Entrevista Renascença

D. Erik Varden: "A Igreja tem algo de bom a dizer sobre afetividade e sexualidade"

06 out, 2025 - 06:00 • Aura Miguel

De passagem por Lisboa, o monge trapista e bispo norueguês antecipa, em exclusivo para a Renascença, alguns aspetos do seu pensamento e conteúdos do que vem dizer em duas conferências a convite do patriarca D. Rui Valério.

A+ / A-

Fala da castidade como “algo infinitamente interessante” e garante que a Igreja “tem algo de bom a dizer sobre sexualidade”. D. Erik Varden, atual bispo de Trondheim, na Noruega, refere em entrevista à Renascença que os jovens “carregam uma sede de infinito e procuram respostas às suas perguntas mais íntimas e urgentes".

D. Erik Varden tem 51 anos, nasceu na Noruega e cresceu numa família protestante. Movido por uma intensa procura espiritual e inquietação perante a dor e sofrimento que a vida encerra, aproximou-se da Igreja Católica. Neste percurso terá sido decisiva, aos 16 anos, a audição da 2ª Sinfonia de Mahler: “foi como uma luz que brilhou de repente no que parecia ser uma escuridão impenetrável”, revela no seu livro “Romper a Solidão” (Ed. Lucerna).

Entrou na vida monástica de clausura em 2002, foi ordenado sacerdote em 2011 e, mais tarde, abade (trapista) da Abadia de Mount Saint Bernard, em Inglaterra. Em 2019, o Papa Francisco nomeou-o bispo e prelado de Trondheim. Com uma sólida formação académica (Cambridge, Paris e Roma), é professor, conferencista e uma referência no campo da espiritualidade cristã contemporânea. Desde 2024, preside à Conferência Episcopal Nórdica. Recentemente, foi nomeado, por Leão XIV, membro do Dicastério para o Clero.

De passagem por Lisboa, o bispo Erik Varden antecipa, em exclusivo para a Renascença, alguns aspetos do seu pensamento e conteúdos do que vem dizer nas duas conferências a convite do patriarca D. Rui Valério. A primeira, já nesta segunda-feira, dia 6, às 19h30, na Sé Catedral, tem como tema: “O que é homem, para que vos lembreis dele? (Sl 8, 6) - Esperar e trabalhar num tempo de crise civilizacional”. A segunda conferência será na terça-feira, dia 7, pelas 19h00, na Universidade Católica Portuguesa, sobre “Castidade e reconciliação dos sentidos” (título do seu livro, cuja edição portuguesa é lançada agora pela Lucerna).


Os temas dos seus livros e conferências são um desafio. Falam de solidão, do medo da morte, da estranheza em relação à graça, da falta de esperança. Esta escolha é fruto da sua experiência na realidade secularizada da Europa?

É, sobretudo, fruto da minha experiência de ser humano e de enfrentar os meus desafios e os desafios das pessoas que confiam em mim. Na minha opinião, é essencial enraizar o anúncio cristão, a boa-nova, na realidade da condição humana, que nem sempre é luminosa.

Trata-se de enfrentar com realismo e, ao mesmo tempo, com serenidade, a realidade e as ansiedades que nos podem assaltar, para aí encontrar Cristo, como a verdadeira resposta que nos dá a esperança e a força necessárias, não apenas para sobreviver, mas para viver em plenitude.

As circunstâncias contemporâneas são hoje mais difíceis do que antes?

Não estou convencido de que a vida alguma vez tenha sido fácil. Claro que, neste preciso momento, estamos conscientes de uma grande precariedade a muitos níveis, ecológico, económico, político, estratégico, cultural e, de certa forma, penso que o nosso momento histórico é um momento de particular urgência.

Ao mesmo tempo, não é a primeira vez que a humanidade enfrenta tais desafios, portanto, podemos aprender muito com a experiência do passado e devemos manter-nos alerta, sem tendência ao desespero nem à perda da esperança.

Em Lisboa, as suas reflexões abordam dois temas difíceis para o homem contemporâneo: a dependência de Deus e o valor da castidade. Eu diria que são questões quase insuportáveis de se considerar...

E, no entanto, é possível! (risos)

A Igreja tem algo de bom a dizer sobre as questões da afetividade, da sexualidade, da finalidade do amor e da vida humana

Pois, são uma provocação!

Sim, mas uma provocação no melhor sentido, espero, porque provocar significa chamar a atenção. Constatei isso ao escrever, em inglês, o meu livro sobre a castidade, há dois anos. Fiquei surpreendido ao vê-lo acolhido com curiosidade, abertura e até entusiasmo em muitos e diversos ambientes. Portanto, penso que a Igreja tem algo de bom a dizer sobre as questões da afetividade, da sexualidade, da finalidade do amor e da vida humana. Devemos partilhar essa palavra.

Mas falar de castidade no seio da mentalidade atual também pode gerar preconceito e resistência, antes mesmo de se dar o primeiro passo. Como se rompe essa barreira? É que o tema soa um pouco antiquado no contexto atual.

Sim, e é precisamente por essa razão que o livro começa com um estudo, uma exegese semântica, para explicar bem o que a palavra castidade significa e o que não significa. Porque é uma palavra infinitamente mais interessante e mais rica do que as pessoas supõem.

O Cristianismo é um apelo a sair de nós mesmos para encontrar o outro

Citando as suas palavras: “o problema é a auto-percepção subjetiva na qual construímos a nossa própria imagem”. Como sair dessa auto-referencialidade?

Olhando para o alto, percebendo que nascemos de uma intenção divina benevolente, que Deus nos rodeia, nos conduz e tem em mente, para nós, um fim bem-aventurado e que não somos obrigados a permanecer fechados em nós mesmos. O Cristianismo é um apelo a sair de nós mesmos para encontrar o outro: o outro com “O” maiúsculo, o Criador, mas também o outro encarnado que encontramos no nosso caminho.

A verdadeira palavra da Igreja é um sim à vida e ao amor, com grande eloquência

Ao ouvi-lo, parece fácil, mas sabemos que há muita resistência. Andamos distraídos com a vida?

A minha experiência sugere que, se alguém está pronto a entrar num verdadeiro diálogo com o outro, num verdadeiro encontro, as resistências desfazem-se. Cada um tem o desejo e alimenta a esperança de ser visto e ouvido pelo que é; e este deve ser o nosso ponto de partida. Penso que, se o discurso da Igreja foi muitas vezes mal recebido, talvez também tenha sido porque não foi bem articulado, porque muitas vezes temos a impressão de que a única coisa que a Igreja tem a dizer no âmbito da afetividade, da sexualidade, das relações é não, não, não, não... e, naturalmente, uma pessoa cansa-se. Mas a verdadeira palavra da Igreja é um sim à vida e ao amor, com grande eloquência.

Nesta época do “faz o que te apetece” e no contexto da cultura "woke" e de todas essas ideologias de género, o "sim" também pode ser manipulado, ou seja, torna-se algo subjectivo. Como romper com essa subjetividade?

Ora, é precisamente este o desafio e a tarefa da Igreja: mostrar o homem a si mesmo; e o homem só pode ser compreendido cristãmente olhando-se à luz de Cristo, o Verbo encarnado, o Verbo à imagem do qual fomos criados e pela comunhão com o qual fomos feitos para viver eternamente.

Acho que esse sonho da auto-suficiência do ser humano já está a desfazer-se

Li um trecho seu onde diz que “o nosso tempo desconfia das palavras e evita os dogmas, mas conhece o significado da ansiedade. E estamos confusamente ansiosos sem saber por quê, mas com a sensação de ser habitados por um vazio que precisa ser preenchido e presente”. Isso também é um ponto de fuga para introduzir uma mensagem diferente? Ou seja, ajudar a perceber que esse desejo infinito que o homem tenta saciar, não é resolvido por si próprio?

Sim. Atualmente é complicado, devido às mudanças culturais que ocorrem com tanta rapidez, mas acho que esse sonho da auto-suficiência do ser humano já está a desfazer-se.

Vejo isso, frequentemente, nos encontros com jovens dos países nórdicos, mas também noutros países, em que há uma nova busca de sentido, de parâmetros, de critérios para viver. Os jovens muitas vezes procedem de forma empírica, olham, observam os pais, que talvez tenham vivido de acordo com um credo de relativismo, e dizem a si mesmos: "mas nem mesmo este caminho garante infalivelmente a felicidade, é preciso outra coisa". E também estão conscientes daquela sede, que carregam dentro de si, por uma felicidade sem limites, a sede de infinito que o homem traz dentro de si. Por isso, procuram respostas para essas perguntas.

Lembro-me que o Papa Bento XVI nos convidava a escancarar o desejo e disse-o quando tinha mais de 80 anos: "não devemos contentar-nos com o que temos, devemos sempre desejar mais". Isto é uma vertigem, porque o homem tenta sempre reduzir-se ao que consegue fazer. Como resolvemos isto?

Se o homem acredita sempre que pode satisfazer-se a si mesmo, ficará sempre insatisfeito porque simplesmente não temos os recursos para alimentar essa sede de infinito. Mas esta constatação também pode ser um despertar para procurar noutro lugar.

Por isso, a tarefa da Igreja é propor Cristo, proclamar Cristo, precisamente nesta situação cultural que é a nossa, e dizer às pessoas: Cristo é a resposta às vossas perguntas mais íntimas e mais sublimes, mais urgentes.

Hoje em dia, o valor da humildade, da mansidão, da dependência de Deus, são atitudes contra a corrente e até ridicularizadas. Mas os santos sabem vivê-las. Que conselho dá aos que querem arriscar esses valores na vida?

Acima de tudo, entrar profundamente no mundo, no pensamento, na sensibilidade do Evangelho, para fazer dele o ambiente vital da própria existência, enraizar-se na comunhão da Igreja, frequentar os sacramentos, aprender o que significa viver em Cristo, como insiste São Paulo nas suas cartas.

Sou monge por vocação, por escolha, depois tornei-me bispo por nomeação da Igreja

D. Erik Varden é monge de clausura, bispo de Trondheim, escreve livros, dá palestras, tem um site pessoal com reflexões, homilias, notas literárias, culturais, etc. Como consegue conciliar tudo isso?

É um projeto de síntese ainda em curso (risos). A síntese está a ser feita. Sou monge por vocação, por escolha, depois tornei-me bispo por nomeação da Igreja; portanto, devo reconhecer também nesse chamamento, uma disposição da Providência, uma honra misteriosa, que se encaixa no itinerário que eu já estava a seguir.

Portanto, o meu desejo é poder partilhar com outros as riquezas que tive, o grande privilégio de descobrir, no contexto da minha vida monástica, e utilizar os dons que me foram dados para tornar Cristo compreensível e próximo agora. É uma ocasião para mostrar que é possível reconhecer os traços do Seu rosto também na realidade do mundo que é o nosso e na sociedade que é a nossa.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+