21 mar, 2025 - 06:30 • Maria João Costa
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Em 50 anos, como colecionador, apenas vendeu três peças e arrepende-se até hoje. Armando Martins começou por comprar serigrafias aos 18 anos. Ia fazer 25, quando na véspera do 25 de Abril de 1974, comprou a sua primeira obra original, uma pintura de Rogério Ribeiro que integra a coleção atualmente com 600 peças.
Este engenheiro mecânico de formação, promotor imobiliário de profissão, confessa-se um viciado em arte. Tomou-lhe o gosto e compara a atração que tem pela arte com o vício da droga, “uma droga boa”, admite.
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Investiu mais de 55 milhões de euros de capital próprio na compra e reabilitação do antigo Palácio dos Condes da Ribeira Grande, na rua da Junqueira, em Alcântara. É ali que nasce, no sábado, a 22 de março, o seu dia de aniversário o MACAM – o Museu de Arte Contemporânea Armando Martins. Para sustentar o projeto, investiu também num hotel de 5 estrelas instalado no mesmo espaço.
Disse na apresentação do MACAM – Museu de Arte Contemporânea Armando Martins que “colecionar arte é uma droga. É viciante”. Quero começar por lhe perguntar que tipo de “viciado” é Armando Martins?
Eu tenho evitado ir a feiras, porque nunca consigo resistir quando encontro uma peça que me atrai e que gosto muito! Fomos agora à Arco, a Madrid, e não resisti sem fazer algumas aquisições.
MACAM
A inauguração do MACAM - Museu de Arte Contemporân(...)
Ao fim de 50 anos de colecionismo continua a comprar aquilo que gosta?
Sempre. Não faço uma aquisição de qualquer coisa que não goste. Pode haver peças que gosto mais do que de outras, assim como na coleção há peças que gosto mais do que de outras, mas gosto de todas, como é evidente.
Esta droga é, de facto, um vício quando não resistimos.
Já lhe colocou desafios?
Passei alguns momentos, no passado, com algumas dificuldades, depois da crise do ‘subprime’. Entramos numa recessão e tivemos algumas dificuldades financeiras para manter toda a estrutura das empresas que temos.
Eu tinha compromissos já com obras de arte, e enfim, tive que renegociar alguns prazos para pagamento. Por isso, considero uma droga!
Felizmente nunca estive na droga pura e dura, portanto, não sei se é assim ou não, se o impulso e a atração é da mesma maneira, mas, de qualquer forma considero uma droga, mas uma droga boa!
O MACAM vai abrir no dia do seu aniversário. Foi também a data na qual comprou a sua primeira obra original, em 1974, pouco antes do 25 de Abril. A data não foi escolhida ao acaso?
Nas obras de edifícios, se não marcarmos uma data, elas nunca mais terminam, e mesmo depois dessa data elas ainda vão continuar.
Eu já tive várias datas para abrir o museu, inicialmente até tinha previsto que abrir no final de 2021, depois com a pandemia, com tudo isso atrasou-se bastante e, portanto, a obra foi derrapando ao longo deste tempo.
Aproveitou-se, de facto, uma data que coincide com o meu aniversário e marcou-se. Ainda temos trabalhos em curso, mas tem de ser, não há outra maneira. Penso que é a conclusão de um trabalho que venho fazendo há muitos anos.
É um sonho que se torna realidade?
Costumo sempre dizer que quero trabalhar até o último dia da minha vida se puder.
Não me irei reformar nunca. Na minha vida profissional, essencialmente sou promotor imobiliário, fiz o Atrium Saldanha e outros edifícios por aí.
Fiz aqui um condomínio, a Vila Restelo, que passo a imodéstia, penso que é um dos melhores condomínios. Já tem 20 e tal anos. Estou neste momento a construir em Setúbal, onde nunca tinha ido, estamos a fazer um edifício de 86 apartamentos, portanto, eu quero trabalhar até o último dia.
Portanto, quando possível é ganhar o suficiente e aquilo que resultar das empresas, os resultados positivos, é continuar a investi-lo em arte. Este é o caminho.
Se me pergunta se é de facto o projeto da minha vida, todos são os projetos da minha vida, é como ter um filho!
Quando se tem um filho a gente dá mais atenção a esse que está a chegar, mas, de qualquer forma, gosta de todos.
Tem aqui parte da sua coleção exposta. Já há muito tempo que não a via, porque ela estava guardada em armazéns. Que prazer é que sente ao visitar estas salas do seu museu?
É um reavivar da memória, e, em alguns casos também do prazer que me deram. Recordo-me algumas negociações muito difíceis que tive para comprar algumas obras que estão aí expostas, e outras que ainda estão guardadas aqui no nosso acervo.
Já as posso visitar, mas, é de facto um reencontro, é um prazer voltar a encontrar e encontrar-me com estas obras.
Ficou com as paredes da sua casa vazias?
Praticamente, praticamente (risos) Vou começar a repô-las.
Tenho que fazer uma reforma grande na minha casa, porque estou lá a viver há 32 ou 33 anos, está no momento de fazer repinturas e tudo isso, e nessa altura penso, encontrar peças também para ficarem em casa.
Mas há alguma obra que nunca sairá de sua casa? Que quer ter consigo?
Não. A peça que eu mais gostava em minha casa veio para cá.
Qual é?
“A Mulher da Laranja”, do Eduardo Viana. É de facto a peça que esteve uns anos exposta em minha casa. O Amadeo de Souza-Cardoso esteve lá pouco tempo, o quadro “Música Surda”, mas também está aqui exposto.
Em minha casa, neste momento, ainda estão lá algumas peças da coleção, mas a intenção é tê-las aqui, porque eu vou passar a maior parte da minha vida aqui neste espaço.
Já cá temos um escritório. Eu tenho o meu escritório principal no último piso do Atrium Saldanha, mas há cerca de dois meses que não vou lá, porque tenho estado aqui todos os dias a acompanhar a obra, e, portanto, vou passar uma grande parte da minha vida aqui neste espaço.
Este é um projeto que, além do museu, tem também um hotel de 5 estrelas. É fundamental essa perspetiva de negócio para manter a sustentabilidade do projeto?
Sim, sempre tive a ideia que uma fundação. As fundações em Portugal, pelo menos as que eu conheço, tirando a Gulbenkian que está noutro patamar, mas as fundações criadas por um fundador, quando o fundador desaparece, normalmente a fundação cai ou apaga-se definitivamente.
Eu não sou eterno, um dia partirei, e quero transmitir aos filhos e aos netos a continuidade deste museu e deste espaço, e, portanto, era necessário criar uma atividade que permitisse a sustentabilidade de toda a operação.
O hotel apareceu, primeiro porque o Palácio era demasiado grande para ser museu, e por outro lado, a hotelaria e as artes, acho que andam muito juntas e muito próximas. Complementam-se. Com a vantagem, penso eu, e assim espero, que o hotel possa sustentar toda a operação.
Neste momento, já que temos 91 pessoas a trabalhar connosco, e não chegam, isto vai acabar em 120, penso eu. Admito e acredito que o hotel dê para sustentar toda esta operação, e ainda que me liberte algum dinheiro para comprar mais obras de arte.
É sempre esse o objetivo, continuar a fazer crescer esta coleção?
Essa é a intenção, enquanto eu cá estiver, depois espero que os meus sucessores façam o mesmo. Portanto, seria um gosto que eu teria na partida se soubesse que a coleção e o museu teriam continuidade no tempo.
Sei que o segredo é sempre a alma do negócio, mas disse que não recorreu à banca para este investimento. De que valores estamos a falar de capital próprio?
Inicialmente tive aqui um financiamento da banca, um financiamento relativamente pequeno, cerca de 15 milhões e meio de euros, dos quais metade eram suportados por uma entidade chamada IFRU, que é uma entidade europeia, do Banco Europeu, que financia as reabilitações, e que é um custo praticamente zero.
Mas, a dada altura, suponho que em dezembro de 2023, vendi uma boa parte do Atrium Saldanha, embora ainda tenha ficado com 20%, continuo o maior acionista. Aí resolvi pagar a todos os bancos tudo o que estava em curso, porque também temos um palácio em Loures, o Palácio do Correio-mor, que também tinha um pequeno financiamento de 15 ou 16 milhões de euros.
Acabei de limpar todos os financiamentos, inclusive este. Na altura, isto era com o Banco BPI, que ficou muito triste, porque queria continuar ligado a este projeto, porque também era um projeto único para eles, mas achei que, não sei se em termos de gestão foi uma boa decisão, mas acho que estou mais tranquilo de não ter dívidas absolutamente nenhumas, e passar isto para os filhos, numa situação completamente limpa.
De que valores estamos a falar?
O investimento total entre a compra do palácio, que foi feita há uns 17 ou 18 anos atrás, e a obra que está a terminar, com a decoração, deve andar nos 55 milhões de euros, mais ou menos, sem a coleção, claro.
Só com a compra do palácio e as obras de reabilitação, e a decoração do hotel, penso que andará nos 55, 56 milhões de euros.
A coleção para si não tem preço?
Tem, com certeza, tudo tem um preço.
É evidente que se me perguntar exatamente quanto vale, não sei, não faço ideia. Temos que a avaliar por causa dos seguros. Fiz uma avaliação na base do custo, mais ou menos, das obras, e é capaz de valer 40 a 50 milhões de euros, não sei.
Nunca vendeu nenhum quadro?
Vendi três peças das quais me arrependo até hoje.
Vendi quando entramos no ‘subprime’. Vi a minha vida tão complicada, aliás, muitos colegas meus, uns faliram, outros suicidaram-se, foi um drama, e nós, como promotores imobiliários, tínhamos muito património e estava hipotecado à banca. Era assim que isto funcionava.
Eu vivi cinco anos e meio no Brasil e pensei na altura, seriamente em abandonar o país outra vez. Então, resolvi vender três peças de artistas brasileiros para investir no Brasil. Hoje penalizo-me muito. Tudo o que lá investi praticamente ficou lá, portanto, perdi as obras de arte e perdi o capital que meti no Brasil.
Foi uma má experiência, mas na altura o ambiente que estava à volta disto levou-me a tomar essa decisão. As coisas têm de ser analisadas no seu tempo, e portanto vendi uma Beatriz Milhazes. Acho que foi a melhor peça dela, uma peça chamada Urubu, mas a vida é tão engraçada, porque vendi-a através de um galerista, e eu não sei, nem ele sabia quem é que comprou a peça.
Em 2018 estava num jantar na ARCO, no dia em que me deram o prémio, e ao meu lado estava uma miúda que começou a dizer-me que era galerista, em São Paulo, e não sei porquê disse-me qual era a galeria, eu perguntei-lhe: “Você representou a Beatriz Milhazes?” e ela disse sim, sim. E eu disse: “Eh pá, nem queira saber, eu fiz uma asneira muito grande na minha vida, vendi-me a peça”. Ela abriu o telemóvel e disse: “É esta?”, respondi: “É!”, a galerista explicou: “Quem a comprou foi o meu pai, e há dois anos atrás...”
Tentou renegociar?
Não. Ela já me telefonou para eu comprar a peça, mas já estava num valor tão elevado que já não estava em condições de adquirir. É uma parte triste do meu percurso na coleção, mas, foi um momento muito difícil para toda a gente, e na altura ocorreu-me esta ideia, mas estou muito arrependido de o ter feito.