25 jul, 2023 - 16:00 • Diogo Camilo , Filipa Ribeiro
Chegamos à casa de Maria e Miguel Sepúlveda e somos recebidos pela cadela Jola. Aqui já passaram três bebés. “Cuidamos como se fosse um filho nosso”, diz-nos Maria. Ao colo tem “Helena”, uma bebé que foi buscar à maternidade, e de quem cuidou durante os últimos quatro meses. “Vai ser adotada em breve, muito em breve”, conta.
O projeto Acolhimento Familiar, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, permite a crianças e jovens crescerem num ambiente familiar até que o seu projeto de vida fique definido, de forma a evitarem a institucionalização.
Para os ajudar, famílias acolhem-nos de forma temporária, até que voltem para a família biológica ou sigam para uma família adotiva.
Antes de Helena, a família Sepúlveda acolheu outros dois bebés. O primeiro foi esteve com eles durante mais de seis meses até ser adotado. O segundo cresceu com a família durante um ano e três meses. “Era um bebé cheio de vida, quer de noite, quer durante o dia. É um bebé com o qual temos muita ligação e que hoje em dia ainda vem cá a casa. Está na rua e já vem a gritar pelos nomes dos nossos filhos”, conta Miguel.
O BE apresentou um diploma que visa reforçar a can(...)
Além dos filhos temporários que cuidam como parte do projeto da Santa Casa, Maria e Miguel têm três filhos e, recentemente, ficaram com a tutela de três sobrinhos. São seis crianças em casa: o mais novo tem sete anos, o mais velho 17 anos, e todos eles adoram a experiência de ter um bebé em casa, mesmo que de forma temporária.
Habituado a projetos de voluntariado e sem tempo para tal desde que constituíram família, o casal aderiu à iniciativa do Acolhimento Familiar no início de 2020. Seis meses depois, receberam a primeira criança. “É espetacular. Sair de nossa casa com o ovo vazio e vir da maternidade com uma vida é maravilhoso”, diz Maria, enquanto Miguel aponta que a experiência ajuda a unir a família.
E, sempre que um bebé vai para uma família de adoção, a família Sepúlveda dá um tempo de luto, para que os filhos e o casal possam sentir saudade.
“Todos os dias rezamos com eles e aproveitamos este momento de estarmos todos em família para pedir pelas famílias destes bebés que nós acolhemos. Isto ajuda-nos todos os dias a lembrarmo-nos que isto é uma questão temporal”, revela Maria.
Educadora de infância, Isabel Fortuna decidiu ser família de acolhimento há pouco mais de um ano e despediu-se de “Mimi” há pouco mais de um mês.
“Fui casada durante 20 anos e sempre dissemos aos nossos filhos que queríamos adotar uma criança. Entretanto, a vida dá voltas que nós não esperamos e nós separamo-nos. Não fazia sentido, sozinha, adotar uma criança, mas os meus filhos sempre cobraram um bocadinho. Um dia na escola, a mãe de um aluno meu apareceu com um bebé e falou-me do projeto e eu fiquei: ‘isto pode ser a resposta’. Cheguei a casa, falei aos meus filhos: ‘o que vos parece?’ E foi assim, um bebé.”
A primeira chamada para ir buscar um bebé hospital aconteceu um mês depois do processo de candidatura ser aprovado, no fim de julho do ano passado.
“As pessoas todas organizadas para irem de férias, incluindo eu, que ia daí a três dias. E ligam-me: ‘ou vai para si ou para uma instituição.’ E eu: ‘Postas as coisas assim, vem para mim, não é?’ Cheguei a casa numa terça-feira, falei com os meus filhos, e fui buscá-la na quinta-feira. Tinha falado com a minha família na quarta-feira e na quinta à hora de almoço já tinha tudo o que precisava [para cuidar da bebé] em casa.”
O BE apresentou um diploma que visa reforçar a can(...)
Começou assim a cuidar da Mimi, que foi acolhida quando tinha apenas 10 dias de vida.
“A maior dificuldade teve que ver com, aos 55 anos, ter de acordar de três em três horas à noite porque ela não acordava sozinha. Portanto, eu tinha que acordar para ela acordar”, conta Isabel, que cuidou da bebé durante 11 meses.
Mimi foi adotada recentemente e deixou a casa de Isabel Fortuna há pouco mais de um mês, mas o contacto entre as duas mantêm-se. “Se eu deixar de lá ir uma vez por mês, ela vai esquecer-se de mim. Mas, neste momento, não estou preparada para fazer isso, para deixar de a visitar”, diz.
E a família que adotou Mimi também faz o esforço para que esta ligação não desapareça: “Eles dizem-me: ‘Quando o coração apertar, venha’.”
As famílias de acolhimento têm todos os benefícios sociais de uma família biológica, como licenças de parentalidade e apoios para o suporte das despesas com bens essenciais, ao mesmo tempo que recebem ajuda das equipas do Acolhimento Familiar da Santa Casa.
A iniciativa é a prova de que há sempre espaço para mais um dentro de casa, mesmo para crianças e bebés com a vida em suspenso.