Francisco, o Papa da tolerância zero contra os abusos

22 abr, 2025 - 07:30 • Ana Catarina André

Ao longo do pontificado, Francisco convocou uma cimeira no Vaticano sobre abusos sexuais de menores e, entre outras medidas, determinou que fossem criados, em todas as dioceses, gabinetes para receber denúncias.

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Papa Francisco diz que  a Igreja deve “ter vergonha  e pedir perdão” por casos  de abusos sexuais
Papa Francisco diz que a Igreja deve “ter vergonha e pedir perdão” por casos de abusos sexuais

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Foi a primeira vez que o Papa chamou ao Vaticano os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo e outros responsáveis religiosos para participarem numa cimeira sobre proteção de menores na Igreja. Entre os dias 21 e 24 de fevereiro de 2019, 190 bispos e líderes religiosos, entre os quais o cardeal português D. Manuel Clemente, discutiram as melhores práticas de combate aos abusos sexuais e ouviram o testemunho de diversas vítimas.

No discurso de encerramento, Francisco reconheceu que “a universalidade de tal flagelo ao mesmo tempo que confirma a sua gravidade nas nossas sociedades, não diminui a sua monstruosidade dentro da Igreja”, e disse que “a desumanidade do fenómeno, a nível mundial, torna-se ainda mais grave e escandalosa na Igreja, porque está em contraste com a sua autoridade moral e a sua credibilidade ética”.

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Deixou, ainda, oito orientações para combater estes crimes, entre as quais a necessidade de acompanhar as pessoas abusadas, a exigência da seleção e formação dos candidatos ao sacerdócio e a verificação das diretrizes das conferências episcopais.

Esta cimeira – inédita no Vaticano – tornar-se-ia um dos marcos do pontificado de Francisco. Poucos meses depois da sua realização, em maio de 2019, o primeiro Papa jesuíta que, por inúmeras vezes sublinhou a necessidade de não se ocultar mais casos e de dar primazia às vítimas, publicou a Carta Apostólica “Vos estis lux mundi’, em que, entre várias disposições, exigiu a criação em todas as dioceses de “um ou mais sistemas estáveis e facilmente acessíveis ao público, para apresentar as denúncias”. Uma norma que atualizaria, em 2023, especificando a necessidade de que todas as dioceses e eparquias tenham órgãos e gabinetes para receberem denúncias de abusos.

Ainda em 2019, o Papa aboliu o segredo pontifício para os casos de abuso sexual, facilitando assim a colaboração com os estados e outras entidades, e determinou que “não pode ser imposto algum vínculo de silêncio” às vítimas e às testemunhas. “Queremos que todas as atividades e lugares da Igreja sejam plenamente seguros para os menores. Que a Igreja volte a ser absolutamente credível e confiável na sua missão de serviço e de educação para os mais pequenos, segundo os ensinamentos de Jesus”, disse, nesse mesmo ano.

Nessa altura, o Papa Francisco impôs também que a aplicação de penas fosse estendida a todos os fiéis com responsabilidades na Igreja, e não apenas aos membros do clero e religiosos, como acontecia até então. Entre diversas medidas, determinou que o número de situações em que as sanções ficam ao critério do bispo local fossem também reduzidas.

O escândalo no Chile e o relatório da Pensilvânia

Apesar dos esforços que Francisco encetou desde o início do pontificado – em 2014 criou a Comissão Pontifícia para a Tutela de Menores, para que lhe apresentassem “as iniciativas mais oportunas para a proteção dos menores e dos adultos vulneráveis” –, acabou por enfrentar diversos escândalos.

Em 2018, pediu desculpas por ter desvalorizado as acusações contra o bispo chileno Juan Barros e, na sequência da polémica então gerada, mandou investigar as queixas existentes no país, nomeadamente as que envolviam Juan Barros e o padre Fernando Karadima (mais tarde, afastado do sacerdócio). Pouco depois, convocou uma reunião de emergência, no Vaticano, com todos os bispos chilenos para discutir o assunto. No final, todos puseram os seus lugares à disposição.

Além destes casos, o primeiro Papa sul-americano teve de lidar, também, com vários relatórios sobre abusos sexuais cometidos no contexto da Igreja em diversas geografias. A investigação realizada na Pensilvânia, Estados Unidos, por exemplo, revelou mais de mil casos que envolveram 300 padres, ao longo de 70 anos. Foi também, durante o pontificado de Francisco que, no início de 2019, o norte-americano Theodore McCarrick (arcebispo de Washington, entre 2001 e 2006) se tornou o primeiro cardeal a ser expulso da Igreja por abusar sexualmente de menores.

Os efeitos da tolerância zero

As mudanças impostas por Francisco acabaram por ter impacto também em Portugal. Além da criação, em todas as dioceses, de comissões para acolher as vítimas e desenvolver ações de sensibilização e de prevenção, nasceu, a pedido da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), um grupo para estudar o fenómeno no País.

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos contra as Crianças na Igreja Católica, assim denominada, recolheu, ao longo de um ano, testemunhos e estimou que, entre 1950 e 2022, tenha havido 4.815 vítimas.

Após a publicação do relatório e a extinção deste grupo de trabalho, a CEP fundou, em 2023, o Grupo VITA, para acolher as vítimas e acompanhar os agressores.

Tal como fez noutras viagens, e noutros momentos do seu pontificado, quando esteve em Portugal, na Jornada Mundial da Juventude, o Papa Francisco encontrou-se com 13 vítimas.

Nessa altura, já no regresso a Roma, disse aos jornalistas que o processo em Portugal para enfrentar a peste dos abusos estava a correr “bem”. “Procura-se ter seriedade com os casos”, disse no avião papal. “Os números, às vezes, acabam por ser empolados, pelos comentários, e isso custa-nos sempre, mas a realidade é que [o processo] está a ser bem conduzido e isso dá-me uma certa tranquilidade.”

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