10 mar, 2025 - 07:00 • Liliana Carona
Um homem sereno, principalmente quando surgem desafios com os quais não contava, e com vontade de contribuir para o bem comum. Assim se define o novo bispo da Guarda, que será ordenado no próximo domingo, 16 de março. D. José Miguel Barata Pereira abraça a nova missão com esperança.
Em entrevista à Renascença, aponta algumas prioridades para a diocese e fala sobre o lema episcopal. Revela também um pouco do lado mais pessoal, de como gosta de ouvir a música "Para os Braços da Minha Mãe", de Pedro Abrunhosa, e de como aprendeu a “conversar” com a mãe, que partiu em 2014.
“Eu acho que o Nosso Senhor me tem dado alguma paz, aliás é uma das coisas que eu tenho de reconhecer que para os grandes desafios, sejam pessoais ou que envolvam pessoas próximas, normalmente Deus dá-me tempo para ir rezando, para ir olhando, para ir ouvindo os ‘para quês’ e ‘por ondes’”, começa por destacar, numa entrevista à Renascença que aconteceu à distância, uma vez que se encontra num retiro espiritual.
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D. José Miguel Barata Pereira nasceu em Lisboa, a 7 de novembro de 1971. O pai de Arraiolos, a mãe do Fundão. Tem uma irmã mais velha e dois irmãos mais novos, e na família teve uma tia avó religiosa da Arquidiocese de Évora e uma tia consagrada na Ordem Terceira Franciscana, que lhe oferecia sempre livros ou cassetes de inspiração cristã que foi lendo e ouvindo na adolescência.
Os pais deram-lhe educação cristã, mas nunca lhe falaram diretamente da vocação. Mas D. José Pereira reforça que “tinham uma personalidade sensível à verdade, à justiça e ao outro”.
Quando recebeu o telefonema da Nunciatura Apostólica, , a 15 de dezembro, com a notícia de que seria o próximo bispo da Guarda, o prelado foi confrontado com o inesperado. “Poderia não ser para isto. Em 2014, ligaram-me por causa de um assunto de transporte de móveis para o Seminário”, graceja, admitindo que ficou desassossegado. “Deixou-me inquieto, mas não foi ainda a confirmação de que seria um chamamento desta ordem”, relembra.
Assumindo que cada vez há mais bispos jovens, como o próprio cardeal D. Américo Aguiar ou D. José Cordeiro, o cónego José Miguel Barata Pereira, reitor do Seminário dos Olivais, vai ser ordenado bispo da Diocese da Guarda aos 53 anos.
A simplicidade com que se define mantém-se. “Eu costumo dizer na brincadeira agora à rapaziada das missões, aqui do Seminário, que me tratavam por padre Zé, perguntam-me como me devem tratar agora. Desde que não me chamem nomes, tratem como quiserem. Sempre fui conhecido por Zé ou Zé Miguel, mas penso que mais breve e simples será José”, conta.
“Creio que sou alguém com uma certa alegria de ter sido encontrado por Nosso Senhor e que fala disso com paixão e com verdadeira gratidão e verdadeiro sentido de preenchimento. A certeza de que a fé não é apenas uma convicção ou apenas uma opção de cada um, mas é de facto uma surpresa”, desvenda.
“Gosto de pensar nas coisas, gosto de refletir, acho que tenho alguma capacidade de tomar decisões. Tenho uma certeza profunda do tempo de Seminário, que é preferível a comunhão do que a suposta iluminação. Não tomar decisões à pressa, a comunhão e a unidade são sinais da fé. Acho que sou cordato, sei ouvir e criar condições para caminharmos juntos”, descreve.
De reitor do Seminário dos Olivais, em Lisboa, para bispo de uma diocese que sofre com o despovoamento, esperança é a palavra de ordem.
“Inteirei-me tanto quanto é possível inteirar, assim de fora. Da Diocese da Guarda já tive oportunidade de falar com o D. Manuel Felício, já me cruzei com um ou outro padre, irmão ou leigo e já ouvi uma inquietação ou até manifestação de disponibilidade para trabalharmos em conjunto. Parece-me que temos dois ritmos na Diocese da Guarda: temos um ritmo mais das aldeias, portanto mais envelhecido, mais desertificado, com muitas paróquias, mas com poucas pessoas. E depois temos ainda outro núcleo de cidades de média dimensão ou de pequena dimensão e vilas maiores onde existe alguma juventude e que pode fazer um esforço de igreja e de inquietação vocacional”, observa.
D. José Pereira parte para esta nova missão com "esperança", tendo em conta o trabalho de formação e animação da fé, nos seminários, mas também com estudantes das escolas e universitários.
"Às vezes, a dificuldade está em criarmos as condições para que se escute. É verdade que a zona do Interior não é uma zona populacional densa como aquela a que estou habituado, mas Deus não falha e dá a cada realidade os meios e as pessoas necessárias para servir”, assegura D. José Pereira.
O lema episcopal escolhido pelo novo bispo da Guarda adequa-se perfeitamente ao cenário que prevê encontrar: “O Senhor é bom. O Senhor está próximo", retirado do Salmo 99.
"É um Salmo que rezamos regularmente na liturgia das horas. A afirmação clara de que Deus é bom, é sempre bom, é mesmo bom e as nossas dificuldades em reconhecer a bondade de Deus, prendem-se muitas vezes com as visões que nós vamos construindo acerca de Deus”, explica, referindo-se ainda à segunda parte do lema.
“O Senhor está próximo é retirado da Carta aos Filipenses, no terceiro domingo do Advento, em que recebi a chamada da Nunciatura e é uma afirmação de que mesmo nos momentos mais duros, mesmo no meio das situações de contradição ou de maldade, o Senhor aproxima-se”, salienta.
D. José Pereira acrescenta a importância de aprender a lidar com a morte. “Nunca sabemos quando partimos, mas é uma certeza de que nos esquecemos. Aprender a lidar com isso, sem medo, sem angústia, nem como ameaça, mas como realidade que desperta esperança até, é uma afirmação urgente neste tempo”, conclui.
“Quando às vezes tantos desconfiam e até desacreditam de Deus, diante da maldade, diante do efémero e das perdas, daquilo que se perde, das ameaças, dos riscos e a nossa juventude, hoje muitas vezes com crises, picos de ansiedade diante do medo do futuro por causa das guerras, das alterações climáticas, da insegurança, importa recordar a afirmação de que Deus não é o autor do que é mau, mas pelo contrário é aquilo que é capaz de valorizar o que é bom e abrir caminhos de bondade, é uma afirmação urgente”, destaca o novo prelado.
Entre as prioridades que valoriza ao assumir o novo desafio pastoral, D. José Pereira estabelece como metas o “sentido profundo de comunhão, capaz de reconciliação, capaz de superação de divisões, capaz de unificar, capaz de reconhecer e valorizar o diferente como percurso para uma riqueza maior, um leque mais alargado, na busca do bem comum, na busca de uma convivência humana social e eclesial que precisa muitas vezes que a gente se disponha à conversão, à mudança de mentalidades, a aceitar que não somos sempre nós que estamos certos”, sublinha D. José Pereira.
“Caminharmos cada vez mais para uma maior consciência da vocação de comunhão e participação e missão de todos na vida da Igreja e na construção da Igreja, a sinodalidade não é uma moda do Papa Francisco”, acrescenta ainda sobre as prioridades.
A vocação de D. José Pereira foi descoberta quando frequentava o 11.º ano de escolaridade e aos 16 anos soube reconhecer o caminho que já estava desenhado por Deus, quando ouviu uma palavra provocadora.
“Na Páscoa do meu 11.º ano, [1989] eu era acólito, e na missa crismal da Quinta-feira Santa, na Sé, o cardeal Ribeiro, fez uma homilia, dizia mais ou menos assim: depois de fazer uma reflexão acerca da importância do cuidado dos sacerdotes para cuidar do povo de Deus, dizem os estudos dos sociólogos e dos entendidos nessas matérias que, para um acompanhamento minimamente razoável, era preciso um rácio de um padre para cada 10 mil habitantes, ora o nosso patriarcado tem 2 milhões e 500 mil, eu precisaria de 2.500 padres e eu só tenho 250. E eu lembro-me de pensar se seria um desses que o senhor patriarca precisava. E depois vinha a sair da missa e à saída da Sé, o padre João Seabra, aproximou-se de mim e disse: 'Oh Zé Miguel, estive a missa toda a olhar para ti a pensar o que é que o Espírito Santo está a dizer àquele estúpido e eu com essa palavra provocadora, achei que seria para mim, e nesse ano tomei a decisão interior de seguir o Seminário no final do secundário”, recorda.
Fã de romances de ficção de base bíblica, o novo prelado tem como pratos preferidos bacalhau à Brás e arroz de pato. Baba de camelo é a sobremesa que não dispensa.
O anunciado novo bispo da Guarda vai ser ordenado no próximo dia 16 de março, às 16h00, na Sé Catedral da cidade mais alta do país.