Como é que se vive com esperança entre bebés doentes e idosos fragilizados?

17 abr, 2025 - 08:00 • Ana Catarina André

A neonatologista Maria João Lage e o voluntário José Ribeiro, da Associação Pedalar Sem Idade, garantem que é possível.

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Na semana da Páscoa, conheça a história de uma médica neonatologista que diariamente trabalha com bebés com doenças graves e o testemunho de um voluntário que procura minimizar a solidão dos mais velhos.

Como é que, no meio da adversidade, Maria João Lage e José Ribeiro vivem com esperança e a levam aos outros?

Primeiro o choque, depois a revolta e no final o amor

Todos os dias, Maria João Lage trata de bebés em risco de vida. A pediatra, especialista em neonatologia, trabalha no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, e acompanha crianças com malformações e outras patologias graves. “Há muitas doenças que se curam, mas, muitas vezes, apanhamos os pais numa encruzilhada em que perderam a esperança de ter um bebé completamente saudável ou até mesmo com possibilidade elevada de não sobreviver”, diz a médica que começou a exercer em 1998.

Ao longo dos anos, Maria João Lage tem lidado com centenas de famílias nestas situações. Do “choque inicial” provocado pela notícia sobre o estado de saúde dos filhos, os pais passam depois à “revolta contra tudo e contra Deus”. É aí que o medo se instala, assegura. Há mães que temem que os pais se vão embora, porque o bebé é doente. “Há o medo de não conseguir gerir uma deficiência, o medo do sofrimento. O medo é terrível, mas, ao mesmo tempo, o caminho da esperança para estas famílias é agarrarem-se outra vez ao inicial: o amor ao miúdo, que é o grande ponto de apoio e a grande recuperação para o caminho destes pais.” E garante: “Aprendem verdadeiramente a amá-los como eles são. Isso é muito bonito”.

Nas reuniões de equipa da unidade, a pediatra conta que os profissionais partilham o que correu bem e mal. “É muito importante pôr as pessoas a falar sobre o que sentiram e viveram, mas o que mais nos ajuda, no dia-a-dia, são as conversas: reunir com os pais, ver como estão, em que fase do percurso se encontram, se estão a aguentar a revolta”, diz a especialista, acrescentando que se interpretarem esse período em que os pais têm dificuldade em aceitar o estado do filho como um ataque pessoal, isso pode fragilizar a equipa. “Temos de estar centrados em aliviar o sofrimento dos pais e dos miúdos.”

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"O caminho da esperança é agarrarem-se outra vez ao inicial: o amor ao miúdo" - Maria João Lage

Na base do apoio que dá às crianças e às famílias, a médica assegura que está a fé. “Acordo todas as manhãs com um desejo de felicidade, de alegria. O encontro com Cristo permitiu-me, graças a Deus, perceber que há uma resposta para este desejo”, garante a pediatra, contando que todas as manhãs passa na capela do hospital para rezar pelos doentes. Mas não só, acrescenta. “O que eu peço todos os dias a Nossa Senhora, e isso ajuda-me imenso, é ir onde Cristo quer ir”, diz a vice-presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.

Em muitos casos, a especialista acaba por acompanhar o crescimento dos bebés, como gestora do doente. “Estes bebés são mesmo complexos. Têm muitas dependências de tecnologia. São ventilados em casa ou têm alterações alimentares. Têm de fazer fisioterapia. Além disso, os pais têm de gerir os apoios sociais e os apoios de educação especial”, diz a neonatologista. “Nos primeiros anos, os pais estão muito perdidos e, apesar de terem várias consultas, precisam de alguém a quem possam recorrer – dou-lhes sempre o meu telefone.”

Para além dos médicos, dos enfermeiros e de todos os profissionais de saúde que trabalham na unidade, Maria João Lage conta que muitos pais acabam, também, por contribuir para dar esperança a outros, disponibilizando-se para conversar com aqueles que chegaram recentemente ao hospital.

“É diferente de falar connosco. Por exemplo, quando propomos uma traqueostomia, que é uma coisa aparentemente horrível (pôr um tubo na traqueia de um miúdo pequenininho), temos sempre dois ou três pais que vão lá falar e, geralmente, levam o seu bebé”, diz a médica, contando que existe na unidade “um mural da esperança”. É feito pelos pais e inclui fotografias que mostram o crescimento e a evolução dos bebés. Evidências de que tudo pode melhorar e que há sempre motivos para ter esperança.

“Apanham vento, sol e isso dá-lhes bem-estar”

Às sextas-feiras, à hora de almoço, José Ribeiro costuma levar um idoso a passear de trishaw (uma bicicleta adaptada), um projeto da Pedalar Sem Idade, uma associação sem fins lucrativos que tem como objetivo o combate ao isolamento e à solidão dos mais velhos.

“São utentes de várias instituições sociais aqui da região”, explica o voluntário, de 42 anos. Muitas destas pessoas estão doentes e saem poucas vezes à rua. “Estes passeios devolvem-lhes a sensação de liberdade – isso é muito bom”, atesta José Ribeiro, contando que a maioria tem mais de 70 anos.

Os passeios acontecem normalmente junto ao rio Tejo ou num dos jardins de Vila Franca de Xira, uma das 12 cidades portuguesas onde a associação já chegou.

No início, há uma tendência maior para que os mais velhos falem dos familiares que perderam ou de uma certa desilusão com a fase de vida em que estão. “Costumo incentivá-los, desviar assuntos tristes e dar-lhes esperança”, diz José Ribeiro.

À medida que vão fazendo mais passeios, tornam-se mais alegres, constata José Ribeiro. “Nas vezes seguintes, alguns dizem-me que estavam à minha espera. Outras querem saber onde vamos. É uma sensação de enorme gratidão. Muitas vezes, despedem-se com abraços e beijinhos. É muito bom”, diz o técnico de telecomunicações, contando que começou a fazer estes passeios o ano passado. “Foi um amigo que me convidou.”

Além de conversarem com outras pessoas, acabam por apanhar sol e vento, durante as viagens. “Isso traz-lhes bem-estar”, afirma, contando que os trishaws chamam a atenção de quem passa. “Perguntam-nos o que é e querem saber mais sobre a Pedalar”. E diz: “A vida não acaba só por envelhecermos. Há sempre outras coisas para fazer, para ver, para apreciar”.

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