21 jan, 2025 - 18:39 • Redação
"Isso é dos anos 70! Que beleza de melodia." Esta é a reação de um idoso ao ouvir “BAILE INoLVIDABLE” num vídeo publicado pela sua filha que ficou viral nas redes sociais, onde se somam os registos de um álbum lançado a 5 de janeiro que está a dominar o mundo da Internet.
DeBÍ TiRAR MáS FOToS (DtMF), o novo projeto de Bad Bunny, é uma carta de amor ao Estado Livre Associado de Porto Rico - nome oficial da ilha que é território dos Estados Unidos -, e tem provocado uma forte reação por parte do público, com sons nostálgicos de salsa aliados ao reggaeton e trap latino atual.
A primeira música do álbum com 17 faixas, "NUEVAYoL", contém um trecho da tradicional música "Un Verano en Nueva York", do grupo de salsa El Gran Combo de Puerto Rico, adaptado aos dias de hoje, enquanto a música mais ouvida, o acrónimo do nome do álbum (DtMF) não é só um apelo à atividade fotográfica, como um pedido para "não deixar as coisas a meio", como explicou Benito Antonio Martinez Ocasio em entrevista.
Antes do álbum ser lançado, Bad Bunny lançou uma curta-metragem em que uma versão envelhecida de Benito Ocasio, protagonizada pelo realizador porto-riquenho Jacob Morales, assume que "recordar não é fácil".
"Devia ter tirado mais fotos. Devia ter vivido mais, amado mais quando pude. Enquanto estamos vivos, devemos amar o mais que podemos", diz a personagem a Concho, um sapo em versão animada que representa o sapo de crista porto-riquenho, uma espécie em risco de extinção e que é também um símbolo da resistência de Porto Rico.
A capa do álbum, um quintal cheio de bananeiras e duas cadeiras Monobloc ao centro, representam o quotidiano nos países da América Latina, onde os modelos de plástico estão nos bares, restaurantes, cafés e nas casas.
Além disso, no YouTube, todas as faixas vêm acompanhadas por um texto escrito pelo historiador Jorell Meléndez Badillo, especialista na história de Porto Rico. Na música "LO QUE LE PASÓ A HAWAii”, a imagem conta a história do sapo Concho da espécie Coquíes.
"Ainda que não exista em muitos lugares fora de Porto Rico, o sapo também existe nas ilhas do Havai. O Havai é colonizado pelos Estados Unidos em 1898, no mesmo ano em que invadem Porto Rico", conta o historiador, enquanto Bad Bunny canta sobre como transformaram o Hawaii e as especies que ali viviam: "Eles querem tirar meu rio e também a praia / eles querem meu bairro e que seus filhos vão embora / não, não deixe cair a bandeira ou esqueça as cantigas / não quero que façam com você o que aconteceu ao Havai".
À Renascença, o professor de espanhol Julio Alfaro Dias explica que o álbum defende que Porto Rico deve defender a sua identidade cultural. "As praias no Havai são dos turistas, o Havai culturalmente apagou-se. A mesma coisa aconteceu nas Caraíbas. Então o disco defende exatamente isso, que é preciso pensar na gente e que não façam o que fizeram com o Havai", acrescenta.
Os apelos de Bad Bunny à preservação da identidade cultural de Porto Rico não são de agora. Durante a campanha presidencial dos Estados Unidos, e depois de num dos comícios republicanos o humorista Tony Hinchcliffe ter chamado Porto Rico de “ilha flutuante de lixo”, o cantor publicou um vídeo que exaltava a cultura da ilha, deixando como legenda a palavra: “lixo”.
Em contrapartida, nesta segunda-feira Tump tomou posse oficialmente como presidente dos Estados Unidos e consequentemente do Estado Livre Associado de Porto Rico – nome oficial da ilha. Durante um dos comícios republicanos, o humorista Tony Hinchcliffe chamou Porto Rico de “Ilha flutuante de lixo”.
Não sabíamos ainda, mas nesta altura - a 29 de outubro - o álbum já estava a ser produzido.
Em DeBÍ TiRAR MáS FOToS, Bad Bunny canta sempre (ou quase sempre) em espanhol, um língua que faz questão de usar mesmo nas entrevistas em inglês para valorizar a identidade de onde veio. À Renascença, Julio Alfaro Dias indica que o artista usa o idioma não só como um meio de comunicação, mas como um ato de afirmação.
Num ano que começa com a intenção de Donald Trump, o novo presidente dos EUA, em anexar mais territórios, a produção de Bad Bunny apresenta-se como um grito de resistência e afirmação da união dos povos da América Latina.
Segundo Julio Alfaro Dias, a língua espanhola é essencial para resgatar e fortalecer a identidade cultural de povos historicamente marginalizados. “A língua dá-nos voz. Mostra quem somos, de onde viemos e para onde vamos”, afirma.
O especialista, que tem uma escola voltada para usar a língua latino-americano como ferramenta política, metodológica e social, destaca que em contexto de apagamento cultural, o espanhol permite que os latino-americanos reafirmem sua história e cultura e que é, mais do que nunca, um símbolo de resistência frente às pressões do imperialismo cultural.
“É uma língua que reflete a nossa riqueza cultural. A América Latina possui uma história única, marcada por influências indígenas, africanas e europeias. E o espanhol tem o papel de transmitir essas memórias e resistir à tentativa de apagamento”, enfatizou.
Julio Alfaro Dias também partilha a sua experiência como educador e a importância de ensinar o espanhol com foco na valorização cultural. O professor opta pelo espanhol latino-americano nas suas aulas e adota uma metodologia baseada no pensamento freiriano, incentivando a reflexão crítica e a conscientização política dos alunos.
E conta o motivo da escolha metodológica que teve: “A nossa escola vê o espanhol como uma ferramenta de luta. É essencial que os latino-americanos compreendam a importância da sua língua e cultura. Isso faz parte de um movimento maior de decolonialidade, que tem como objetivo libertar a América Latina do imperialismo cultural e económico.”
O professor destaca também que o papel da língua espanhola e da cultura latino-americana vai além do sentimentalismo - trata-se de um sentimento de pertença e resistência - e reforça que é necessário lutar contra a extinção cultural e a gentrificação.
“A música, a língua e a cultura permitem-nos manter viva a memória do que somos. Precisamos de nos reconhecer como latino-americanos, valorizar as nossas origens e resistir às forças que nos tentam apagar. Bad Bunny e outros artistas estão a liderar esse movimento e cabe a todos nós respondermos a esse chamamento.”, afirma Julio Alfaro Dias.