregou ao Papa os fragmentos de um míssil russo caído junto a uma igreja na região de Kherson. Uma jovem de Kramatorsk, cidade do Donbass junto à frente de combate, mostrou uma de duas bandeiras assinadas por soldados ucranianos. Uma foi abençoada pelo Papa e outra foi mesmo beijada por Francisco.
"Mesmo sem poder fazer nada, o Papa chorou e rezámos juntos. No final, o Papa reconheceu esta impotência para lutar contra o mal que é muito, muito cruel", contou Maxim Demush. O Pai-Nosso foi a oração partilhada pelo Papa e pelos jovens ucranianos dispostos em semicírculo em torno de Francisco na sala de reuniões da Nunciatura Apostólica.
Apenas 17 peregrinos católicos russos estão presen(...)
Ao longo da Jornada Mundial da Juventude, um grupo de jovens ucranianos organizou ainda um momento de evocação das crianças mortas na guerra. Durante a Via-Sacra, no Parque Eduardo VII, os jovens ucranianos apresentaram-se em silêncio, envergando camisolas pretas com nomes e faces de crianças que perderam a vida desde fevereiro de 2022.
"Foi muito importante estar aqui. Sua Beatitude, o patriarca greco-católico Sviatoslav Svechvuk, ao incentivar os jovens a participar na Jornada Mundial da Juventude, disse-nos exatamente estas palavras: ' Temos que estar aqui, porque há quem queira que não estejamos aqui'. Com a nossa presença, mais de 500 jovens ucranianos declararam que nós existimos, lutamos, oramos, resistimos ao mal. Os jovens ucranianos vieram aqui a Lisboa para gritar pela verdade e pela paz. Vieram aqui para dar testemunho do Cristo sofredor e para encontrar o Cristo ressuscitado", explica o Padre Roman Demush, que também trouxe a Lisboa a mulher e o filho.
Oleksandr Jaslovezkyj, bispo auxiliar de Kiev, da Igreja romana ucraniana, tinha-nos confessado semanas antes que a deslocação de ucranianos a Lisboa tinha causado alguma incerteza sobre a possibilidade da presença de jovens na JMJ devido à guerra.
"Mas sentimos que a oração coletiva tem poder. E a nossa presença lembrará sempre os católicos e o mundo jovem de que existe a Ucrânia, motivando-os também a rezar por nós", explicou à Renascença. Este argumento foi sempre central em todos os testemunhos de jovens que vieram a Lisboa, como o de Maria, de 18 anos, acolhida pelos salesianos, que expressava a vontade em contribuir para uma maior corrente de oração pela Ucrânia.
Outros, como Olga, decidiram mesmo fazer parte de um corpo de 50 voluntários ucranianos na Jornada Mundial da Juventude. Para esta trabalhadora-estudante de Kiev, esta não foi uma estreia neste evento católico internacional.
"Já estive em duas JMJ, em Cracóvia e em Madrid. E este ano, pensei ir como voluntária, para servir e talvez compartilhar a minha experiência. Na verdade, foi uma decisão bastante difícil em termos económicos", conta Olga.
A maior parte dos grupos ucranianos pararam em Lourdes (França) e em Fátima, antes de chegarem a Lisboa. Na capital, as catequeses e celebrações encheram a Igreja da Graça durante três dias, com a presença de diversos bispos da diáspora ucraniana na Europa e nos Estados Unidos. No final da última missa, celebrada em rito grego horas antes da vigília no Parque Tejo, os ucranianos agradeceram à paróquia lisboeta e cantaram com grande alegria, sempre na presença de bandeiras azuis e amarelas.
No mês anterior à Jornada Mundial da Juventude, a organização desistiu de um encontro entre peregrinos russos e ucranianos em nome da paz. As palavras trocadas entre a delegação de jovens ucranianos e o Papa confirmaram essa dificuldade.
Antes de partir para Lisboa, o bispo auxiliar de Kiev fazia depender o diálogo do comportamento dos jovens russos. "Tudo depende da posição deles. Se na cabeça desses jovens russos tudo estiver em ordem, estamos prontos para orar, para ficar com eles, para comunicar com eles. Mas quando eles começam a expressar as palavras de propaganda russa, é doloroso para nós escutar tudo isso", explicava-nos o bispo Oleksandr Jaslovezkyj à partida em Kiev.
Já Roman Demush, padre greco-católico que conduziu o diálogo dos jovens com o Papa na Nunciatura Apostólica em Lisboa, fez um silêncio prolongado antes de responder sobre a possibilidade desse diálogo em Lisboa.
"Para dialogar é preciso esclarecer as coisas. É preciso reconhecer de que lado se está, do lado do mal ou do lado do bem. Não viemos aqui para conversar, não viemos aqui para fazer as pazes. Viemos aqui para dizer a verdade, a de que os jovens ucranianos são vítimas da guerra que a Rússia faz no nosso país", respondeu em plena Igreja da Graça em Lisboa.
Visita à Ucrânia
Presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventud(...)
Dois dias depois do fecho da JMJ, o padre greco-católico decidiu voltar a este tema numa publicação na rede social Facebook. " Sim, eles [referência aos jovens russos] estiveram lá. Nós vimo-los. Mas nenhum 'deles' perguntou 'como estão?'. Ninguém nos pediu desculpas, ninguém estava à procura de um diálogo. Em vez disso, milhões de pessoas de todo o mundo abraçaram-nos, choraram e rezaram connosco", pode ler-se nesse texto ilustrado pela foto da camisola ucraniana da JMJ que promete uma Ucrânia que "persiste, combate e reza".
O padre Roman Demush assegura que os ucranianos partiram de Lisboa com um coração feliz, "porque somos testemunhas do Cristo vivo, do Cristo ressuscitado". Recuperando a visita privada ao Papa Francisco, o clérigo greco-católico assinala que os jovens ucranianos testemunharam "uma coisa linda", a de não perderam a fé apesar do horror da guerra.
"Redescobriram a fé no Deus que lhes dá forças para sobreviver. Eles reencontraram a fé que lhes dá a oportunidade de seguirem em frente. Somente com o Cristo vivo, se vence o mal e a morte."