27 mar, 2025 - 06:30 • Maria João Costa
Tal como Aurora, a personagem principal do filme "On Falling", também a realizadora Laura Carreira foi uma portuguesa emigrada na Escócia. Esta é a primeira longa-metragem da cineasta, um filme que chega a Portugal já com dois prémios internacionais arrematados.
Laura Carreira diz, em entrevista à Renascença, que pretendeu mostrar um “trabalho invisível que muitas vezes é feito por emigrantes”. Vencedor da Concha de Prata para Melhor Realizadora no Festival de San Sebastian e do Prémio de Realizadora Revelação no BFI London Film Festival, o filme mostra a vida de uma trabalhadora num armazém de comércio eletrónico.
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O trabalho de Aurora - personagem interpretada pela atriz Joana Santos - é constantemente monitorizado, a sua produtividade posta à prova, mas no meio do armazém e sozinha em Glasgow, esta portuguesa sente solidão mergulhada num trabalho precário. Laura Carreira diz que sente que “o cinema evita filmar o trabalho”. Esta jovem realizadora portuguesa quer desafiar a sétima arte a falar do assunto.
Como nasceu a ideia para o filme? Como se cruzou com esta história e o que quis contar?
“On Falling” segue a vida da Aurora, uma emigrante portuguesa que vive e trabalha na Escócia num grande armazém de distribuição. Eu, quando comecei a desenvolver o trabalho, sabia que queria olhar para a nossa fragilidade financeira, mas depois acho que o filme acabou por ficar mais existencial do que a primeira ideia.
É aí que entra a questão do trabalho?
Já nas minhas curtas tinha explorado o tema do trabalho e, especialmente com a minha última curta. Comecei a ler muito sobre trabalho precário e descobri que, obviamente, a indústria da logística é uma indústria com muito trabalho inseguro.
Foi aí que descobri o trabalho de "picker", que é o trabalho da Aurora. E percebi que, quando estas companhias falam das suas inovações tecnológicas, que ajudam a encomenda a chegar muito depressa a casa, depois, vai-se a ver e, afinal, é uma pessoa que está atrás de corredores e corredores com milhares de objetos, a correr atrás do próximo que foi pedido online. Isto, para mim, foi quase um choque.
Achei que este trabalho invisível, que muitas vezes também é feito por emigrantes, tem aqui uma combinação de temas que vão ser interessantes de explorar.
No fundo quis dar um rosto, com a Aurora, ao outro lado do consumismo, dar voz àqueles que não vemos, mas que tornam este mercado de consumo possível?
Sim. São histórias que são muito fáceis de ignorar e de não ouvir. Esse também foi um processo muito engraçado neste projeto, de poder falar com pessoas que fazem esse trabalho, ouvir os relatos das suas vidas e perceber que é um bocadinho estranho como as empresas estão a tirar lucros tão grandes e as pessoas não estão a ganhar suficiente para sequer chegar ao final do mês.
Há ali uma série de injustiças que me pareceram importantes ver, especialmente para o mundo de hoje.
Este filme é rodado quase como um documentário, porque vamos vendo a vida da Aurora nas suas 24 horas. Foi uma opção?
Sim, acho que veio muito da pesquisa e de querer trazer o dia-a-dia para o cinema.
Acho que muitas vezes, o cinema evita filmar o trabalho. E eu quero muito criar o desafio de trazer as vidas como são.
Se passamos tanto tempo das nossas vidas a trabalhar, porque é que não queremos lidar com essa realidade no cinema?
Quanto às filmagens, acho que há aqui muitos elementos que têm a ver com a posição da câmara e o tempo que a câmara está com a Aurora. É experienciar o tempo com ela.
É engraçado, porque às vezes já recebi comentários de que os planos do trabalho são muito longos. E eu penso, no máximo são um minuto! Esta pessoa está a fazer esse trabalho durante dez horas! Portanto, acho que conseguimos ver trabalho durante um minuto.
Este é também, ao mesmo tempo, um filme que fala da solidão que há nestas vidas. Querer também mostrar esta solidão de quem vive fora?
Obviamente, a escolha de tornar a Aurora uma emigrante portuguesa veio muito de eu saber que muitos destes trabalhadores são emigrantes, mas também de poder trazer as minhas próprias experiências dos primeiros anos na Escócia.
Acho que, obviamente, como emigrantes sentimos a solidão de forma muito mais forte quando chegamos a um país e não temos as dinâmicas de família, de amigos, desse apoio social que muita gente tem.
Para mim era importante falar muito desta solidão, mas conectá-la sempre com o trabalho, porque acho que isto também é algo que nós não falamos demasiado.
Quando falamos, por exemplo, dos telemóveis, de como as pessoas não estão a falar tanto umas com as outras, as pessoas não comunicam as suas mágoas, as suas tristezas. Acho que muito disto vem de estarmos com pouco tempo para estar com outros, para viver uma vida fora do trabalho. E isto, para mim, é o mais fundamental deste filme.
A Aurora quer uma vida e não consegue com a rotina que tem. E muita gente encontra-se nesta situação, de tentar só sobreviver de salário para salário, e, com pouco tempo para viver uma vida para além do trabalho.
Como é que foi o trabalho com a Joana Santos?
Foi muito fácil, porque a Joana é uma atriz fantástica. Eu acho que mal ela entrou no projeto, percebi que ela tinha uma compaixão e uma empatia muito grande pela personagem.
Acho que isto ajudou muito a criarmos um retrato da Aurora. É uma atriz fenomenal. Foi mesmo um prazer muito grande trabalhar com ela.
O que é que representaram para si os prémios internacionais a este filme? E o que representaram para a sua carreira?
Bem, eu quero fazer mais filmes. Mas esta indústria às vezes é difícil e, portanto, eu sabia que este filme provavelmente ia determinar se eu conseguia fazer outro, ou não.
Obviamente, os prémios ajudam. Estou muito feliz, porque há muitos anos que tento fazer parte desta indústria e agora vou dar tudo para que não saia.