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Entrevista

D. José Miguel Pereira: "Vou para a Diocese da Guarda com esperança"

10 mar, 2025 - 07:00 • Liliana Carona

Um olhar atento à ansiedade dos jovens e a urgência da comunhão efetiva numa Igreja que é de todos, são algumas das prioridades de D. José Miguel Barata Pereira. O anunciado novo bispo da Guarda vai ser ordenado no próximo dia 16 de março, às 16h00, na Sé Catedral da cidade mais alta do país. Sereno e esperançoso, assim classifica os sentimentos perante o novo desafio.

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“Vou para a Diocese da Guarda com esperança”, diz D. José Miguel Barata Pereira
D. José Miguel Pereira entrevistado pela jornalista Liliana Carona

Um homem sereno, principalmente quando surgem desafios com os quais não contava, e com vontade de contribuir para o bem comum. Assim se define o novo bispo da Guarda, que será ordenado no próximo domingo, 16 de março. D. José Miguel Barata Pereira abraça a nova missão com esperança.

Em entrevista à Renascença, aponta algumas prioridades para a diocese e fala sobre o lema episcopal. Revela também um pouco do lado mais pessoal, de como gosta de ouvir a música "Para os Braços da Minha Mãe", de Pedro Abrunhosa, e de como aprendeu a “conversar” com a mãe, que partiu em 2014.

“Eu acho que o Nosso Senhor me tem dado alguma paz, aliás é uma das coisas que eu tenho de reconhecer que para os grandes desafios, sejam pessoais ou que envolvam pessoas próximas, normalmente Deus dá-me tempo para ir rezando, para ir olhando, para ir ouvindo os ‘para quês’ e ‘por ondes’”, começa por destacar, numa entrevista à Renascença que aconteceu à distância, uma vez que se encontra num retiro espiritual.

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D. José Miguel Barata Pereira nasceu em Lisboa, a 7 de novembro de 1971. O pai de Arraiolos, a mãe do Fundão. Tem uma irmã mais velha e dois irmãos mais novos, e na família teve uma tia avó religiosa da Arquidiocese de Évora e uma tia consagrada na Ordem Terceira Franciscana, que lhe oferecia sempre livros ou cassetes de inspiração cristã que foi lendo e ouvindo na adolescência.

Os pais deram-lhe educação cristã, mas nunca lhe falaram diretamente da vocação. Mas D. José Pereira reforça que “tinham uma personalidade sensível à verdade, à justiça e ao outro”.

Quando recebeu o telefonema da Nunciatura Apostólica, , a 15 de dezembro, com a notícia de que seria o próximo bispo da Guarda, o prelado foi confrontado com o inesperado. “Poderia não ser para isto. Em 2014, ligaram-me por causa de um assunto de transporte de móveis para o Seminário”, graceja, admitindo que ficou desassossegado. “Deixou-me inquieto, mas não foi ainda a confirmação de que seria um chamamento desta ordem”, relembra.

De malas feitas. Quem é o novo bispo da Guarda?

Assumindo que cada vez há mais bispos jovens, como o próprio cardeal D. Américo Aguiar ou D. José Cordeiro, o cónego José Miguel Barata Pereira, reitor do Seminário dos Olivais, vai ser ordenado bispo da Diocese da Guarda aos 53 anos.

A simplicidade com que se define mantém-se. “Eu costumo dizer na brincadeira agora à rapaziada das missões, aqui do Seminário, que me tratavam por padre Zé, perguntam-me como me devem tratar agora. Desde que não me chamem nomes, tratem como quiserem. Sempre fui conhecido por Zé ou Zé Miguel, mas penso que mais breve e simples será José”, conta.

“Creio que sou alguém com uma certa alegria de ter sido encontrado por Nosso Senhor e que fala disso com paixão e com verdadeira gratidão e verdadeiro sentido de preenchimento. A certeza de que a fé não é apenas uma convicção ou apenas uma opção de cada um, mas é de facto uma surpresa”, desvenda.

“Gosto de pensar nas coisas, gosto de refletir, acho que tenho alguma capacidade de tomar decisões. Tenho uma certeza profunda do tempo de Seminário, que é preferível a comunhão do que a suposta iluminação. Não tomar decisões à pressa, a comunhão e a unidade são sinais da fé. Acho que sou cordato, sei ouvir e criar condições para caminharmos juntos”, descreve.

Lema episcopal: “O Senhor é bom. O Senhor está próximo”

De reitor do Seminário dos Olivais, em Lisboa, para bispo de uma diocese que sofre com o despovoamento, esperança é a palavra de ordem.

“Inteirei-me tanto quanto é possível inteirar, assim de fora. Da Diocese da Guarda já tive oportunidade de falar com o D. Manuel Felício, já me cruzei com um ou outro padre, irmão ou leigo e já ouvi uma inquietação ou até manifestação de disponibilidade para trabalharmos em conjunto. Parece-me que temos dois ritmos na Diocese da Guarda: temos um ritmo mais das aldeias, portanto mais envelhecido, mais desertificado, com muitas paróquias, mas com poucas pessoas. E depois temos ainda outro núcleo de cidades de média dimensão ou de pequena dimensão e vilas maiores onde existe alguma juventude e que pode fazer um esforço de igreja e de inquietação vocacional”, observa.

D. José Pereira parte para esta nova missão com "esperança", tendo em conta o trabalho de formação e animação da fé, nos seminários, mas também com estudantes das escolas e universitários.

"Às vezes, a dificuldade está em criarmos as condições para que se escute. É verdade que a zona do Interior não é uma zona populacional densa como aquela a que estou habituado, mas Deus não falha e dá a cada realidade os meios e as pessoas necessárias para servir”, assegura D. José Pereira.

O lema episcopal escolhido pelo novo bispo da Guarda adequa-se perfeitamente ao cenário que prevê encontrar: “O Senhor é bom. O Senhor está próximo", retirado do Salmo 99.

"É um Salmo que rezamos regularmente na liturgia das horas. A afirmação clara de que Deus é bom, é sempre bom, é mesmo bom e as nossas dificuldades em reconhecer a bondade de Deus, prendem-se muitas vezes com as visões que nós vamos construindo acerca de Deus”, explica, referindo-se ainda à segunda parte do lema.

“O Senhor está próximo é retirado da Carta aos Filipenses, no terceiro domingo do Advento, em que recebi a chamada da Nunciatura e é uma afirmação de que mesmo nos momentos mais duros, mesmo no meio das situações de contradição ou de maldade, o Senhor aproxima-se”, salienta.

D. José Pereira acrescenta a importância de aprender a lidar com a morte. “Nunca sabemos quando partimos, mas é uma certeza de que nos esquecemos. Aprender a lidar com isso, sem medo, sem angústia, nem como ameaça, mas como realidade que desperta esperança até, é uma afirmação urgente neste tempo”, conclui.

Que prioridades para a Diocese da Guarda?

“Quando às vezes tantos desconfiam e até desacreditam de Deus, diante da maldade, diante do efémero e das perdas, daquilo que se perde, das ameaças, dos riscos e a nossa juventude, hoje muitas vezes com crises, picos de ansiedade diante do medo do futuro por causa das guerras, das alterações climáticas, da insegurança, importa recordar a afirmação de que Deus não é o autor do que é mau, mas pelo contrário é aquilo que é capaz de valorizar o que é bom e abrir caminhos de bondade, é uma afirmação urgente”, destaca o novo prelado.

Entre as prioridades que valoriza ao assumir o novo desafio pastoral, D. José Pereira estabelece como metas o “sentido profundo de comunhão, capaz de reconciliação, capaz de superação de divisões, capaz de unificar, capaz de reconhecer e valorizar o diferente como percurso para uma riqueza maior, um leque mais alargado, na busca do bem comum, na busca de uma convivência humana social e eclesial que precisa muitas vezes que a gente se disponha à conversão, à mudança de mentalidades, a aceitar que não somos sempre nós que estamos certos”, sublinha D. José Pereira.

“Caminharmos cada vez mais para uma maior consciência da vocação de comunhão e participação e missão de todos na vida da Igreja e na construção da Igreja, a sinodalidade não é uma moda do Papa Francisco”, acrescenta ainda sobre as prioridades.

A vocação de D. José Pereira foi descoberta quando frequentava o 11.º ano de escolaridade e aos 16 anos soube reconhecer o caminho que já estava desenhado por Deus, quando ouviu uma palavra provocadora.

“Na Páscoa do meu 11.º ano, [1989] eu era acólito, e na missa crismal da Quinta-feira Santa, na Sé, o cardeal Ribeiro, fez uma homilia, dizia mais ou menos assim: depois de fazer uma reflexão acerca da importância do cuidado dos sacerdotes para cuidar do povo de Deus, dizem os estudos dos sociólogos e dos entendidos nessas matérias que, para um acompanhamento minimamente razoável, era preciso um rácio de um padre para cada 10 mil habitantes, ora o nosso patriarcado tem 2 milhões e 500 mil, eu precisaria de 2.500 padres e eu só tenho 250. E eu lembro-me de pensar se seria um desses que o senhor patriarca precisava. E depois vinha a sair da missa e à saída da Sé, o padre João Seabra, aproximou-se de mim e disse: 'Oh Zé Miguel, estive a missa toda a olhar para ti a pensar o que é que o Espírito Santo está a dizer àquele estúpido e eu com essa palavra provocadora, achei que seria para mim, e nesse ano tomei a decisão interior de seguir o Seminário no final do secundário”, recorda.

Fã de romances de ficção de base bíblica, o novo prelado tem como pratos preferidos bacalhau à Brás e arroz de pato. Baba de camelo é a sobremesa que não dispensa.

O anunciado novo bispo da Guarda vai ser ordenado no próximo dia 16 de março, às 16h00, na Sé Catedral da cidade mais alta do país.

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