Entrevista Renascença

Aos 70 anos, Olga Roriz volta a dançar. “Fiz um solo à medida do meu corpo”

30 jun, 2025 - 14:45 • Maria João Costa

“O Salvado” estreia dia 3 no Teatro Carlos Alberto, no Porto. De 9 a 12 de julho estará no São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa. Em entrevista à Renascença, a coreógrafa e bailarina explica que espera que “a dor não retire o prazer” de dançar este solo.

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Aos 70 anos, a celebrar 50 anos de carreira e 30 da sua companhia, a coreografa Olga Roriz volta a dar corpo a um solo e a pisar o palco. “O Salvado” é o nome do espetáculo que estreia dia 3 no Teatro Carlos Alberto, no Porto e que de 9 a 12 de julho estará em Lisboa, no São Luiz Teatro Municipal.

Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença a coreógrafa explica que criou “um solo à medida” do seu corpo. Fala das dores que sente, mas sublinha que a única coisa que quer é ter “prazer” a dançar este espetáculo.

Não gosta de fazer balanços, mas com tantas datas redondas interrogou-se: “O que é este corpo agora? Como é que está esta cabeça agora? Como é que dialogam? E o que é que vou fazer?”. Olga Roriz lançou-se para uma “tela em branco” para criar “O Salvado”. Doze anos depois de “A Sagração da Primavera”, o seu último solo, a bailaria confessa um ímpeto criativo ininterrupto.

Aos 70 anos, com 50 de carreira foi o corpo que lhe pediu para voltar ao palco e dançar?

Não foi o corpo. É sempre a cabeça e a vontade, o desejo e a necessidade de criar que eu tenho sempre. É uma coisa ininterrupta. A minha vontade de criar, seja para mim, seja para os outros, é contínua.

Há espaços, lugares e tempos em que eu o posso fazer ou que sinto que é o momento certo. E foi isso que aconteceu. Foi essa janela aberta.

Eventualmente por causa da última criação que fiz – “A hora em que não sabíamos nada uns dos outros” - onde trabalhei com dezenas e dezenas de pessoas. Eram só 30 pessoas por espetáculo, mas, na realidade, em cada local de digressão, trabalhei com mais de 20 pessoas da comunidade, para além do elenco fixo da companhia.

Portanto, foi um ano e meio a trabalhar com muita gente. E, eventualmente, foi o momento de me recolher. Talvez isto seja inconsciente, estou agora a pensar nisso, mas talvez fosse essa uma das razões.

Depois, também, esta altura com estes números redondos, os 30 anos da companhia, os meus 50 anos deste percurso criativo e os meus 70 anos de idade…sei lá. Isto é tudo muito número redondo, e achei que poderia ser interessante juntar tudo isso e fazer este solo.

Este solo – O Salvado – nasce de alguma interrogação?

Eu estou-me sempre a questionar. Mas não veio de uma interrogação.

A única coisa que fiz foi lançar-me para seis residências artísticas durante o ano de 2024, em locais completamente diferentes, sozinha. Aí lancei-me a um espaço do esquecimento.

Foi quase a sensação da tela em branco. O que é este corpo agora? Como é que está esta cabeça agora? Como é que dialogam? E o que é que eu vou fazer?

Nesse aspeto, claro que houve questões, porque há sempre questões. Mas aquilo que me interessava era perceber que intérprete é esta, e que mulher é esta aos 70 anos a fazer um trabalho destes.

Fui encontrando nesse esquecimento e nessa tela em branco o que eu queria trabalhar. Eu tenho sempre uma série de amarras que todos nós temos, as nossas memórias.

Não queria, e isso sei muito bem, que fosse um espetáculo de arquivo. Não é um espetáculo de lembranças do passado e de memória.

Eu venho com aquilo que se salvou em mim e com muito mais, com o que estou agora e com o que sinto para a frente. Mas não faço essa viagem para trás. São as coisas vieram agarradas a mim.

A música é sempre nos seus espetáculos uma escolha muito pessoal. Também o foi neste “O Salvado”?

Foram aquelas que encontrei e que faziam parte do meu percurso ao longo dessas residências. Como sabe, agora no Spotify ou num outro sítio qualquer de internet, quando põe uma música, aparecem outras tantas que têm a ver e que têm os mesmos estilos.

E ao ir à procura de algo que eu já conhecia de um compositor, encontrava outros trechos que não conhecia, outros compositores. Foi o caso da Hania Rani.

Mais uma vez, eu não fui buscar músicas que tivesse usado nos meus espetáculos ou que fizessem parte da minha vida. Fui procurá-las, sim, mas depois encontrei outras aquelas que me serviram para aquilo que queria fazer.

Que balanço é que faz destas datas redondas, 70 de vida, 50 de carreira e 30 da companhia?

Eu penso que no solo não existe esse balanço. Existe uma partilha com o público que acho que vai ser muito interessante. Para quem me conhece ou não me conhece, vai me conhecer de outra maneira.

É um outro estar que não existe na Olga. Quer dizer, ele existiu sempre, só que eu nunca o mostrei. Tem a ver com o humor, com o desmanchar de mim própria, de gozar com a idade, com o corpo que já não é perfeito e com o quebrar a quarta parede e falar mesmo com o público. Todos os textos foram escritos por mim.

Em relação ao balanço, eu não gosto muito de fazer muitos balanços, porque tenho a sensação de que há sempre um término.

Quando faço um balanço, parece que terminou ali qualquer coisa. Eu nunca tive essa sensação, desde quando comecei a dançar, mesmo ainda na minha formação, foi sempre um caminho em constante evolução e caminhada. Portanto, os anos vão passando e as coisas vão continuando e não há fechar de portas.

Há uma constante construção e coerência?

Depois de sair da Gulbenkian, dirigi a Companhia de Dança de Lisboa e depois, logo a seguir, comecei com a minha companhia. Esses são momentos de clivagem, de grandes mudanças, mas de resto, acho que é um percurso contínuo.

É bom às vezes fazer balanços, perceber o que está bem e o que está mal. Não sei se há uma coerência. Eu tento ser o mais verdadeira comigo própria possível.

Quando trabalho com os bailarinos, o meu método de trabalho é muito participativo, portanto, é um método de comunidade, de partilha, no sentido de eles me trazerem as suas próprias linguagens e o seu próprio pensamento.

Portanto, há sempre momentos dos meus espetáculos, aqui ou ali, que podem eventualmente ter um rumo que nem parece o rumo que eu costumo trilhar, mas é porque ele é aberto a essas pessoas e faço coisas diferentes com pessoas diferentes.

Mas acho que é um trabalho em continuidade. Quero acreditar que é um trabalho em evolução. Não sei se ele é coerente, nem sei sequer se esse conceito é muito positivo.

Vai estrear no Porto, tem outros espetáculos previstos?

Vou estrear no Porto dia 3 no Teatro Carlos Alberto até dia 5. Depois dias 9, 10, 11 e 12 vou ao São Luíz, em Lisboa, depois vou a Setúbal, Aveiro, Famalicão, Loulé e Faro.

Ainda faltam alguns serem marcados, como o caso de Braga que ficou para 2026.

Espero fazer muitos espetáculos e, sobretudo, espero sair daqui. Estamos a tentar saída para o Brasil. É um espetáculo que tem muito texto, mas como é entre português e inglês, eu pensei se punha ou não legendas. Não vou pôr legendas. Quero é que as pessoas olhem para mim e não para as legendas.

Perceberam? Perceberam. Não perceberam, paciência! Mas sim, vamos tentar também sair com este espetáculo para fora do país, claro.

E há dores por dançar aos 70 anos?

Pois, as dores há desde sempre. Não tem a ver com esta idade. Às vezes as dores são um bocadinho diferentes. Há a luta entre a coreógrafa e a bailarina. A coreógrafa quer, a bailarina também quer, mas às vezes não consegue responder.

Eu fiz um solo à medida do meu corpo. E, aliás, é por essa razão que coreógrafos como Martha Graham ou a Pina Baush conseguem ter uma longevidade muito grande.

No caso dos coreógrafos, quando são intérpretes, têm esse privilégio. Por outro lado, obviamente que o corpo já tem um desgaste muito grande da profissão. Já nem sequer tem a ver com a minha idade.

Já passei por um momento complicado de dores. Eu conseguia fazer, mas tinha dores. E agora já estou melhor. O que eu quero, ou o que eu desejo, é poder fazer cada espetáculo com prazer e que a dor não me retire esse prazer. E é isso que vai acontecer, espero!

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