25 abr, 2025 - 22:15 • Alexandre Abrantes Neves, enviado especial ao Vaticano
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A sensação é semelhante à do momento em que completamos um puzzle, com as peças a juntarem-se quase automaticamente. Estamos em Primavalle, num dos bairros mais pobres, nas periferias de Roma. Passamos a entrada de uma das paróquias e, logo à frente, a frase “A nossa casa é aberta” parece entrar-nos com vigor pelos olhos a dentro, graças ao contraste entre as letras verdes garrafais e a parede amarelo forte. Cumprimentamos quem nos recebe – e, passado dois dedos de conversa, descobrimos que é muçulmana. É a junção das periferias de Francisco.
“A solidariedade não tem uma igreja. Estou aqui, sou muçulmana. Amor e fé são uma coisa só, não são diferentes consoante a pessoa. Não me importa isso, importa-me a tua alma. Eu posso chamar Alá, tu podes chamar Jesus Cristo. Somos todos iguais. Não há assim tantas diferenças – por exemplo, eu tenho o Ramadão e tu a Quaresma”.
Lyria, muçulmana convicta, italiana e voluntária no Jubileu da Esperança, comemorado este ano pela Igreja Católica. Diariamente, ajuda nesta paróquia os peregrinos que vão chegando e que trazem, também consigo, o espírito de diálogo aberto e fraterno com as outras religiões de que Francisco tantas vezes falou. E que não pode desaparecer.
“Espero, espero mesmo que sim. Que o próximo Papa continue este trabalho. Ele era mesmo gentil com todo o tipo de pessoas”, recorda Lyria, sempre com o sorriso a acompanhar as palavras, exceto quando explica porque não vai despedir-se do Papa: “Tenho problemas a andar, não consigo aguentar a fila”.
No átrio deste centro paroquial, há malas e caixas a serem arrastadas pelo chão e o corrupio nas escadas vai-nos interrompendo as conversas de quando em vez. Ainda esta noite, vai chegar um grupo de jovens, que viria para o Jubileu dos Adolescentes, calendarizado para este fim-de-semana.
O diácono Simone veio acolhê-los. Dentro de poucos meses será padre e fala de Francisco como uma figura a quem “deve muito”, graças aos “discursos que marcaram até antes da entrada no seminário”. Na cabeça, traz, por isso, os ensinamentos que o Papa deixou nas várias vezes que visitou este bairro, marcado pelo tráfico de droga e pela delinquência juvenil.
“Ele sempre deixou claro que alguém que cometa um erro e que caia nesses falsos ídolos pode voltar a levantar-se. Ele sempre tentou fazer com que as pessoas entendessem que há esperança para aqueles que têm fé. A esperança está sempre lá, tem um nome: chama-se Cristo e o Papa testemunhou isso”, aponta.
Milhares de pessoas continuam a despedir-se do Pap(...)
A vida de Simone parece ser um reflexo das palavras do Papa e dos apelos de atenção às franjas da sociedade. Nos tempos livres, é voluntário no centro educativo Casa del Marmo, que acolhe presos menores. Situa-se a poucos quilómetros deste bairro e também foi visitado pelo Papa duas vezes.
Nesses momentos, acredita o diácono, Francisco deu uma lição a todos aqueles que julgam e que excluem – e mostrou-se capaz de se colocar na pele dos prisioneiros. “O Papa percebeu que podia ser um deles e que não estava na prisão porque tinha uma história diferente, uma família diferente”, recorda.
No bairro de Primavalle e imediações, vivem mais de 50 mil pessoas, mas o feriado do 25 de abril (em Itália, também é nesta data que se celebra o fim da ditadura fascista) parece tê-las arrastado para fora das ruas. O deserto nas estradas faz com que se note ainda mais as barracas que ladeiam o caminho até à igreja principal do bairro, a Basílica de Santa Maria da Saúde.
Na paragem de autocarro, mesmo à porta, mais uma das periferias, tantas vezes recordada por Francisco. “O Papa falava muito bem dos imigrantes. Ele era bom para nós”. Tariko veio do Bangladesh e o inglês e o italiano ainda não lhe permitem expressar-se à vontade, sobre o papel de Francisco.
Do átrio da entrada da igreja, o italiano Maurizio vê as dificuldades da conversa e, quando chega perto da Renascença, já vem com as ideias pensadas.
“É, certamente, a imagem de Jesus Cristo que foi ao encontro dos pobres, dos esquecidos e que pregou a misericórdia e o perdão em virtude da lei suprema de Cristo – que era o amor”, assinala, para logo a seguir entrar e ajoelhar-se a rezar pelo “exemplo de caridade” do Papa.
A igreja parece vazia, mas de uma das laterais surge Maria, idosa e que precisa de se amparar na filha para andar. Quer ir rapidamente para casa, mas ainda fala brevemente connosco: “O Papa amava todos, ensinou a humildade a todos”. São palavras curtas, mas servem para resumir o que pensam as periferias e os excluídos sobre Francisco.