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"Adolescência". A radicalização dos jovens numa série tecnicamente virtuosa

18 mar, 2025 - 17:00 • João Malheiro

Minissérie da Netflix demonstra como redes sociais podem ser uma má influência em jovens frágeis. Episódios foram filmados em quatro sequências contínuas sem qualquer corte ou interrupção na imagem.

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"Adolescência" precisou de apenas um fim de semana para se tornar no novo sucesso da Netflix. Trata-se de uma minissérie britânica de quatro episódios que podem ser vistos numa tarde - e muitos assim o fizeram.

A premissa é simples: e se, um dia, a polícia entrasse na casa de uma família e detivesse o filho de 13 anos? É o que acontece a Jamie Miller (protagonizado pelo pequeno Owen Cooper, ator de 15 anos), acusado no primeiro episódio de matar uma colega numa escola no Reino Unido.

O que se segue pode conter alguns 'spoilers' para o primeiro episódio: o pai, Eddie Miller (Stephen Graham), e o resto da família não acreditam na acusação da polícia, que aponta para um esfaqueamento brutal. No entanto, o detetive Luke Bascombe (Ashley Walters) tem provas irrefutáveis da autoria do crime.

O ator Stephen Graham também é um dos dois argumentistas da série, a par de Jack Thorne (escritor dos dois filmes "Enola Holmes"). O objetivo, admitem, não era criar um mistério, mas uma análise do porquê do homicídio ter, de facto, acontecido.

O que é um "incel"?

Pelo caminho, outro fenómeno atual acaba por ganhar preponderância. Jamie Miller, a personagem principal, interpretada pelo jovem Owen Cooper na sua estreia enquanto ator de uma produção audiovisual, é um jovem que sofre de bullying na escola e online. Nos dias que antecedem o crime que serve de fio condutor à trama, a vítima chama a Jamie um "incel" - uma expressão associada a jovens misóginos.

A radicalização dos jovens através do conteúdo que consomem online - sem conhecimento dos pais - é um problema cada vez mais recorrente, bem como ataques com faca no Reino Unido, especialmente de rapazes adolescentes a raparigas entre os 10 e os 17 anos.

"A ideia de que ninguém gosta de ti, de haver uma razão para as mulheres não te acharem atraente e teres dificuldade em falares com elas... De te sentires isolados dos teus pais, de teres más notas. É muito perigoso encontrar uma narrativa que justifique isso", explica o escritor Jack Throne, ao "The Wrap".

"Há uma crise neste momento que temos de começar a discutir. Temos de arranjar soluções", considera também.

Depois, há o efeito na família. De repente, os pais têm de perceber os motivos que levam o seu filho a cometer um ato violento. Neste ponto, Jack Thorne sublinha que não queria uma narrativa "fácil, em que se culpava os progenitores". Na verdade, Jamie Miller é um rapaz de 13 anos de uma família funcional, com uma vida normal, de classe média. Tem tudo para ter uma boa perspetiva de futuro... até que deixa de a ter.

O episódio três de "Adolescência" é o momento fulcral para compreender o propósito da série. Aviso de mais "spoilers": trata-se de um diálogo entre Jamie e a psicóloga Briony Ariston (interpretada por Erin Doherty), encarregue de fazer uma avaliação antes do julgamento do menor. Ao longo do diálogo, por vezes intenso e emotivo, Jamie admite vários problemas que afetam diversos jovens com acesso às redes sociais.

Quatro episódios sem cortes (e sem fôlego)

"Adolescência" tem é uma minissérie com 228 minutos - quase quatro horas - divididos em quatro episódios. Com a exceção do genérico de abertura e dos créditos finais, não há um único corte nos planos, ou seja, cada episódio é uma sequência gravada sem qualquer interrupção, do início ao fim. É quase uma hora por episódio em que a câmara não para de gravar toda a tensão e o drama da narrativa.

O realizador da série, Philip Barantini - que já colaborou em outros projetos com Stephen Graham -, queria evitar o "artifício" habitual de esconder os cortes entre cenas, através de truques visuais ou retoques digitais. Cada um dos quatro episódios foi, por isso, ensaiado em segmentos, quase como se se tratassem de pequenas peças de teatro, e depois repetido sem pausas, para que, mais tarde nas rodagens, fosse mesmo possível filmar tudo sequencialmente.

Nas redes sociais, a Netflix dá conta do objetivo de se filmar cerca de dez takes (tentativas) por episódio. Contudo, e devido a pequenos erros e imprevistos, as filmagens tiveram de recomeçar várias vezes, com os criadores a escolherem a melhor versão de cada episódio.

Se alguns episódios são diálogos bastante extensos entre duas personagens - como é o caso do episódio três -, o segundo capítulo decorre numa escola. Entre alunos, professores, pais e mais alguns civis, cerca de 370 figurantes foram utilizados nas rodagens.

A coreografia do episódio, que segue os inspetores da polícia a visitar várias salas de aula e a interrogar colegas de Jamie, foi das mais complexas. Mais complicadas ainda, porque, a certo ponto no episódio, a perspetiva do espectador sai do terreno e a câmara flutua pelo ar. E sim, nem isso teve cortes.

Um vídeo da Netflix revela o truque. O diretor de fotografia segurou a câmara até que fosse presa a um drone, que a levou pelo ar até ao local do homicídio. Chegando lá, técnicos de imagem recolheram a câmara e soltaram o drone, sem nunca parar de gravar.

Os quatro episódios de "Adolescência" estão disponíveis na Netflix Portugal.

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