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A Renascença em Roma

Papa da missão ou amigo Jorge Mario? Argentinos em Roma esperançosos na recuperação de Francisco

03 mar, 2025 - 09:53 • Alexandre Abrantes Neves, enviado especial a Roma

Na igreja argentina em Roma, há memórias com o Papa por cada canto. Fotografias, mensagens de esperança e de agradecimento não faltam - mas também aqui se pede a Francisco para não falar da vida interna do país.

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Vídeo: "Emprestaram" o "argentino mais importante" ao mundo. Agora rezam por ele em Roma
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A missa já começou, mas há quem chegue atrasado e não vá apressado sentar-se. À esquerda de quem cruza a porta de entrada, mesmo ao lado da fonte de água benta, ergueu-se um pequeno altar para rezar pelo “amigo e conhecido Jorge Mario”. As velas acumulam-se e a cera de umas e de outras já transborda dos copos e funde-se no tabuleiro. Uma delas foi acesa por Ester.

“Conhecia o Papa Francisco de Buenos Aires como uma cidadã comum”. Chegou a Itália há cerca de um ano, para acompanhar o marido que trabalha por cá. Do outro lado do oceano, deixou em pausa o sonho latino de dar aulas – que tentou sempre cumprir inspirada pelas palavras do Papa.

“Ele insiste na sua mensagem constante de paz. A paz antes de tudo, o amor antes de tudo, a esperança. O mais importante é a esperança, a ideia de que podemos fazer um mundo melhor. É mais do que importante aprender a tomar esta mensagem e levá-la às novas gerações”, afirma em jeito de compromisso e sem conseguir largar o sorriso na voz.

Estamos, claro, numa das igrejas da comunidade argentina em Roma, a Igreja de Nossa Senhora das Dores.

Se não percebêssemos pelos testemunhos, seria por aquilo que está aos nossos olhos. No altar, o lado esquerdo é ocupado por uma enorme bandeira azul e branca, com o sol de maio ao centro. Cá em baixo já, vê-se mais um placar de oração – em espanhol – pelo Papa Francisco. Também à boa moda da América Latina, as paredes estão despejadas de vitrais e santos e pintadas num tom pastel de amarelo

As orações vêm quase sempre acompanhadas de música. E não só. Também de orgulho. “Não há argentino mais importante do que o Papa Francisco. Nenhum”. O padre Fernando chegou a Roma só há um par de anos, já Francisco estava em velocidade cruzeiro na missão de deixar a sua marca no Vaticano. “Tem muito carisma. Apontou a Igreja para a senda do Concílio Vaticano II”, admite à Renascença.

Vai puxando a fita atrás e contando a história de um filme de fé e de serviço como padre que parece ter sempre Bergoglio em pano de fundo. Das histórias e exemplos que recorda, há uma grande conclusão a tirar: o discurso “especial” e com “carisma” não mudou com a passagem de cardeal a Papa.

“Na primeira missa que fui celebrada por ele como Papa, ele disse: ‘Vamos marcar o caminho como misericórdia e missão’. Já em Buenos Aires o dizia. (…) Aos leigos, dizia para serem pessoas da rua. Têm de estar na rua, com a sua vida e palavra, a anunciar o Senhor”.

Muçulmanos, hindus. O "melhor de Francisco" é tê-los chamado a todos

Todos os domingos, a sala paroquial vira um autêntico salão de baile. A seguir à missa, e até às dez da noite, há música, jantar partilhado e boa disposição para quem quiser aparecer (até cães) e quiser conhecer ou matar saudades da cultura argentina.

Esta semana, Edite alinha o discurso com as orações de todos e vai passando a pente fino os momentos em que se cruzou com o Papa Francisco - "demos abraços, já falámos de tudo!".

O dedo que vai mostrando as fotografias no visor do telemóvel é bem mais lento que as memórias que não param de surgir em catadupa. Primeiro, ainda na Argentina, quando o então bispo de Buenos Aires visitava o colégio onde era diretora anualmente. Depois, já em Roma, quando foi recebida no Vaticano, com outras dezenas de famílias de oficiais militares da América Latina, destacados em Itália.

Quando se põe a pensar por que razão é este Papa especial, responde prontamente, mas sem antes suspirar e dar uma gargalhada breve e leve.

“Independentemente da crença. É muito nobre, querer unir-nos a todos. A todos, a todos. Ao Islão, aos muçulmanos, aos hindus. Tem uma fé de peregrinação muito bonita”.

Argentino, mas longe da política - e de Milei

Em 2013, quando Francisco foi eleito, Nico, de 22 anos, percebeu logo que seria único ter um Papa compatriota. “Falar a nossa língua é sempre bom. Olha para os nossos problemas e isso dá-nos confiança nele”.

Mas falar a língua e ser argentino não é carta branca e Nico não entende aqueles que pedem ao Papa para se introduzir mais na vida política argentina.

“É sempre complicada a política na Argentina. Para mim, o Papa não tem de se meter muito. Só tem de intervir para promover a serenidade e a paz”, considera, num tom já pontuado pelo nervosismo.

Durante a campanha eleitoral em 2023, o agora presidente Javier Milei acusou o Papa de ser um “imbecil que defende a justiça social”. O próprio acabaria por pedir perdão numa audiência com o Papa no ano passado.

O conflito ficou sarado, mas, para Humberto, marido de Edite, ainda se mantém a dúvida de este ser ou não um motivo para o Papa não ter ainda marcado uma viagem papal à Argentina.

“Em algum momento, ele irá à Argentina. A decisão de ir ou não à Argentina compete ao Papa. Eu não sou ninguém para decidir porque sim ou porque não. Creio poder acompanhar essa visita ainda”.

Ele e todos os outros que, enquanto não têm novas sobre Francisco, o homenageiam no final da oração com uma salva de palmas.

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