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Reportagem

Imigrantes católicos. "Aqui sinto-me muito livre em exprimir a minha fé"

12 abr, 2025 - 13:13 • Ana Catarina André

A uma semana da Páscoa, um paquistanês, quatro libaneses, uma checa e um brasileiro contam como vivem a fé desde que deixaram os seus países de origem.

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Imigrantes católicos. "Aqui sinto-me muito livre em exprimir a minha fé"
Ouça a reportagem da jornalista Ana Catarina André. Na foto, Karin e Thiago Sousa, uma checa e um brasileiro que se conheceram em Portugal, constituíram família e aprofundar a fé

Portugal é o 10.º país da União Europeia com mais imigrantes entre a população, de acordo com dados de 2024 do Eurostat. Entre estes há muitos católicos.

Que lugar atribuem à espiritualidade no dia-a-dia? Como é que se integram nas paróquias e nos movimentos da Igreja? Como é que rezam numa língua diferente? Conheça as histórias de quem escolheu o nosso país para viver e acabou, também, por conhecer melhor Deus.

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Do Paquistão para Portugal: “Os jovens aqui parecem-me pouco comprometidos”

Quando Imran Sooba aterrou na Europa – primeiro esteve uns meses na Alemanha e depois veio para Portugal –, deparou-se com “outro mundo”. “Aqui há liberdade”, constata o paquistanês, de 34 anos.

“No meu país [onde a maioria da população é muçulmana], os cristãos têm de ser espertos e jogar pelo seguro, porque podem sofrer retaliações”, conta, dizendo que, quando começou a trabalhar, passou por várias empresas. “Numa delas era líder de uma equipa que trabalhava para o Reino Unido e para os Estados Unidos. Senti sempre alguma discriminação por causa da questão religiosa. Em Carachi, nunca fui perseguido, mas noutras partes do país, isso acontece”.

Imran Sooba acrescenta: “Não quero que as minhas filhas, de 6 e 2 anos, vejam o que vi, antes de ter imigrado”. A sua intenção é trazê-las em breve para Portugal, juntamente com a mulher. “Primeiro, tenho de arranjar um apartamento”, diz, contando que, por enquanto, vive num quarto arrendado.

A questão económica, também, pesou na sua decisão de mudar de país. “A minha família é ótima. Vivíamos todos, eu, a minha mulher, os meus filhos e os meus pais numa casa própria, mas pagava muitos impostos e não tinha benefícios”, recorda Imran Sooba, que fez um bacharelato em marketing e trabalhou como nómada digital. “É mais fácil viver em Portugal do que na Alemanha. Além disso, o tempo por cá é bem melhor.”

Em 2023, quando se instalou em Rio de Mouro, uma vila do concelho de Sintra, procurou uma igreja onde pudesse ir à missa. Não falava português, mas isso não o impediu de participar nas celebrações. “Havia lá uma tradução das leituras em urdu”, conta.

Quando se mudou, depois, para Lisboa e passou a frequentar outras paróquias, entre as quais a de Nossa Senhora do Amparo, em Benfica, a língua foi um obstáculo que contornou. “Conheço o ritual da missa, vou respondendo em urdu ou em inglês. Não me importo. Afinal, é um momento entre mim e Deus”, constata.

Quando pensa nos católicos portugueses que vê na Igreja, nota diferenças em relação aos brasileiros e angolanos que encontrava em Rio de Mouro. “São menos extrovertidos”. E diz: “Os jovens aqui parecem-me pouco comprometidos. Sei que é um tema sensível, mas é isso que vou vendo”.

Pouco depois de ter arranjado um emprego numa multinacional, o paquistanês acabou, também, por descobrir onde havia missas celebradas em inglês e por encontrar, na paróquia de Santa Catarina, no centro de Lisboa, encontros dirigidos a migrantes.

“Vão sobretudo paquistaneses, mas também há indianos e algumas pessoas do Bangladesh. Procuro encorajá-los e apoiá-los. Digo-lhes que é preciso falar com as pessoas de cá, com os portugueses, de preferência em português, nem que seja para dizer apenas ‘bom dia’, ‘boa tarde’ ou ‘muito prazer’”, diz, constatando que há muitos migrantes que, quando chegam a Portugal, acabam por ter uma prática religiosa menos frequente. “Rezam para pedir uma casa, um emprego e depois chegam aqui e não têm tempo para ir à Igreja. Que sentido têm isso?”, questiona.

Imran Sooba cresceu numa família cristã, em Carachi, no Sul do Paquistão, um país onde os católicos são uma minoria. A mãe é devota de Santo António de Lisboa e a fé sempre fez parte do seu dia-a-dia.

“Eu e a minha mulher tivemos alguma dificuldade em ter filhos. Um dia, fomos a uma paróquia na minha cidade onde há um grupo dedicado a Maria. Rezámos. Fiquei sem palavras, só consegui chorar. Dezoito, 20 dias depois, a minha mulher engravidou. É, por isso, que a minha filha se chama Eva Mary – Eva, início da vida, e Maria, nossa mãe.

E assegura: “Confio muito em Jesus. Ponho 100% de mim no meu trabalho e na minha fé. Acreditei que podia comprar uma casa, no Paquistão, e consegui. Acreditei que podia fazer aquilo, consegui. Costumo dizer às pessoas: ‘Dá o teu melhor a Jesus. O que pedires, vais receber – eu sou um exemplo disso’.”

Um brasileiro e uma checa em terras lusas: “Estamos a viver um sonho”

Karin e Thiago Sousa, ela checa, ele brasileiro, conheceram-se em Portugal e foi cá que, aos poucos, foram descobrindo um significado novo da fé nas suas vidas.

Ela chegou em 2008 para fazer Erasmus – era estudante de Literatura. Ele veio mais cedo, em 2002, para conhecer o país e a Europa. Nos primeiros tempos de namoro, as idas à missa eram irregulares. “Fomos passando por várias paróquias sem que nenhuma nos atraísse. Um dia, voltámos à Igreja da Graça [em Lisboa] – vivíamos ali em frente – e o padre Nuno Tavares, [pároco], pescou-nos. Acolheu-nos, meteu conversa, mas o que nos cativou mesmo foram as homilias – gostávamos imenso de ouvi-lo”, recorda Karin.

Aos poucos, enquanto ela começava a trabalhar na área de recursos humanos de uma multinacional e ele fazia uma licenciatura em Engenharia no Instituto Superior Técnico, foram-se integrando na paróquia. Entraram no grupo de jovens e foram construindo, assim, “uma rede de amigos”, que hoje consideram família.

“Às vezes, penso que, se morássemos no Brasil ou na República Checa, seria mais complicado criar esta comunidade, porque haveria tendência para passar domingo com a família. Assim, estando cá, passávamos muito tempo com os amigos e criámos esta comunidade na Igreja”, diz Thiago, que, ainda durante o namoro, acabou por fazer a primeira comunhão e o crisma e foi, depois, investido como acólito. “Mais tarde, quando nos casamos tornamo-nos, também, ministros da comunhão”, acrescenta Karin que, além de integrar o coro, se tornou também catequista.

Em ambos os casos, a relação com Deus tem raízes na infância. No Brasil, Thiago cresceu com uma avó “com muita fé” e com pais cristãos.

Na República Checa, Karin nasceu numa “família tradicional católica”, num país onde quem professa uma religião é “olhado com desdém”. “A vivência da fé é muito intimista”, refere. “Os anos de comunismo contribuíram para isso. Muitos padres foram perseguidos. Quando era pequena lembro-me que celebrávamos missa num dos quartos da casa de campo, à noite, em segredo, para a polícia secreta não saber”, recorda.

Mesmo depois da queda do regime, no país, a religião manteve-se muito ligada à esfera privada. “Uma vez, no Corpo de Deus, um padre teve coragem de fazer uma miniprocissão à frente da igreja, ali em 10m2. As pessoas estavam nervosas. Depois, havia algumas a olhar pela janela de suas casas que deveriam estar a pensar: ‘quem é esta gente esquisita?’ Não me senti à vontade. Havia ali tudo menos alegria de seguir Cristo”.

Quando veio para Portugal, Karin constatou a diferença. “Aqui sinto-me muito livre em exprimir a minha fé. Sei que posso dizer a qualquer pessoa, na rua, que acredito em Deus – ninguém me vai perseguir, ninguém me vai olhar de lado.” E acrescenta: “Aqui, a minha fé está mesmo a florescer, a dar frutos através do serviço na Igreja, mas também das pessoas que eu e o Thiago conhecemos e na comunhão que criámos com elas”.

Quando olham para trás, Karin e Thiago Sousa, ambos com 40 anos, sentem-se abençoados pela família que construíram – têm dois filhos, uma menina de 8 e um menino de 5 anos.

“Todos os dias damos graças pelos dons que Deus nos dá. Estamos a viver um sonho. Temos duas crianças maravilhosas, amigos que são família para nós”, constata a checa, que garante que a partir do momento em que se conhece Deus “não há volta atrás”. “Quanto mais te aproximas de Deus, mais percebes que nenhum outro caminho te vai dar o que Ele te dá”, diz, contando que atualmente estão integrados na paróquia de São Lourenço de Azeitão, no concelho de Setúbal, para onde se mudaram.

No dia em que falaram com a Renascença, estavam a preparar uma via-sacra para crianças. “Todas as sextas-feiras, vamos à via-sacra aqui, na igreja, para adultos. Então, pensámos nos nossos filhos e nos filhos dos nossos amigos e convidamo-los para virem cá a casa. A ideia é ir ao bosque apanhar paus para fazer a cruz. Depois, as crianças desenham cada uma das estações da via-sacra e preparam os textos. Vamos rezar no jardim”, explica Karin. “A ideia é que seja um momento simples passado com Jesus.”

“É país muito bonito, tem valores cristãos semelhantes aos nossos”, diz família libanesa

Desde que chegou a Lisboa, em 2020, o libanês Marcel Chamoun tem-se surpreendido com os portugueses. “Trabalho na [Universidade] Nova, em Carcavelos. Ontem, por volta do meio-dia, um colega convidou-me para ir à missa. Estavam 60, 70 pessoas. 90% dos que lá estavam eram estudantes. Também havia alguns professores. Foi muito tocante, para mim, ver como, num ambiente internacional, se preserva a fé”, diz o engenheiro que se instalou, em Lisboa, com a mulher, Lara, e as duas filhas de ambos, Hila e Andrea, de 16 e 14 anos.

“Portugal é um país muito bonito, tem valores cristãos semelhantes aos nossos, pessoas muito acolhedoras e simpáticas. Gostamos muito de cá estar”, sublinha.

Marcel, Lara e as duas filhas são maronitas, isto é, católicos de rito oriental em plena comunhão com o Papa. “No Líbano, estávamos integrados no Caminho Neocatecumenal que também existe na Igreja Maronita”, recorda a mãe, Lara, contando que, um ano depois de terem chegado a Lisboa, um padre lhes disse que na Brandoa, Amadora, poderiam encontrar comunidades neocatecumenais.

Foi assim que voltaram a juntar-se ao movimento. “É semelhante ao que tínhamos no Líbano: cantamos da mesma forma, organizamo-nos de modo parecido”, garante a arquiteta, de 54 anos. “Hoje, os irmãos da nossa comunidade são parte da nossa família”. É com eles que passam o Natal e a Páscoa.

A vigília pascal junta pessoas de todas as idades e prolonga-se durante toda a noite. É uma grande experiência”, assegura Marcel, contando que, recentemente, esteve com o bispo maronita D. Maroun Nasser Gemayel, durante a sua visita a Portugal. Nessa altura, reuniram-se com o patriarca de Lisboa e aproveitaram para lhe pedir um sítio onde se possa celebrar no rito oriental. “Já temos”, adianta. “Agora estamos a tentar encontrar um espaço para a associação maronita que estamos a criar.”

Ainda que estejam felizes, em terras lusas, lembram-se bem das dificuldades de adaptação nos primeiros tempos, sentidas sobretudo por Andrea e por Hila, que trocaram uma escola em Beirute por uma em Lisboa.

“A maioria das minhas colegas não falava inglês e era muito difícil comunicar. Para estudar para os testes, tinha de traduzir o livro primeiro, mas, com o tempo, tudo foi melhorando”, recorda Andrea, que em poucos meses aprendeu a falar português.

A adolescente confessa que a mudança de país a levou a questionar Deus. “Pensava que se Deus gostasse de mim, iria fazer com que fosse bom viver no Líbano, mas agora estou muita grata por estarmos cá. Quando viemos, eu e a minha irmã saímos sozinhas à rua pela primeira vez – no Líbano, tínhamos de andar sempre com alguém mais velho, por causa da segurança”.

Hoje, Andrea diz que a vinda para Portugal foi uma “das melhores coisas” que lhe aconteceu, apesar de não ver a família e os amigos há dois anos. Tal como ela, também a irmã, Hila, entende melhor a necessidade que os pais sentiram para sair daquela zona do Médio Oriente. “Apercebi-me das diferenças, quando fomos lá de férias. Sinto-me mais perto de Deus do que quando aqui chegámos”, assume a adolescente.

Deus é essencial na vida dos quatro. “Temos esta paz porque rezamos, porque somos cristãos. Sentimo-nos abençoados. Tudo corre bem, o que não significa que seja fácil recomeçar uma nova vida longe. Ainda assim, temos uma paz no coração que nos dá esperança e nos permite ser otimistas”, frisa Marcel. E Lara acrescenta: “Deus fez muito na nossa vida. Trouxe-nos até aqui. Isso é uma bênção”.

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