Invasões, incursões e contraofensivas. Os mapas de três anos de guerra na Ucrânia

A Ucrânia e a Rússia entram no quarto ano de uma invasão preparada para durar 10 dias. Entre negociações de paz, fazem-se contas a centenas de milhares de mortos - militares e civis - e mais de seis milhões de refugiados. A Renascença mostra-lhe os mapas que contam três anos de história.

24 fev, 2025 - 00:02 • Salomé Esteves



Ilustração: Salomé Esteves/RR
Ilustração: Salomé Esteves/RR

A 24 de fevereiro de 2022, o exército russo entrou pela Ucrânia. Uma chuva de mísseis atingiu as regiões a este, ergueram-se cercos nas grandes cidades — incluindo Kiev — e milhões fugiram das suas casas. Mas Zelensky prometeu resistir à invasão.

Na altura, Putin falava de uma "operação militar especial", enquanto o exército se preparou com munições suficientes para 10 dias. O objetivo era assumir o controlo administrativo da Ucrânia rapidamente — além dos territórios anexados em 2014.

Apesar das críticas vindas do ocidente, e das sanções aplicadas a Moscovo, não foi possível evitar que uma guerra voltasse a eclodir na Europa.

Três anos depois, a Ucrânia resiste às portas da União Europeia e da NATO, Donald Trump espalha desinformação sobre a guerra e cada vez mais russos acreditam que é tempo para negociar a paz — apesar de a vasta maioria continuar a acreditar na "operação militar" que Putin vendeu ao país.

Antes da invasão mais recente, a Rússia mantinha o domínio da Crimeia e da área entre Donetsk e Lugansk desde 2014. Na altura, a Rússia sofreu sanções internacionais, ao passo que 2500 cidadãos ucranianos morreram.


Memorial a soldados e voluntários mortos durante a guerra na Ucrânia, na Praça da Independência, em Kiev, capital da Ucrânia. Foto: Sergey Dolzhenko/EPA
Memorial a soldados e voluntários mortos durante a guerra na Ucrânia, na Praça da Independência, em Kiev, capital da Ucrânia. Foto: Sergey Dolzhenko/EPA

Entre a espada e Kursk

Apesar de a retórica de Volodymyr Zelensky ter sempre sido que a Ucrânia nunca abdicaria de nenhuma parte do seu território, nos anos seguintes, parecia pouco provável que o país voltasse a ser soberano dessas duas regiões. Afinal, Vladimir Putin acredita que "os russos e os ucranianos são um povo só", como escreveu em julho de 2021, e a sua visão para uma Rússia que estende para lá das fronteiras designadas com o fim da União Soviética é conhecida.

"Estou confiante de que a verdadeira soberania da Ucrânia só é possível em parceria com a Rússia", afirmou Putin.

Mas os avanços das forças ucranianas sobre a região russa de Kursk deram à Ucrânia uma alternativa: Zelensky admitiu trocar os territórios que o exército ucraniano controla nesta zona da Rússia pelas regiões que Moscovo ocupa na Ucrânia, como o Donbass, sem especificar quais.

"Todos os nossos territórios são importantes, não há prioridade", sublinhou Zelensky.

Os dados geográficos fornecidos à Renascença pelo Instituto para o Estado da Guerra, no âmbito do Projeto das Ameaças Críticas (Institute for the Study of War and AEI's Critical Threats Project), mostram que o território ucraniano que permanece sob a soberania da Ucrânia encolheu, ao mesmo tempo que a Rússia estendeu o seu controlo sobre o sudoeste do país.


Em 2014, a Rússia assumiu o domínio da península da Crimeia e, mais a norte, da área entre Donetsk e Luhansk . Neste momento, Moscovo controla, também, grande parte do sudoeste da Ucrânia. Apesar disso, a Ucrânia conseguiu estender a sua contraofensiva no norte, perto da região russa de Kursk, e mesmo dentro da área ocupada pela Rússia, em Melitopol.

A 20 de fevereiro o coronel-general russo Sergei Rudskoi afirmou que a Rússia tinha recuperado cerca de dois terços da região de Kursk que a Ucrânia tomou na incursão do ano passado. Segundo a Reuters, Rudskoi acrescentou que a Rússia controla 75% das regiões de Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson, e 99% da região de Lugansk. Todas as regiões, ameaçou o coronel-general, estão legalmente integradas na Rússia e não serão devolvidas à Ucrânia.

Explore o mapa abaixo para perceber a evolução cronológica da ocupação russa da Ucrânia nos primeiros meses depois da invasão.


Mais do que território

Nas duas semanas que seguiram a invasão, cerca de dois milhões de ucranianos procuraram refúgio nos países contíguos à Ucrânia. Na primeira semana de março, 59% destas pessoas estavam temporariamente na Polónia, de acordo com números da agência Reuters, mas estava previsto que apenas 40% acabasse por se fixar no país.

A Polónia, que faz fronteira com a Ucrânia, é de longe o país mais procurado por refugiados ucranianos e também o que mais pessoas acolheu. Desde fevereiro de 2022, o Governo polaco recebeu mais de 1,9 milhões de pedidos de asilo.

Desde então, são 6.346.300 os ucranianos que se espalharam pela Europa, revela a base de dados consolidada pelas Nações Unidas. No final de 2024, Portugal acolhia 65.765 refugiados.

A 4 de março de 2022, os Estados-membros da União Europeia concordaram em expandir a proteção temporária para pessoas a fugir da Ucrânia por três anos. Essa data estaria próxima, não fosse a renovação do acordo por mais um ano, em junho de 2024. Contudo, vários países da UE, incluindo a Hungria, a Noruega, a Chéquia e a Polónia tornaram-se relutantes em receber mais refugiados e continuar a acolher os que chegaram entretanto.

Com o fim da proteção destes refugiados, cada um será obrigado a requerer visto ou permissão de residência ao país onde esteve durante os quatro anos ou para onde se quiser deslocar. Ou seja, o fim da proteção obriga estes refugiados a passar por processos administrativos semelhantes aos dos imigrantes.


Entre 24 de fevereiro de 2022 e 14 de fevereiro de 2025 — data da última atualização dos dados da Armed Conflict Location & Event Data (ACLED) — a guerra na Ucrânia provocou a morte a mais de 153 mil pessoas no território. Dois dias depois, lê-se no jornal digital Kyiv Independent, Volodymyr Zelensky divulgou que, desse total, mais de 46 mil eram soldados. Além dos que perderam a vida, outros 380 mil terão sido feridos em combate. O número total de desaparecidos é desconhecido, mas o Presidente ucraniano revelou, em entrevista ao canal americano NBC, que serão "dezenas de milhares".


Volodymyr Zelensky e o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis prestam homenagem a vítimas de ataque em Odessa, em março de 2024 Foto: Presidência da Ucrânia/EPA
Volodymyr Zelensky e o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis prestam homenagem a vítimas de ataque em Odessa, em março de 2024 Foto: Presidência da Ucrânia/EPA

Os números da ACLED não fazem a distinção entre mortes de soldados e de civis. Mas diferem bastante dos que constam no relatório das Nações Unidas de dezembro de 2024: o documento estima que, desde a invasão, mais de 12 mil civis foram mortos, sendo que mais de oito mil perderam a vida em 2022. Apesar da queda em número absoluto de mortes em 2023 e, depois, em 2024, o mesmo documento aponta que aumentaram as mortes resultantes de bombas aéreas e armas de longo-alcance.

Acontece que as Nações Unidas, explica o Kyiv Independent, não conseguem contabilizar as mortes que acontecem em solo ucraniano ocupado por forças russas — o que justifica a discrepância entre os números. Além disso, os dados das Nações Unidos passam por um processo de verificação prolongado, enquanto os números da ACLED são atualizados diariamente. Ou seja, metodologias diferentes resultam em dados diferentes durante conflitos que estão a decorrer.

O relatório das Nações Unidas também explica que a vasta maioria das mortes aconteceram nas áreas ocupadas pela Rússia, na fronteira destes territórios ou nas regiões em que a Ucrânia está a apostar numa contra-ofensiva. Mas, ao longo do tempo — e como se vê no mapa — ações militares russas provocaram mortes por toda a Ucrânia.


Do lado russo, Moscovo não divulga números de mortes, feridos e capturas, seja de militares ou civis. Contudo, lê-se no Kyiv Independent, a Ucrânia estima que, no total, até 20 de fevereiro, a Rússia terá perdido cerca de 863 mil soldados desde que invadiu o país vizinho, há três anos. A única pista que existe sobre estes números são os cerca de 48 mil pedidos de identificação de soldados desaparecidos, recebidos pelo Ministério da Defesa russo.

De acordo com uma investigação do Finantial Times, do final do ano passado, a Rússia terá recrutado soldados estrangeiros para fortalecer as tropas nos combates contra a Ucrânia. Segundo o jornal britânico, Moscovo terá recrutado mercenários do Iémen sob a promessa de altos salários e cidadania russa, apenas para os enviar para a linha da frente ucraniana, juntamente com migrantes e outros soldados estrangeiros, de países como o Nepal, a Somália, a Índia e Cuba.

Além disso, revelou o The New York Times, em novembro de 2024 a Coreia do Norte enviou perto de 10 mil soldados para integrarem o exército russo — com direito a equipamento, uniformes e armamento — no combate na zona ucraniana de Kursk. A Rússia terá, também, treinado os soldados norte-coreanos em artilharia, táticas básicas de infantaria e limpeza de trincheiras.

Mas o treino de soldados não foi sempre uma prioridade para o exército russo. De acordo com o RUSI (Royal United Services Institute), as forças russas demonstravam ser "altamente desorganizadas", acabando por estabelecer regimentos de treino no verão de 2023. No final de 2024, cerca de 470 mil soldados do exército russo estavam destacados em territórios ocupados na Ucrânia.


Volodymy Zelensky encontra-se com JD Vance à margem da Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro de 2025. Foto: Presidência da Ucrânia/EPA
Volodymy Zelensky encontra-se com JD Vance à margem da Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro de 2025. Foto: Presidência da Ucrânia/EPA

David, Golias e os aliados internacionais

Apesar do fortalecimento e do crescimento do exército da Rússia, as perdas são sucessivamente superiores às ucranianas, tanto em vítimas militares, como em armamento. Investigadores da organização acrescentam que, dado o fornecimento de armamento mais poderoso e de treino à Ucrânia por vários parceiros, a vítória russa só "é plausível se os parceiros internacionais da Ucrânia não conseguirem dotar as Forças Armadas ucranianas de recursos adequados".

Acontece que as discussões de paz recentes, que envolveram Vladimir Putin e Donald Trump na Arábia Saudita, levaram Voodymyr Zelensky a afirmar, em entrevista ao The Guardian, que a Europa, por si só, não é capaz de garantir a segurança da Ucrânia, sem os Estados Unidos.

“Há vozes que dizem que a Europa poderia oferecer garantias de segurança sem os americanos, e eu digo sempre que não", sublinhou o presidente ucraniano.


Artigos Relacionados