Renascença em Roma

Preferia carbonara a bacalhau, mas adorava ali estar. Papa ainda é esperado no único restaurante português em Roma

28 fev, 2025 - 06:00 • Alexandre Abrantes Neves, enviado especial a Roma

Antes de Francisco, também Bento XVI passou pela única ementa com assinatura portuguesa da capital italiana. No restaurante que se ergueu há mais de 20 anos com uma história de amor, todos se unem em orações pelo Papa: "É muito amado pelo povo".

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Papa Francisco ainda é esperado no único restaurante português em Roma
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Cruza-se a porta de entrada e a mistura dos sentidos funciona como uma ponte aérea de volta a casa. A bandeira verde e vermelha à entrada, o cheiro a bacalhau, o sabor do pastel de nata e o “obrigado” que se ouve lá ao fundo. Estamos no único restaurante português de Roma.

“Uma vez, fomos a Paris com as nossas filhas e encontrámos um restaurante português. Fomos jantar e fiquei tão bem, tão contente, que disse: ‘Em Roma, não há nada. Temos um restaurante, por que é que não vamos tentar?’”.

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A vida de Fátima Afonso confunde-se com a história deste restaurante, que gere a meias com o marido. Há 31 anos, chegou a Roma para “passar só um ano, ver a cidade, conhecer a língua”. Mas o amor trocou-lhe as voltas.

Nesta mesma sala, algures na década de 1990, a Fátima de 18 anos jantou com um grupo de amigos, onde estava o italiano Carlos, filho dos donos. A seguir, foram beber um copo. Quando deram por si estavam apaixonados. “E nunca mais nos deixámos!”.

O projeto do restaurante foi desenhado a dois, a partir do momento em que os sogros deixaram de explorar este espaço, mesmo à porta do Vaticano. Correram a internet para arranjar fornecedores, lá conseguiram ter a despensa recheada de azeite e grão português e até aprenderam a dominar a técnica do pastel de nata.

Hoje, têm uma ementa metade portuguesa, metade italiana - que faz as maravilhas de quem trabalha ou vive por perto e aproveita para ir ali almoçar ou jantar.

“Passou um padre e ficou aqui espantado a olhar. Fiquei curiosa e fui [perguntar]. (…) Ele disse: ‘Vocês não sabem a emoção. Vim agora de uma audiência com o Santo Padre e ele disse-me que queria tanto vir aqui, ao Tre Puppazzi”.

Para Fátima, é difícil recordar-se de Francisco como cliente do restaurante (naquela altura, ainda cardeal Bergoglio), mas o marido, mais tímido, revela que o Papa não arriscava e preferia os clássicos italianos: “Gostava muito de pedir carbonara."

Vídeo. Na basílica preferida do Papa, está tudo a pensar em Francisco
Vídeo. Na basílica preferida do Papa, está tudo a pensar em Francisco

Mas não foi só o Papa argentino. Estas paredes (onde se apoiam muitos azulejos com caravelas das descobertas portuguesas) já foram espetadoras de um autêntico desfile dos nomes mais sonantes da Cúria Romana. A fita pode ser puxada mais de 20 anos para trás - com os almoços de Fanta e all’amatriciana de Bento XVI (ainda cardeal Ratzinger) - ou só um par de meses, até às visitas de D. Tolentino de Mendonça para comer um caldo verde.

“Gosta tanto que, às vezes, até nos pede para entregar em casa!”, afirma num tom de voz que alinha com o olhar para agradecer o tratamento especial.

O Papa "do povo" que ainda é esperado

Não é requisito obrigatório, mas muitos dos empregados aqui também são portugueses. Lucas Pinto, faz no próximo domingo 24 anos, anda entre Roma e Portugal há quase doze anos - “voltei para a Lousã para fazer o secundário, era menos tempo de escola lá”.

Entre os muitos risos, confessa ter saudades da família, mas não pensa regressar já. Em parte, por causa do dinheiro, mas também porque aqui também já se sente em casa. “Temos outros colegas que são portugueses, (…) também há muitos brasileiros. A língua não se perde”.

Chegou ao restaurante para trabalhar “ainda novinho”, para substituir o pai. Por aqui, já viu passar D. Tolentino de Mendonça, cardeais vindos de todos os lugares e muitos turistas - “é bom, assim faturamos!”. De todos, sentiu que a curiosidade por Portugal ia para lá do cardápio.

“Falam connosco, querem perceber o porquê de termos vindo para cá viver, há quanto tempo já cá estamos, se gostamos de estar cá. Mas também há sempre qualquer cliente que fala das equipas portuguesas [de futebol]”, recorda.

Todas estas conversas acabaram por desaparecer nas últimas semanas, a partir do momento em que o Papa Francisco entrou no hospital. Aqui, a situação é acompanhada com muita apreensão.

“Fiquei em choque, quando vi que tinha tido uma crise respiratória. É um Papa muito amado aqui pelo povo de Roma”, assinala Fátima que, apesar de já não ouvir a conversa, se alinha com o que o empregado Lucas diz à Renascença.

“Agora vamos esperar, pelo que pode acontecer”. E, enquanto esperam, continuam a rezar pelo Papa e com a porta aberta para receber este antigo cliente.

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