21 jan, 2025 - 15:24 • Ana Catarina André
As vítimas de abusos sexuais no âmbito da Igreja demoram em média 43 anos a relatar o crime de que foram alvo.
Na conferência de imprensa de apresentação do terceiro relatório do Grupo Vita, o organismo criado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) para acompanhar as vítimas de abuso sexual de menores, a coordenadora, Rute Agulhas, adiantou que a maior parte dos casos teve lugar nas décadas de 1960 e 1980 e que os testemunhos relativos a casos mais recentes, ocorridos desde 2000, serão três ou quatro.
"Temos que apostar numa abordagem mais próxima das crianças e dos jovens", reconheceu. "Por isso, estamos a desenvolver programas de prevenção que os catequistas, professores de moral educação religiosa católica e outros professores poderão usar", disse, considerando que "há seguramente crianças e jovens a serem abusados hoje".
Como a Renascença avançou, o Vita identificou, até ao momento, 118 vítimas de violência sexual (mais 13 do que em junho de 2024) e um leigo que cometeu crimes deste tipo no âmbito da Igreja. Recebeu, também, 61 pedidos de compensação financeira. Entre estes, há oito processos já concluídos na sequências de entrevistas feitas às vítimas.
Segundo Rute Agulhas, até ao momento, "não foi definido qualquer teto, baliza, intervalo” dos montantes a atribuir às vítimas – a equipa que vai definir esses valores poderá começar a ser criada, segundo a psicóloga, em março ou abril. A responsável voltou a lembrar que, para evitar casos de revitimização, "quem já fez o seu relato previamente" e se este "estiver documentado, não é necessário voltar" a contar a sua história.
De acordo com o relatório, além das compensações financeiras, 19 vítimas pediram apoio psicológico regular (as consultas são pagas pela Igreja). Cinco requisitaram apoio psiquiátrico e sete apoio social. Houve, ainda, uma pessoa a solicitar apoio jurídico e outra apoio espiritual.
Tal como mencionado nos relatórios anteriores, as vítimas continuam a ter em média mais de 50 anos. São maioritariamente do sexo masculino e escolarizadas (38,7% completaram o 9.º ano, 37,1% têm formação superior e 24,2% concluiu o ensino secundário). A idade mais prevalente de ocorrência da primeira situação abusiva está entre os 10 e os 11 anos. "Existem diferenças significativas ao nível do impacto emocional, ou seja, verifica-se maior irritabilidade e raiva nos homens e mais medo a ser relatado pelas mulheres ", destacou Joana Alexandre, membro do Grupo Vita.
O documento indica, também, que 30,7% das vítimas mora atualmente na região de Lisboa e Vale do Tejo, 29% na região Norte, e 25,9% na região Centro (25,9%). As restantes 14,4% residem noutras áreas do território nacional.
Desde que foi criado, o Vita recebeu 587 chamadas telefónicas das quais 34 eram relativas a situações ocorridas noutros contextos que não o eclesial e, por isso, fora do âmbito de atuação da equipa liderada por Rute Agulhas. "São situações de violência doméstica, abuso sexual intrafamiliar ou numa escola, e até assédio laboral. Sentimos que as pessoas, muitas vezes, nos contactam acreditando terem aqui uma porta de entrada. Naturalmente, encaminhamos estas situações para as entidades competentes", disse Rute Agulhas.
Desde que foi criado, em abril de 2023, o Grupo Vita sinalizou 70 situações de abusos sexuais à Igreja e enviou 25 casos à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Polícia Judiciária (PJ). De acordo com o relatório, 47 sinalizações foram enviadas às diferentes comissões diocesanas – as dioceses com mais casos reportados são Lisboa (10), Porto (9) e Braga (7). "As restantes foram feitas junto dos diversos institutos religiosos", acrescentou a coordenadora do grupo.
O Grupo Vita atendeu 62 pessoas, 71% das quais recorreu exclusivamente ao Vita para contar a sua história. As restantes (29%) já tinham procurado anteriormente a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja, o organismo criado anteriormente pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) para estudar o fenómeno em Portugal.
Ao longo do ano de 2025, o Vita pretende apresentar dois programas de prevenção primária dirigidos a crianças e jovens – o programa Girassol, destinado a crianças entre os seis e os nove anos e outro, um jogo digital, para a faixa etária entre os 10 e os 14 anos. Está previsto que a formação necessária para que sejam implementados se realize até ao fim do ano.
O relatório indica ainda que as ações de sensibilização e formação desenvolvidas pelo Vita chegaram a cerca de 2.700 pessoas e que metade das dioceses em Portugal já solicitou formações para padres, diáconos, agentes pastorais e membros de IPSS. "Acreditamos que nos próximos meses chegaremos aos 100%”, disse Rute Agulhas.
Até ao momento, o grupo criado na sequência da extinção da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica realizou ações deste tipo nas dioceses de Évora, Vila Real, Portalegre-Castelo Branco, Funchal e Algarve. Em breve, seguem-se as Aveiro, Bragança-Miranda, Leiria-Fátima, Porto, Setúbal e Viseu.
Na apresentação foram ainda disponibilizadas três brochuras sobre proteção e prevenção (uma para crianças, outra para jovens e outra para adultos) que podem ser descarregadas no site do Grupo Vita.
Rute Agulhas revelou, ainda, que o Vita está a organizar um congresso internacional sobre abusos sexuais que terá lugar em Fátima, em Novembro, e que contará, entre outros especialistas, com a presença de Hans Zollner, antigo membro da Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores.