19 jun, 2025 - 08:30 • Maria João Costa
Dino D’Santigo lamenta que hoje em Portugal se esteja “a gritar por um sangue puro que nunca existiu” e mostra-se triste com um país onde se “vibra com uma energia preconceituosa”. É neste quadro atual, onde se repetem os episódios de violência de ódio, que o músico aceitou, de novo, ser o curador do Jardim de Verão, da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Ao longo de três fins-de-semana, já a partir de sábado, a Gulbenkian volta a ser palco de uma programação que promove nas palavras de Dino D’Santiago, “uma cachupa humana”. Neste encontro de culturas, onde a língua portuguesa é o denominador comum, há cinema, música, dança, oficinas e conversas para ver.
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Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, Dino D’Santiago destaca como uma das novidades as conversas e também a dança. “A dança vai trazer uma outra dinâmica, num tempo em que, até dançar já se tornou ofensivo para algumas pessoas. Então, essa liberdade que a dança traz vai ser muito importante para sentir essa vibração no Jardim de Verão”, sublinha.
No cartaz, na dança destaca-se dia 29 de junho, às 19h00, no Anfiteatro ao ar livre um espetáculo de hip hop com uma "Breaking Battle" organizada pelo OU.kupa, em colaboração com o Bboy Mucha.
O programa inclui também 13 concertos no Grande Auditório e no Anfiteatro ao ar livre com artistas como Fábia Rebordão, Indi Mateta, Mako Kungo, Momi Maiga, Karyna Gomes, Nara Couto, New Max, Janeiro e Ferro Gaita.
“Ter a presença dos Ferro Gaita para celebrar as independências dos países africanos que se expressam em língua portuguesa foi algo recebido com muita alegria”, sublimha Dino D’Santiago.
O cantor destaca também o espetáculo de Cati que “vai interpretar Sara Tavares de uma forma muito íntima, porque tinham uma relação muito próxima. Estavam a desenvolver um livro juntas, coisas que as pessoas não sabem e que vão acontecer pela primeira vez no Jardim de Verão”.
“Quando me desafiaram para ser curador do Jardim de Verão, havia muito a necessidade de trazer sangue novo e de trazer sempre vozes que fizessem parte do universo da língua portuguesa, ou seja, artistas que viriam de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Brasil, Guiné ou São Tomé e continuamos com esse mesmo olhar”, indica Dino D’Santiago, que acrescenta, no entanto, que juntaram também o “universo de várias culturas que vivem neste momento, principalmente, na Grande Lisboa”.
Noutro plano, está também previsto um conjunto de conversas, sem moderador e que pretendem lançar uma reflexão. A curadoria é da atriz Cláudia Semedo que, à Renascença, explica como escolheu os convidados.
“Uma vez que todo o festival é um pouco para homenagear a cultura hip hop, a proposta foi ir buscar elementos dessa cultura nas várias áreas, desde o graffiti ao DJ, à dança e aos Mc's”, explica Semedo.
“Num mundo que parece que a palavra ‘construção’ se está a esboroar e estamos cada vez mais divididos e sozinhos, queria trazer narrativas que mostram precisamente o contrário, pessoas que através do seu trabalho constroem um mundo cada vez mais plural”, diz Cláudia Semedo.
Em cartaz estão encontros entre “Sam the Kid e Muleca XIII - a primeira dupla - depois a segunda dupla, no dia 28, é com Yen Sung e Jimmy P, e a terceira dupla é com a Lúcia Baronesa e a Eva Rap Diva”, explica a atriz.
No Jardim de Verão o cartaz contempla 30 programas com entrada gratuita, alguns sujeitos ao levantamento de bilhetes. A ideia diz à Renascença, Dino D’Santiago é que o Jardim de Verão seja um lugar de encontro.
“O que as pessoas mais adoram sentir é o que estão ali numa cachupa humana, numa feijoada transmontana humana. Toda a gente ali a dançar junto e misturada. Não se percebe realmente o fosso cultural. Depois, quando nós vamos para as urnas e vemos um país tão dividido, não é a mesma vibração”, critica Dino D’Santiago.
Para o músico, em Portugal surgem agora “ecos” dos quais discorda. “Não posso condenar o país que me viu nascer, mas posso acentuar que discordo completamente que o país que me viu nascer também vibre nesta energia preconceituosa, tendo em conta que vivemos num dos territórios por onde mais povos passaram”.
Dino D’Santiago sente-se “muito triste” com as recentes notícias de ódio, mas ao mesmo tempo isso fá-lo “levantar com mais força e mais fé para continuar a trabalhar na cultura”. “Sinto que a cultura é a grande força que nos pode guiar para um futuro melhor”, remata o artista.
Durante os três fins-de-semana há também entrada gratuita nas exposições da Gulbenkian, a partir das 14horas. O cartaz do Jardim de Verão pode ser consultado em Gulbenkian.