Exposição de Peggy Guggenheim e novo olhar para acervo do MAC CCB

26 fev, 2025 - 19:31 • Maria João Costa

Abrem na quinta-feira duas novas exposições no MAC CCB. Além da nova exposição permanente intitulada “Uma Deriva Atlântica”, que integra as coleções Berardo, Ellipse, Teixeira de Freitas e CACE, é também mostrada “31 mulheres”. Esta é uma exposição de Peggy Guggenheim, que propõe explicar o contributo das mulheres para a arte do século XX e inclui Vieira da Silva.

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Não sabemos se Peggy Guggenheim conheceu Maria Helena Vieira da Silva quando esteve em Portugal, a acompanhar o seu marido Max Ernst a caminho dos Estados Unidos. Ele, judeu, fugia da II Guerra Mundial. Peggy, uma colecionadora de arte, viveu com Ernst em Portugal até este ter um visto para atravessar o Atlântico.

Já nos Estados Unidos, Peggy Guggenheim organizou, em 1943, a exposição “31 Mulheres”, na Art of This Century, a sua galeria de arte, em Nova Iorque. Esta mostra é agora reconstituída na exposição que abre esta quinta-feira no Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém (MAC CCB).

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Nela está incluído um desenho da artista portuguesa Maria Helena Vieira da Silva. “É um desenho de formato pequeno, mas que tem todas as características e o olhar minucioso para a cidade” de Vieira da Silva, explica ao Ensaio Geral, da Renascença, Nuria Enguita, a diretora artística do MAC CCB.

Integrados no percurso desta exposição, que “é uma homenagem à exposição que Peggy Guggenheim realizou em 1943”, estão também trabalhos de outras mulheres artistas, desde Frida Kahlo, a Anne Harvey ou Louise Nevelson. A mostra pretende interrogar sobre o contributo feminino para a arte do século XX.

Estas artistas, explica Nuria Enguita, eram “eles próprias mulheres que eram companheiras, amigas e referentes de artistas homens, mas eram desconsideradas por seu trabalho”. Nesta mostra que ocupa duas salas são assim mostradas “as redes de colaboração e de solidariedade feminina naquele tempo”, diz a diretora.

Grande parte das 31 mulheres incluídas na exposição, com curadoria de Patricia Mayayo e que pode ser vista até 29 de junho, tinha imigrado para os Estados Unidos durante a II Guerra Mundial. Estabelece-se assim uma ligação à outra exposição que o MAC CCB está a apresentar.

Paris-Nova Iorque

“Uma Deriva Atlântica. As Artes do século XX a partir da Coleção Berardo” revela como o centro artístico das décadas de 1940 e 1950 mudou de Paris para Nova Iorque, nos Estados Unidos. O oceano Atlântico torna-se assim um lugar de construção económica e cultural.

Esta nova exposição permanente do MAC CCB pega no acervo das coleções em comodato no depósito do CCB e dá-lhe uma nova leitura. Tendo o corpo central baseado na Coleção Berardo, a exposição mistura obras também das coleções Ellipse, Teixeira de Freitas e Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE).

Este renovado olhar para o acervo propõe uma exposição que mistura de forma inédita as coleções em depósito e que, segundo a diretora artística, propõe também uma outra maneira “de falar da história da arte, mas também na história do mundo”.

A exposição abrange o arco temporal de 1909 a 1977 – simbolizados na primeira obra da exposição, uma pintura de Pablo Picasso e no evento “Alternativa Zero” organizado por Ernesto de Sousa depois do 25 de Abril.

Mas a exposição está cheia de “interferências”, como lhe chamam a curadora Marta Mestre e a assessora científica Mariana Pinto dos Santos. “A construção de uma cronologia é sempre isso. Quer dizer que pode haver outras”, indica Mariana Pinto dos Santos.

Quando “os artistas trabalham, não é assim dessa forma tão arrumadinha, linear. Há uma série de misturas, de diálogos, de interferências”, explica esta assessora científica ao Ensaio Geral.

“Estamos a trabalhar com Coleção Berardo que é canónica, ou seja, faz essa construção e, portanto, quisemos desfazer e brincar, no bom sentido, para demonstrar que há outros caminhos e há outras ligações que podem ser feitas. Daí a presença também da arte portuguesa aqui, porque habitualmente a arte portuguesa é mostrada ao lado, com uma história própria. Aqui não, é misturada, até porque os artistas conheceram-se, cruzaram-se.”

Exemplo dessas “interferências” e dessa mistura é bem explicita numa sala da exposição onde são expostos vários trabalhos da artista portuguesa Lourdes Castro e no centro está o importante trabalho de Marcel Duchamp, “Boîte-en-Valise” – uma espécie de museu miniatura e portátil.

Lisboa, um centro da arte durante a guerra

A nova exposição permanente do MAC CCB propõe um olhar para o Atlântico como lugar de fluxo artístico e Lisboa como um porto de abrigo para alguns dos maiores nomes da arte do século XX.

Artistas como André Breton, Max Ernst, Man Ray, Marchel Duchamp ou Leonora Carrington fugidos dos horrores da II Guerra Mundial na década de 1940 passaram por Portugal, antes de embarcarem para os Estados Unidos.

“Lisboa foi esse lugar de passagem durante o período em que era neutral, na II Guerra Mundial e os artistas ficavam à espera do visto que demorava muito tempo a ser obtido num momento bastante tenso das relações geopolíticas e dos nacionalismos acirrados”, explica a curadora Marta Mestre, que remata dizendo que “a exposição toca nessa história, e no lugar de Lisboa nesse contexto”.

Mas as rotas do Atlântico fazem-se também mais para Sul. Na nova exposição são mostrados trabalhos de artistas africanos como Malangatana, Bertina Lopes ou Ricardo Rangel que sublinham essa ideia do oceano como um lugar de deriva da arte.

Neste núcleo intitulado “Revoluções” é feita uma “ligação direta às revoluções na Europa, entre as quais o Maio de 68 e o 25 de Abril, com as que levaram às independências africanas, através de obras de artistas como Malangatana, Bertina Lopes ou José de Guimarães”, explica a curadora.

É de resto, com esse olhar africano e uma piscadela de olho à atual discussão em torno da arte e das suas interferências colonialistas que encerra esta exposição que na sala anterior intitulada “Novos Realismos e Pop” são mostrados trabalhos de Andy Warhol, Jean-Michel Basquiat, Christo ou Roy Lichtenstein seguidas do diálogo entre as obras dos modernistas Almada Negreiros e Nikias Skapinakis.

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