UE quer ser xerife no faroeste digital. Mas poderá enfrentar os donos das redes sociais?

Terá a União Europeia armas para impor regras aos gigantes tecnológicos e regular plataformas utilizadas por milhões de utilizadores ou está a ser otimista? A Renascença explica o que são, para quem são e que consequências têm os quatro regulamentos da nova“constituição tecnológica e digital”.

06 fev, 2025 - 06:30 • Salomé Esteves , Daniela Espírito Santo



Que limites põe Constituição Tecnológica e Digital da União Europeia a gigantes tecnológicos como a Meta e o X? Imagem: Salomé Esteves/RR
Que limites põe Constituição Tecnológica e Digital da União Europeia a gigantes tecnológicos como a Meta e o X? Imagem: Salomé Esteves/RR

Mark Zuckerberg começou 2025 a fazer soar alarmes no mundo digital quando, a 7 de janeiro, anunciou mudanças drásticas para as plataformas da Meta: alterou o código de conduta, abandonou políticas de diversidade e inclusão e acabou com o "fact-checking" verificado no Facebook e Instagram, seguindo as pisadas de Elon Musk no X (antigo Twitter).

As medidas foram inesperadas, mas só para alguns. Dias depois, o mundo veria Zuckerberg entre outros "broligarcas" (ou em inglês "broligarch", expressão cada vez mais usada para descrever os bilionários da tecnologia) na fila da frente da cerimónia de tomada de posse de Donald Trump, depois de meses de aproximação ao Presidente dos EUA.


Mas podem estas (e outras) mudanças aplicar-se num espaço como o da União Europeia? Ou poderá a União Europeia (UE) fazer frente às várias viragens e inversões de marcha sobre desinformação, discurso de ódio e diversidade que têm acontecido nas várias redes sociais?

A resposta curta: é pouco provável que o Facebook, o Instagram e o Threads fiquem muito diferentes do que estão agora. Afinal, é para um cenário deste género que a UE se tem vindo a preparar.

A resposta comprida passa por perceber que a UE também é otimista e que os regulamentos europeus demoram anos a ser implementados.

Para responder como deve ser, este texto parte-se em sete perguntas, clique se quiser avançar.

Há um novo xerife neste "faroeste" digital?

📝 Algum destes regulamentos funciona contra as novas mudanças na Meta?

📌 Mas estes regulamentos são aplicadas a quem? E porquê?

Isso quer dizer que vamos sentir mudanças imediatas?

👉 Mas o que muda em concreto?

🚫 Os regulamentos estão a ter algum tipo de consequência legal para quem não os cumpre?

💼 E como é que Portugal está a adaptar estes quatro regulamentos?



Há um xerife neste "faroeste" digital?

A União Europeia passou os últimos seis anos a vestir a armadura da regulação digital para evitar que os gigantes tecnológicos tornassem a internet num "faroeste" em que milhares de conteúdos considerados ilegais de todos os tipos circulem sem restrições.

Como é que a UE pretende ser o xerife deste faroeste digital? Esta armadura tem a forma de quatro regulamentos: Serviços Digitais (Digital Services Act), Mercados Digitais (Digital Markets Act), Inteligência Artificial (Artificial Intelligence Act) e Liberdade dos Meios de Comunicação Social (European Media Freedom Act).


Estes quatro documentos configuram a “nova constituição tecnológica e digital”, adianta a professora e constitucionalista Raquel Brízida Castro. É a primeira vez, acrescenta, que a UE tenta legislar sobre “áreas tão sensíveis, em que pode haver conflitos com as Constituições e com as próprias tradições constitucionais dos Estados-membros".

Da mesma maneira que o ciberespaço excede fronteiras físicas, também os regulamentos excedem enquadramentos legais próprios dos países. Afinal, cada uma das dezenas de milhares de empresas que funcionam de e para a UE está sediada num país diferente - e com leis próprias -, enquanto os seus produtos e conteúdos podem chegar a qualquer parte do mundo, onde as leis iniciais podem não se aplicar.

Ou seja, enquanto a economia é regulada, a economia digital nem tanto.

Como cada cidadão existe no seu país e na web ao mesmo tempo, a UE perguntou: é possível regular o ecossistema digital sem fronteiras para que os mercados, os serviços, as notícias e a inteligência artificial garantam os direitos fundamentais dos cidadãos europeus?

“Durante muito tempo, as gigantes da tecnologia beneficiaram da ausência de regulação. O mundo digital transformou-se num faroeste, com as maiores e mais fortes a ditar as regras. Mas há um novo xerife na cidade”, afirmou Christel Schaldemose, eurodeputada dinamarquesa que lidera a implementação do Regulamento dos Serviços Digitais, um dos quatro regulamentos.

A UE tem sido “muito otimista” sobre a aplicação das leis a estes ecossistemas muito voláteis que tendem a evoluir muito rápido, considera Luís Cabral, professor na Universidade de Nova Iorque e especialista no Regulamento dos Mercados Digitais. A União Europeia tem tentado “manter um certo diálogo com as plataformas” para “prevenir possíveis abusos de poder de mercado e dano ao consumidor” antes que aconteçam.

Mas este modus operandi está a chocar com as plataformas e, principalmente, com alguns dos bilionários que as detêm.


Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezzos (Amazon), Sundar Pichai (Google), Elon Musk (X, Telsa) na tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos. Foto: Saul Loeb/Reuters
Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezzos (Amazon), Sundar Pichai (Google), Elon Musk (X, Telsa) na tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos. Foto: Saul Loeb/Reuters

Estes quatro regulamentos digitais vieram, segundo a UE, “retomar o controlo das tecnológicas”, sem ferir o direito à opinião e à liberdade de expressão. E este ponto é dos que motiva mais críticas, tanto de Elon Musk, dono do X, como de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, que atiram acusações de censura e de repressão da inovação à UE. Na origem das críticas estão as várias diferenças na regulação entre a União Europeia e os Estados Unidos da América.

Por exemplo, “na União Europeia, os reguladores têm poder e os regulados podem recorrer ao tribunal”, enquanto, nos EUA, o sistema funciona exatamente ao contrário: os reguladores têm menos poder e, se quiserem regular as grandes plataformas têm de recorrer ao tribunal”, lembra Luís Cabral.


Face às críticas que acusam a UE de impor um excesso de regulação e, em consequência, de atrasar a inovação tecnológica, Iakovina Kindylidi, advogada especialista no Regulamento da Inteligência Artificial, está otimista.

“Isto é o caminho certo. É melhor ter um regulamento que não é perfeitinho do que não ter regulamento nenhum.”

Algum destes regulamentos funciona contra as novas mudanças na Meta?

Em relação às mudanças na Meta nos Estados Unidos, que têm sido tão discutidas no início deste ano, o Regulamento dos Serviços Digitais (RSD) é aquele que está em causa, se as novas políticas se estenderem à UE, porque abarca muitas questões do foro político e democrático.

Como é que, por exemplo, ‘fake news’ e desinformação, disseminadas livremente numa plataforma com milhões de utilizadores, podem impactar a vida política de um país? E que papel têm estas plataformas na saúde mental das pessoas ou, até, nos seus direitos humanos?


O RSD estabelece que cada utilizador – ou encarregado, caso este seja menor – passe a ter um maior controlo sobre o conteúdo que consome online, ao mesmo tempo que as plataformas são responsabilizadas pelo conteúdo que publicam ou permitem publicar.

Ou seja, estas grandes plataformas têm de garantir que todos os conteúdos - as publicações, notícias, vídeos - que circulam na sua rede respeitam este regulamento.

É neste ponto que Raquel Brízida Castro, constitucionalista, acredita estar a grande falha do Regulamento dos Serviços Digitais: “Aquilo que a União Europeia quer é que sejam as próprias plataformas a fazer esse controlo de conteúdos perigosos e ilegais e a removê-los ou suspendê-los.” Ou seja, "o Estado deixa de ser o regulador e passa a contar com a atuação de privados”, sejam eles as grandes plataformas ou as entidades verificadas de fact-check.

“Aquilo que a União Europeia quer é que sejam as próprias plataformas a fazer esse controlo de conteúdos perigosos e ilegais e a removê-los ou suspendê-los.”

Para Raquel Brízida Castro, as plataformas digitais e os gigantes tecnológicos não podem ser responsáveis pela moderação de um conteúdo, porque não obedecem a um quadro legal. “A regulação de conteúdos no nosso ordenamento só pode ser feita por uma autoridade administrativa independente”, explica.


Este problema da responsabilização da regulação, continua a constitucionalista, estende-se ao Regulamento Europeu da Liberdade dos Media. Agora, meios de comunicação verificados podem ver eliminados, no espaço de 24 horas, conteúdos noticiosos por serem reportados como falaciosos, violentos ou ilegais.

A Constituição portuguesa estabelece que os cidadãos têm o total direito de expressão, de resposta e de retificação, nos casos em que esse direito seja posto em causa. Mas, segundo a constitucionalista, os regulamentos dos Serviços Digitais e da Liberdade dos Media põem em causa este direito de resposta. Isto quer dizer que suspender ou eliminar um conteúdo sem dar oportunidade aos cibernautas ou meios de comunicação portugueses de apelar ou de se defender vai contra a Constituição, mesmo que, no geral, respeite a lei europeia.

Acontece que as redes sociais não são, como Elon Musk e Mark Zuckerberg gostam de reforçar, órgãos de informação e não se regem pelas mesmas obrigações legais nem pela mesma deontologia.

Susana Salgado, investigadora especialista em populismo, desinformação e teorias da conspiração, explica que estas plataformas “têm algoritmos que favorecem conteúdos divisivos, partidários versus os conteúdos verificados de órgãos de informação”, o que contraria os esforços, internos e externos, para reforçar a moderação e a verificação.


Constituição Tecnológica e Digital da UE. Gigantes tecnológicos. Imagem: Salomé Esteves/RR
 

Apesar de todas as críticas que têm tecido à União Europeia, Musk e Zuckerberg assinaram, em nome das suas plataformas, o novo código de conduta contra o discurso de ódio que a União Europeia redigiu no âmbito do Regulamento dos Serviços Digitais no final de janeiro deste ano. A Meta e o X comprometem-se, voluntariamente - a par do Google, do LinkedIn, do Snapchat, entre outas plataformas -, a reforçar e agilizar a moderação de conteúdo notificado como discurso de ódio.

Mas estes regulamentos são aplicadas a quem? E porquê?

Cada um dos quatro regulamentos (Serviços Digitais, Mercados Digitais, Inteligência Artificial e Liberdade dos Media) é dirigido a um conjunto específico de entidades e organizações influentes.

Os principais afetados pelo Regulamento dos Serviços Digitais são os chamados 'gatekeepers' (guardiões) da internet, ou seja, os seis gigantes tecnológicos: a Alphabet (detentora da Google); a Amazon; a Apple; a ByteDance (que detém, até ver, o TikTok); a Meta (que abarca Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp); e a Microsoft.

Estas grandes empresas detêm muitas das plataformas também abrangidas pelo Regulamento dos Mercados Digitais, que tem como alvo 19 plataformas online de grande dimensão utilizadas por mais de 45 milhões de consumidores na UE – podem ser mercados, lojas de aplicações, plataformas de vídeo ou motores de busca. O conjunto inclui Facebook, Instagram, LinkedIn, Pinterest, Youtube e várias aplicações da Google.


Redes sociais - Tiktok, Instagram, Whatsapp. Foto: Erik S. Lesser/EPA
Redes sociais - Tiktok, Instagram, Whatsapp. Foto: Erik S. Lesser/EPA

O Regulamento da Inteligência Artificial dirige-se a indivíduos e empresas, sem especificar uma lista de destinatários. Iakovina Kindylidi, advogada especialista no AI Act, esclarece que este regulamento informa e é informado pelo Regulamento dos Serviços Digitais - que já descrevemos - e pelos regulamentos dos Dados (Data Act), de 2023, da Governância dos Dados (Data Governance Act), de 2022, e pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), de 2016.

Além de se debruçar sobre partilha de dados pessoais e não pessoais para a realização de modelos de inteligência artificial, este novo regulamento também se foca na cibersegurança e na propriedade intelectual. Este último ponto, sobre direitos de autor, é central na discussão da IA generativa – que constrói texto, imagens, vídeo ou áudio através de milhares de conteúdos já produzidos por artistas e disseminados na Internet.

Por último, o Regulamento Europeu da Liberdade dos Media veio tentar regular a atividade de órgãos de comunicação social, públicos e privados, sediados em todos os Estados-membros e a sua relação com as grandes plataformas – que os regulamentos dos Serviços Digitais e dos Mercados Digitais abrangem.

Iakovina Kindylidi, que está a participar na escrita de um código de conduta no Gabinete Europeu de IA na sequência do Regulamento da IA, vê esta nova “constituição digital” como um diálogo entre especialistas, autoridades nacionais e europeias e cidadãos. E, apesar de “claramente” faltarem certos detalhes, “podemos tapar esses buracos com colaboração e literacia digital”, especialmente em países como Portugal e Grécia, em que “a população é mais envelhecida e rural”.

Isso quer dizer que vamos sentir mudanças imediatas?

Não forçosamente e há consequências que ainda não podemos prever. Apesar de algumas alterações já se terem vindo a notar, o grosso das consequências ainda está para vir.

Em cada um destes regulamentos, há uma longa cronologia para as entidades e os Estados-membros fazerem aplicar um conjunto de medidas. Depois de anos de trabalhos e de negociações, todas os regulamentos estão em vigor – ou, como quem diz, os Estados-membros, as plataformas e as empresas têm agora tempo para os implementar. Na prática, muitas das medidas poderão só ser efetivamente aplicadas, como é o caso do AI Act, a partir de 2026.

Luís Cabral, professor na Universidade de Nova Iorque e especialista no Regulamento dos Mercados Digitais, garante que muitas das consequências destes regulamentos – que deverão ficar mais claras nos próximos cinco anos – são indiretas e estão deliberadamente escondidas para o utilizador por plataformas que não lhe custam dinheiro.

“Qual é o problema se o Facebook não cobra nada? Se a Google não cobra nada? Mas indiretamente, estão a cobrar, e quem paga é o consumidor”

Da mesma maneira que o mercado tradicional funciona à custa da troca de bens e serviços por dinheiro, nestas plataformas, empresas com dinheiro podem comprar cliques, impressões, exclusividade, e, sobretudo (e pela calada), os dados dos utilizadores.

Trocando por miúdos, então, as pessoas podem esperar “maior escolha nos serviços digitais que têm ou tê-los em melhores condições”, explica Luís Cabral.

Mas o que muda em concreto?

Cada um destes quatro regulamentos abrange um serviço ou conjunto de serviços diferente e as condições em que estes chegam aos utilizadores e há situações em que os documentos se sobrepõem.

Como estes documentos se estendem por centenas de páginas, a Renascença resume – bastante - as principais consequências para o utilizador:

- No Regulamento dos Serviços Digitais, a grande bandeira é a moderação do conteúdo e a proteção dos utilizadores. Notícias falsas, imagens violentas, conteúdos de cariz sexual, linguagem discriminatória, entre outros, têm de ser, por lei, moderados, suspensos ou eliminados, dependendo da gravidade.

É precisamente este tipo de conteúdo - e a linguagem usada nas conversas sobre temas delicados – que, depois das alterações de Mark Zuckerberg nas políticas da Meta, serão menos moderados e menos verificados nos Estados Unidos. O que, caso seja possível executar o RSD, não passará na União Europeia.

Todas as medidas abrangidas pelo Regulamento dos Serviços Digitais são agravadas quando se trata de conteúdo para crianças: a publicidade a menores passa a ser proibida e todo o conteúdo de cariz sexual ou violento será bastante mais controlado.

- Já o Regulamento dos Mercados Digitais quer, sobretudo, acabar com monopólios de sistemas operativos e de aplicações e com o abuso do mercado por parte de grandes plataformas. Um exemplo muito simples: será totalmente legal instalar um sistema operativo Windows num MacBook – e vice-versa – e descarregar aplicações de outros serviços para qualquer equipamento da Apple.


Constituição Tecnológica e Digital da UE. Princípio da interoperalidade. Imagem: Salomé Esteves/RR
 

Este regulamento também protege os cidadãos contra o uso indevido dos seus dados para publicidade, em especial a partir de terceiros, numa extensão do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD).

- Num mundo em que quase todos os serviços e plataformas são baseadas em algoritmos ou em modelos de inteligência artificial, da saúde à segurança, a mera proteção de dados que a UE já tinha em vigor não era suficiente. Com o Regulamento da Inteligência Artificial, o uso de dados sensíveis e o uso de reconhecimento facial em locais públicos passam a ser proibidos. Do lado do utilizador, ficará mais óbvio perceber quando se está a interagir com um produto criado com inteligência artificial – um ‘deep fake’, por exemplo -, porque as plataformas são obrigadas a etiquetar estes conteúdos.


- Por fim, o Regulamento Europeu para a Liberdade dos Media quer mais responsabilização, independência e transparência nos órgãos de informação dos 27 estados-membros. Neste sentido, o documento vai tentar regularizar – ainda que com as limitações de que já falamos - a interferência do Estado e das grandes plataformas na disseminação de notícias online.

Os regulamentos estão a ter algum tipo de consequência legal para quem não os cumpre?

O grande objetivo destes regulamentos e de outros regulamentos e diretivas que os alimentam é a criação de ambientes e processos digitais que protegem os utilizadores no espaço europeu. Por isso, a UE estabelece que as plataformas têm de ser responsabilizadas quando não cumprem a lei.

Ao longo dos anos, o X, a Meta, a Apple, a Google, o TikTok, a Amazon e a Microsoft foram multadas, cumulativamente, em milhares de milhões de euros por desrespeitarem várias leis europeias.


Iakovina Kindylidi, especialista em inteligência artificial, diz que a aplicação destas leis “tem um impacto e tem um custo que está sempre ligado com a ‘compliance’ de novos regulamentos”. Mas que “também apresenta uma oportunidade grande para pequenas empresas e startups” que podem, desde muito cedo, abarcar estas novas diretrizes e “assegurar a confiança no mercado” com produtos mais robustos. Em relação à IA em particular, lembra que há uma importância acrescida porque é um dos grandes tópicos da atualidade e “todas as pessoas têm uma opinião”.

Recentemente, a UE lançou as primeiras investigações sobre possíveis violações dos regulamentos dos Serviços Digitais e dos Mercados Digitais. Mas a Comissão não está a investigar nenhuma entidade por violação do Regulamento da Inteligência Artificial e do Regulamento da Liberdade dos Media.

A primeira grande investigação formal sobre o cumprimento do Regulamento dos Serviços Digitais, envolve o X de Elon Musk e começou a 3 de novembro de 2023. Em causa estavam, lê-se num comunicado da Comissão Europeia, “áreas de gestão de risco, moderação de conteúdo, padrões de design enganadores, transparência sobre publicidade e acesso de dados para investigação”.


No início de 2025, depois de Mark Zuckerberg alterar as políticas da Meta e Elon Musk mostrar apoio pelo partido alemão de extrema-direita AfD (Alternative für Deutschland), a UE comprometeu-se a acelerar esta investigação. Caso se prove que o X infringiu o novo regulamento, a União Europeia vai aplicar uma sanção correspondente à gravidade da infração.

Três dos quatro regulamentos – os regulamentos dos Serviços Digitais, dos Mercados Digitais e da Inteligência Artificial – têm um plano para sancionar plataformas e ‘gatekeepers’. Estas penalizações podem ser parte do rendimento anual destas empresas – no máximo 10% – ou, nos casos mais graves, a suspensão temporária da plataforma ou serviço, sempre depois de ordenada por um órgão judicial.

Em qualquer caso nenhuma multa ou suspensão é aplicada sem uma investigação.

Para o Regulamento Europeu da Liberdade dos Media, a Comissão Europeia não definiu sanções, que deverão ser introduzidas por cada Estado-membro.

E como é que Portugal está a adaptar estes quatro regulamentos?

Em cada um dos 27 países da UE tem sempre de “haver uma lei de execução desse regulamento”. Este processo, esclarece a professora e constitucionalista Raquel Brízida Castro, “implica a atuação de várias entidades reguladoras”.

O Regulamento dos Serviços Digitais é o que tem uma aplicação mais robusta, já que é o único que, até ao momento, levou ao desenho de um projeto-lei discutido na Assembleia da República.

Em Portugal a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) - nomeadas pelo Governo dois dias antes do prazo - serão responsáveis por coordenar a execução do Regulamento dos Serviços Digitais, que, no total, envolve 32 entidades, entre as quais se encontra a Entidade Reguladora da Comunicação (ERC).

A lei que assegura a execução do Regulamento dos Serviços Digitais foi aprovada na generalidade na Assembleia da República a 12 de dezembro do ano passado, confirma o Ministério das Infraestruturas e Habitação à Renascença. Depois da aprovação, a lei baixou à Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, onde está a ser discutida na especialidade.

Já a aplicação do Regulamento dos Mercados Digitais, cujo processo é mais simples para os Estados-membros - por estar focado nas empresas a que se dirige - a Autoridade da Concorrência (AdC) é a entidade designada.

Relativamente ao Regulamento da Inteligência Artificial, o Ministério da Juventude e Modernização definiu 14 entidades portuguesas responsáveis por supervisionar a execução da lei. Neste conjunto, incluem-se, outra vez, a ANACOM e a ERC, mas também a Polícia Judiciária (PJ), A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) ou a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

Este regulamento será, ainda, monitorizado pelo Gabinete Europeu de IA, que junta 140 especialistas nas áreas de aplicação da Inteligência Artificial.

Na mesma veia, a implementação do Regulamento Europeu para a Liberdade dos Media em toda a União Europeia vai ser feita pelo novo Conselho Europeu dos Serviços de Media (EBMS). Este grupo será liderado por Susanne Lackner, do KommAustria, Jan-Olof Lind do Swedish Agency for the Media e por Helena Sousa, presidente da ERC.

Centenas de entidades, governos e especialistas estão a trabalhar, nos 27 Estados-membros da União Europeia para regular a atuação das grandes empresas tecnológicas e por ordem no faroeste digital. Se esta nova constituição tecnológica e digital é eficaz, só os próximos anos dirão.


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