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O que há de comum entre rock e comunicação de ciência? Não serve de nada "se as pessoas não quiserem ouvir"

07 jul, 2024 - 09:02 • Redação

O físico e ex-músico Brian Cox esteve em Portugal e falou com a Renascença. Entre prognósticos sobre a sobrevivência da civilização humana, o papel da IA na física e a relação entre a compreensão da ciência e a confiança nas democracias, confessa que agora faz "espectáculos maiores do que quando era músico".

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Brian Cox tem um passado como teclista da banda de 'rock' Dare, na década de 1980, e dos D:Ream (com sonoridades mais 'pop' e 'dance'), que tiveram vários temas nos 'tops' do Reino Unido na década seguinte. Mas é como cientista e comunicador de ciência — tido mesmo como potencial sucessor do biólogo e historiador da natureza David Attenborough — que o físico britânico é hoje mais reconhecido.

Foi precisamente para gravar um dos seus programas de maior sucesso na BBC Radio 4, "The Infinite Monkey Cage", que Cox passou por Portugal, onde participou na quinta edição da Global Exploration Summit (GLEX), uma cimeira que reúne exploradores e pioneiros de todo o mundo.

Em entrevista à Renascença, o físico experimental e "ex-rock star" fala de outras estrelas — as que vão acabar dentro de "milhares de milhares de milhões de anos". Diz não acreditar que os humanos estejam sozinhos no Universo e defende uma estratégia de sair da ilha para ver a ilha, ou seja, "ir para o espaço e olhar para o planeta, tentar compreendê-lo", para procurar soluções que assegurem a "sobrevivência da nossa civilização".

Encara a inteligência artificial como "profundamente excitante e desafiante" e defende que é "de importância vital" que os cidadãos compreendam o conhecimento científico para terem confiança — incluindo na democracia. Neste campo, vê semelhanças entre a comunicação da ciência e a música 'rock': "temos de ser divertidos".

Brian Cox assume a responsabilidade de tornar o conhecimento científico apetecível a todos. E a estratégia parece estar a funcionar: "agora faço espectáculos maiores do que quando era músico".


Vai haver um "fim" para o universo tal como o conhecemos?

Vai haver um fim para o Universo tal como o conhecemos, porque, tanto quanto podemos dizer, o Universo está a acelerar a sua expansão. Isso significa que num futuro muito distante — estamos a falar de milhares de milhares de milhões de anos no futuro — não haverá mais estrelas. Por isso, neste momento, a questão é: o que é que vamos fazer? Temos muito tempo enquanto civilização. Há muito tempo para explorarmos o universo, irmos às estrelas e fazermos coisas extraordinárias. Por isso, não me preocuparia com isso.

Ainda há muitas perguntas sem respostas para o planeta Terra?

Há um grande número de perguntas sem resposta. Uma das coisas de que estamos a falar nesta cimeira são potenciais missões às luas de Júpiter, por exemplo, para procurar vida. Temos uma missão a ser lançada em outubro chamada "Europa Clipper", que vai para lá. E a missão europeia chamada "Juice", que está a caminho do sistema de Júpiter.

Uma das questões que se colocam é: será que estamos sozinhos no Universo? Eu provavelmente diria que não, porque o universo é enorme. Mas será que estamos sozinhos na nossa vizinhança? Estaremos mesmo sozinhos no sistema solar? Não sabemos se existe vida para além da Terra no nosso sistema solar. Estas são, para mim, questões fundamentais sobre a raridade da vida, o valor da vida e o valor da nossa civilização, às quais estamos a tentar responder agora.

Qual é a exploração espacial que mais o entusiasma? Voltar à Lua, descobrir Marte?

Estou entusiasmado porque, pela primeira vez, temos acesso barato e fiável à órbita terrestre. Temos foguetões reutilizáveis pela primeira vez, por isso, estou muito entusiasmado com as possibilidades. Se olharmos para a nave espacial da SpaceX, por exemplo, quando funcionar, haverá outro lançamento dentro de um mês, penso eu. A quantidade de equipamento, pessoas e infra-estruturas que podemos lançar para a órbita, para a Lua, para os asteróides, era inimaginável há 10 anos. Por isso, estou muito entusiasmado com essa possibilidade.

E qual deve ser o principal foco, neste momento?

Um dos focos que é realmente muito importante é o nosso planeta. Por isso, temos de nos certificar de que não prejudicamos ainda mais o nosso mundo. Este é o lugar onde quase todos nós viveremos num futuro próximo.

Por isso, penso que os desafios que enfrentamos aqui na Terra são ir para o espaço e olhar para o planeta, tentar compreendê-lo e, em última análise, utilizar os recursos que existem para além da Terra faz parte da estratégia de sobrevivência da nossa civilização.

Perguntam-me muitas vezes se não deveríamos concentrar-nos nos problemas que temos aqui na Terra antes de irmos para o espaço. Para mim são questões que estão relacionadas, não creio que sejam escolhas separadas. Penso que, ao subirmos, aprendemos mais sobre o planeta e acabamos por ter acesso a recursos fora da Terra. Faz parte do mesmo problema que enfrentamos enquanto civilização.

Colocarei a questão desta forma: queremos que a nossa civilização cresça? Queremos que mais pessoas na Terra tenham acesso às coisas que nós aqui na Europa, por exemplo, tomamos como garantidas? Gostaríamos de ser capazes de gerar mais energia de uma forma limpa? Para o fazer, precisamos de tecnologia avançada.

Estamos a falar do aumento do nosso conhecimento sobre o funcionamento da natureza, que é a exploração científica. Estamos a falar de um maior acesso aos recursos, seja a energia solar ou os recursos que existem na cintura de asteroides e por aí fora. Por isso, para mim, tudo faz parte da mesma coisa. Todas estas coisas estão ligadas, todas elas exigem que ultrapassemos os limites do conhecimento e os nossos limites físicos. Por isso, parece-me óbvio que o futuro da nossa civilização depende de muitas coisas.

Como olha para a inteligência artificial na investigação científica, especialmente na física?

Quanto à inteligência artificial, penso que é profundamente excitante e também desafiante, porque ainda não temos, na minha opinião, um quadro regulamentar para controlar realmente estas tecnologias e garantir que são seguras e que podemos colher os frutos delas. Porque os benefícios são enormes. Por isso, não creio que alguém possa argumentar que não devemos continuar a tentar desenvolver estas tecnologias. Elas podem transformar a nossa forma de viver, mas também com tecnologias poderosas vêm sempre perigos potenciais. É como os desafios enfrentados nas ciências biológicas, por exemplo, na genética e assim por diante, as capacidades crescentes que temos em torno da modificação do genoma, por exemplo.

Existem enormes oportunidades, mas também perigos que temos de enfrentar enquanto sociedade. Por isso, penso que com todas estas novas tecnologias temos de garantir que os enquadramentos estão em vigor e que são enquadramentos globais. Não o fizemos, por exemplo, com as armas nucleares nos anos 40. Temos de nos certificar de que existem quadros globais para controlar estas tecnologias e garantir que colhemos os seus benefícios.

Qual é o papel dos meios de comunicação social na popularização e divulgação da ciência?

O conhecimento científico pertence a toda a gente. Uma coisa muito simples de dizer é que toda a gente pagou por ele, porque usamos os impostos em muitas circunstâncias para adquirir este conhecimento. É propriedade de todos. E também a nossa civilização e as nossas democracias são construídas sobre ele. É um dos alicerces da nossa sociedade. Por isso, se permitirmos que se desenvolva uma situação em que muitos dos nossos cidadãos não têm acesso a esse conhecimento, então penso que temos sociedades instáveis.

E também é injusto, porque isto é maravilhoso. Sabemos coisas maravilhosas. A ideia de não democratizar esse conhecimento é, para mim, totalmente errada. Por isso, eu vejo os media como uma ponte entre muitas coisas — neste caso, a ciência e as pessoas, os cidadãos. Mas é também uma ponte entre as artes e os cidadãos, a música e os cidadãos, e as ideias e os cidadãos. Por isso, têm um papel muito importante a desempenhar. Faz parte do tecido necessário da nossa sociedade. E é por isso que penso que, de facto, os meios de comunicação social públicos são importantes, tal como os privados. Porque são, chamemos-lhe, a ponte entre as ideias e os cidadãos.

E como é que "compreender ciência" pode influenciar as políticas públicas?

A ciência é a forma como adquirimos conhecimento sobre a natureza. E com isso posso referir-me ao clima, às doenças ou à produção de energia, qualquer coisa. E por isso é de importância vital que os cidadãos dos nossos países tenham pelo menos uma compreensão de como esse conhecimento é adquirido. Porque depois chegamos à questão da confiança, por exemplo.

Atualmente, na nossa democracia, temos um problema de confiança. Nas instituições, nos políticos, nos cientistas. Mas, na verdade, o que estamos a dizer é que, independentemente da nossa política ou de qualquer outra coisa, existe um conjunto de conhecimentos sobre o clima, por exemplo, que é o melhor que podemos fazer. Quando se coloca a questão: "o que acontecerá ao clima daqui a 50 anos se continuarmos a queimar combustíveis fósseis ao ritmo a que o fazemos agora?". É uma boa pergunta. E a resposta poderia ter sido: "Está tudo bem". Mas não, a resposta é que não está bem. Portanto, não se trata de uma questão de opinião. Comunicar isso, comunicar a forma como chegámos a um entendimento é a coisa mais importante.

O que há de semelhante entre a física e o 'rock'?

Ambas as coisas muito agradáveis de fazer. Em termos de comunicação da ciência, suponho que seja semelhante porque temos de ser divertidos. Estamos a tentar fazer todas as coisas de que acabei de falar, divulgar conhecimentos e tudo isso, mas não podemos fazer isso se as pessoas não quiserem ouvir. Não é agradável.

Na ciência há um forte elemento de entretenimento, de diversão. Aprender sobre o universo e os buracos negros, a origem da vida e todas essas questões. Acho que isso é divertido. É uma coisa tremenda. Mas temos de dar às pessoas uma forma de entrar.

Eu acho que é divertido porque passei décadas a pensar nisso. E muitas pessoas têm muitas outras coisas para fazer. Por isso, é uma responsabilidade, penso eu, torná-lo agradável, divertido e acessível. Por isso, há uma semelhança. Além disso, agora faço espectáculos maiores do que quando era músico. Isso é bom. E tenho mais camiões, mais equipa de estrada e mais ecrã. Sempre quis fazer espetáculos de arena quando era músico. Continua a ser 'rock and roll'.



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