Renascença em Roma

Também em Roma os ucranianos despedem-se do Papa que sempre rezou pela "martirizada Ucrânia"

25 abr, 2025 - 11:50 • Alexandre Abrantes Neves, enviado especial ao Vaticano enviado especial a Roma

Há quem quisesse ver "ainda mais apoio" por parte de Francisco, outros acreditam que foram os ucranianos que "não entenderam o estilo do Papa". Na igreja ucraniana, o consenso pode não ser total, mas todos vão despedir-se de Francisco no sábado.

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"Esperávamos mais" ou o "Papa da paz"? Francisco divide opiniões na igreja ucraniana de Roma
Ouça aqui a reportagem da Renascença. Foto: D.R.

Passar pela porta de entrada é ser transportado para outro mundo, bem longe do aparato que se vive na cidade por estes dias. Aqui, as pessoas também enchem os bancos, mas assumem o silêncio como ponto de partida. Os cânticos e orações surgem de forma ordeira, ao ritmo do ritual bizantino e organizadas pelo padre, que fala aos fiéis já quase fora do altar.

Para um português, entender estas palavras é uma missão impossível, mas há duas que saltam ao ouvido: Francisco e Kyiv. Estamos, pois, na igreja ucraniana de Roma.

Temos 90 padres em Itália que pertencem à Igreja Greco-Católica Ucraniana. Eu sou vigário judicial”, conta, à Renascença, o padre Aníbal Soutos. Veio à Catedral de Nossa Senhora do Pasto e de São Sérgio e São Baco dos Ucranianos para a missa da tarde que, entre eucaristia e uma oração posterior, durou praticamente duas horas.

Lá dentro, os dois balcões laterais onde se apoiavam fiéis serviram também para escrever mensagens para o Papa em livros de condolências. A homília falou de Francisco e a despedida aos fiéis também – alguns foram até convidados a subir até à Basílica de Santa Maria Maior, a dez minutos de distância. Há homenagens ao Papa, é certo, mas esperavam algo diferente do Papa.

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Esperávamos mais apoio, mais atenção às vítimas. Esperávamos que fosse mais claro sobre quem é a vítima e quem é o agressor. Para nós, isto é muito claro. Nós somos vítimas. Um Estado invadiu outro Estado, no século XXI isto é inimaginável”.

O tom do padre Aníbal Soutos não é duro, mas assume que gostava de “ter visto mais”. Se calhar, por partilhar tanto com Francisco – tornou-se padre pela vontade de ajudar os mais fracos e, há quase 80 anos, também nasceu na Argentina.

Ganhou nacionalidade ucraniana à boleia da família e, em tempo de guerra, é essa que fala mais alto. “Não entendi muito bem como Francisco tentou resolver a questão”.

Em 2024, o Papa Francisco pediu à Ucrânia para ter “a coragem de levantar a bandeira branca da paz”, o que chegou a motivar críticas por parte do embaixador da Ucrânia junto da Santa Sé. Mas aqui também há fiéis que saem em defesa do Papa.

“Eu acho que os outros ucranianos não compreenderam o Papa”. Sofia, 23 anos, chegou a Roma há cinco meses, já grávida. Na cabeça, ainda lhe ecoam os dias terríveis de fevereiro de 2022, quando se conseguiu salvar dos bombardeamentos em Kiev e juntar-se aos pais na zona oeste da Ucrânia. Nesse percurso, e como em tudo desde o início do conflito, sentiu-se unida em oração a Francisco, que rezava sempre pela "martirizada Ucrânia".

“Não sou crítica. Ele é um Papa de paz. Ele falou mais sobre a Rússia e a Ucrânia a viver em paz. E é muito difícil, mas é realmente possível. Mas as outras pessoas da Ucrânia não entendem isso. (…) Ele não era muito barulhento, mas sim muito silencioso. Era o estilo dele”, relembra Sofia.

Quando a vimos pela primeira vez, ainda no interior da igreja, está ajoelhada num dos bancos e a mirar as muitas imagens de Maria e de Cristo, algumas delas atrás das grades que foram fechadas logo a seguir à Eucaristia. Rezava pelos refugiados, pela “abertura da Igreja”, pelo legado de Francisco – e por quem agora vai ter a missão de o continuar.

“Acredito que essa pessoa será muito importante para a Ucrânia e acho que ele deve fazer por saber toda a informação de lá. Mas será muito gentil com a gente”, acredita esta jovem dentista.

O padre Aníbal Soutos abana a cabeça a concordar, mas vai abrindo a boca como quem tem um pedido importante a adicionar. “Na primeira semana ou no primeiro mês de guerra, o Papa podia ter visitado a Ucrânia. Tinha sido um sinal de poder muito forte. Não conseguiu ir, vamos ver agora”.

Estamos longe do Vaticano, mas é este o apelo para o grupo de mais de cem cardeais eleitores, de onde vai sair o próximo Papa. E até pode ser que o padre Aníbal Soutos tenha oportunidade para fazer o pedido cara a cara, no funeral deste sábado.

“Eu vou. É muito importante. E acho bem que Zelensky também vá, é a forma certa”. As opiniões dividem-se, mas a homenagem tem de ser feita.

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