21 mar, 2025 - 06:30 • Maria João Costa
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A história do MACAM – o Museu de Arte Contemporânea Armando Martins – que abre sábado ao público, em Lisboa, revela o amor de um colecionador pela arte. Engenheiro mecânico de formação, promotor imobiliário de profissão, Armando Martins é colecionador de arte por paixão. Confessa-se um “viciado” e chega a afirmar que “colecionar arte é uma droga”.
Armando Martins começou por adquirir serigrafias aos 18 anos. Um mês antes da Revolução do 25 de Abril de 1974 comprou, aos 24 anos, a sua primeira peça original – uma pintura de Rogério Ribeiro. Hoje, 50 anos depois, tem uma coleção com cerca de 600 obras.
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Neste percurso foi acalentando o sonho de construir um museu. Esse sonho ganha agora forma no edifício do antigo Palácio Condes da Ribeira Grande, na rua da Junqueira, em Alcântara onde expõe mais de 200 peças.
O MACAM abre este fim-de-semana e até segunda-feira tem entrada gratuita para o público. Tem uma área de 13 mil metros quadrados e cerca de 2 mil metros quadrados de área expositiva.
Além de duas galerias permanentes com a coleção, o MACAM tem também duas galerias com exposições temporárias, um restaurante, um bar numa antiga capela e um hotel de 5 estrelas que abrirá na Páscoa e onde os 64 quartos são também enriquecidos com peças da coleção de Armando Martins.
Armando Martins diz que a “decisão final de comprar uma obra” é sempre sua. O acervo que construiu mostra-se na exposição permanente intitulada “Uma coleção a dois tempos”.
Quem entra no MACAM, no lado esquerdo, uma porta maciça indica a Galeria 1. É lá que estão as obras mais antigas da coleção. Quando começou a adquirir obras de arte, Armando Martins focou-se exclusivamente em artistas portugueses.
As primeiras peças que o visitante encontra são de artistas do final do século XIX, passando pelo Modernismo português, como Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor ou José Malhoa, de quem é a obra mais antiga da coleção, intitulada “A sesta dos ceifeiros”.
É na segunda sala que o visitante conhece a peça preferida deste colecionador. O óleo sobre tela “A Mulher da Laranja”, de Eduardo Viana, é um quadro que saiu diretamente das paredes de casa de Armando Martins para as do museu. Mesmo de frente está outra peça que o colecionador muito gosta, “Música Surda”, de Amadeo de Souza-Cardoso.
“É uma exposição muito rica não só do ponto de vista dos artistas expostos e representados na coleção, mas principalmente pelas obras. São obras exemplares no percurso desses artistas e isso é algo que distingue a coleção”, sublinha em entrevista à Renascença Adelaide Ginga, a diretora do MACAM.
Nesta primeira galeria, o visitante encontra ainda um corredor dedicado aos surrealistas como Cruzeiro Seixas ou Querubim Lapa e onde estão também obras de Eduardo Batarda, Marcelino Vespeira e ao fundo uma obra de grandes dimensões de Maria Helena Vieira da Silva a chamar a atenção do olhar do visitante.
Numa exposição organizada de forma cronológica, segue-se outra sala com uma grande tela de Noronha da Costa, Júlio Pomar, uma escultura de José de Guimarães que surge ao lado de um Julião Sarmento.
Mas esta coleção mostra também Paula Rego, Menez, Lourdes Castro, Nikias Skapinakis e Cargaleiro nas salas seguintes que, pelo meio, têm uma sala dedicada a explicar ao visitante quem é o colecionador Armando Martins.
Voltando ao átrio de entrada, o visitante é convidado a seguir para a Galeria 2 que reúne o núcleo contemporâneo da coleção num diálogo entre arte portuguesa e estrangeira. Aconselhado por um conjunto de galeristas portugueses como Nuno Cera, Cristina Guerra e Vera Cortês, Armando Martins explorou outras linguagens artísticas.
Nesta galeria com cinco núcleos estão instalações vídeo, esculturas e fotografia. Sem um percurso cronológico, as obras são organizadas em núcleos temáticos como por exemplo, paisagem-arquitetura: entre interior e exterior, entre público e privado ou a memória.
É aqui que são mostradas peças de artistas como Michael Biberstein, Thomas Ruff, Dan Graham, Liam Gillik ou Marina Abramovic. Nomes internacionais que surgem lado a lado com obras de artistas nacionais como Pedro Cabrita Reis, Nuno Cera, André Cepeda, ou Rui Chafes.
Adelaide Ginga indica que, também neste núcleo contemporâneo, Armando Martins “manteve uma linha de orientação de procurar obras que sejam diferentes, e distintas, e que tenham uma importância na carreira dos artistas”. Na opinião da diretora do MACAM, estamos perante uma “coleção de obras e não tanto de nomes”.
Quanto começaram a intervir no restauro do Palácio, a capela já estava dessacralizada e em avançado estado de degradação. Parte das pinturas estava “destruída”, indica Adelaide Ginga durante a visita, e isso levou a uma recuperação permitindo uma intervenção mais contemporânea.
O espaço denominado “à Capela – Live Arts Bar” estará aberto para o exterior e vai acolher programação de eventos musicais e performativos, bem como sessões de poesia.
Na obra de recuperação, além de terem sido restauradas as pinturas da época, foi feita uma intervenção “site-specific” do artista espanhol Carlos Aires, intitulada “Trinity”. São duas esculturas que evocam o Santo António e Nossa Senhora.
Ao centro, a ocupar o retábulo do antigo altar, uma instalação que começa com um painel que relembra as figuras das antigas notas de escudo e que desliza revelando um Cristo na Cruz com imagens vídeo por trás. O artista já manifestou a intenção de criar um novo vídeo a cada ano.
Mas o MACAM é um projeto de arte total. A partir da janela da capela tem-se acesso a um dos terraços do palácio onde está uma escultura da artista canadiana Angela Bulloch, uma composição vertical colorida visível da rua. Noutro terraço está também instalada uma peça de grandes dimensões do artista português José Pedro Croft.
O MACAM tem, na parte de trás do palácio, um edifício novo. O projeto do estúdio de arquitetura português MetroUrbe prjetou uma fachada revestida por uma instalação de azulejos tridimensionais, da autoria da ceramista portuguesa Maria Ana Vasco Costa. Esta nova ala já recebeu o Prémio Surface Design Awards, em Londres.
No jardim, entre os dois edifícios, estão também algumas peças de grande porte. Além de uma instalação de Cristina Ataíde na fonte, há também uma escultura de Pedro Cabrita Reis e outra de Miguel Branco.
É neste novo corpo do museu que estão dois andares com exposições temporárias. Ao centro, quando se entra no edifício, está uma instalação do projeto MURMUR onde são convidados artistas emergentes, como é o caso de Marion Mounic, a primeira criadora convidada.
Quanto às duas exposições temporárias “são relacionadas com temas muito prementes da atualidade”, indica à Renascença Adelaide Ginga, que assina a curadoria da exposição que está na entrada.
“O Antropoceno: em busca de um novo humano?” é uma mostra que explora na coleção de Armando Martins obras que refletem sobre a “questão ecológica” e o impacto da atividade humana no planeta.
Nesta mostra o público vai poder ver uma obra de Gabriela Albergaria que nos transporta para dentro de uma floresta, ou uma peça de Eugenio Merino, intitulada “O fim da História” em que dentro de quadros surgem várias enciclopédias trituradas. Ao centro da nave da exposição, uma grande instalação, a peça “Arquitetura Animal” do artista brasileiro Ernesto Neto.
No segundo piso, a exposição “Guerra: Realidade, Mito e Ficção” com curadoria conjunta de Adelaide Ginga e Carolina Quintela fala sobre “os conflitos bélicos e as guerras com que nos confrontamos diariamente”, indica Ginga.
A exposição explora o poder da arte para falar e questionar um drama como os conflitos armados. Depois da entrada, onde está uma obra de Júlio Pomar, ao centro o visitante encontra uma das obras icónicas do português João Louro. “Little Boy” recria em tamanho real a primeira bomba atómica lançada com mensagens inscritas.
Também expostas estão obras de Miguel Palma ou Fábio Colaço. Este último tem duas peças colocadas frente-a-frente, que abordam a questão do capital. “Um milhão” é uma obra que mostra no chão um monte de notas de euros trituradas. Uma peça feita com o apoio do Banco de Portugal e que está de frente para um retrato do multimilionário Elon Musk, de 2023, em que o norte-americano aparece “triste”.
O MACAM está empenhado em transformar-se numa “casa para coleções privadas”, isso mesmo sublinhou Armando Martins na apresentação à imprensa. A ideia é que no espaço de exposições temporárias possam acolher outros acervos privados, sejam eles nacionais, sejam internacionais.
Questionado sobre o futuro da sua coleção, Armando Martins não esconde que irá continuar a investir anualmente em arte, apostando no seu gosto, mas agora acompanhado nas decisões pelas curadoras de Adelaide Ginga e Carolina Quintela.
Por ano, o presidente do Grupo Fibeira quer destinar cerca de 500 mil euros para aquisições e admite vir a alargar a coleção a artistas de outras geografias, nomeadamente África, Oriente e América Latina.
Para além do museu, o Palácio Condes da Ribeira Grande acolhe um hotel de 5 estrelas, que abre na Páscoa, sob direção de Vera Cordeiro. É o primeiro Museu-Hotel em Portugal e na Europa.
Armando Martins explica que a ideia de criar um hotel surgiu, pois, “o Palácio era demasiado grande para ser museu”, acrescentando que “a hotelaria e as artes se complementam".
No futuro, o colecionador ambiciona comprar mais obras, vendo o hotel como uma forma de sustentar financeiramente a paixão pela arte. “Espero que o hotel possa sustentar toda a operação”, afirmou em entrevista à Renascença.
A entrada do MACAM é comum ao museu e ao hotel, com a bilheteira à direita e a receção do hotel à esquerda. A partir do hall, os hóspedes podem aceder ao lobby e subir uma escadaria que dá acesso aos pisos dos quatros.
Cada um dos 64 quatros é único, estando decorado com uma seleção de obras da Coleção MACAM. As peças foram escolhidas tendo em conta condicionantes de espaço e segurança.
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O piso 1 está dedicado a obras de artistas portugueses nascidos antes do 25 de Abril, enquanto o piso 2 representa os artistas estrangeiros. A experiência artística estende-se às áreas comuns, corredores e terraços. Todo o hotel é concebido como uma continuação do museu.
“É uma forma diferente de ter uma estadia em que se priva diretamente com uma obra de arte, dorme-se com ela, acorda-se com ela, mas também sabemos que temos que a preservar e guardar”, disse Adelaide Ginga, diretora do Museu MACAM, à Renascença.
A equipa do MACAM conta com a ajuda dos hóspedes na preservação das obras de arte, promovendo o conceito de “guardião de arte”. Não é necessário assinar nenhum termo de responsabilidade no início da estadia, contudo, vão ser expostos documentos que sensibilizem as pessoas para o facto de estarem hospedadas num museu.
No MACAM Café e no Restaurante Contemporâneo, o chefe Tiago Valente e a chefe-pasteleira Lara Figueiredo reinterpretam a gastronomia tradicional portuguesa, inspirando-se em algumas das obras em exposição.
O espaço do MACAM inclui ainda uma loja com edições exclusivas de prestigiadas marcas portuguesas e outras especialmente selecionadas.
Estes três primeiros dias de abertura, o MACAM será totalmente gratuito. Depois, o museu, que passa a encerrar à terça-feira, terá um bilhete de oito euros para a visita à coleção permanente e um bilhete de seis euros para cada uma das exposições temporárias.
Aos jornalistas, a diretora do MACAM explicou que, além dos tradicionais descontos para estudantes e outros, haverá também um bilhete conjunto para a exposição permanente e para as temporárias no valor de 15 euros. Quanto aos hóspedes do futuro hotel terão acesso gratuito a todas as exposições.