Francisca e Maria Monteiro. Quando o regresso é difícil
Depois de uma grande ausência de um trabalho vem sempre uma maratona. Os ritmos não são os mesmos e as tarefas mudaram, entretanto. Para as mães que regressam, o equilíbrio entre as responsabilidades no trabalho e o tempo com os filhos trazem um sentimento em comum: culpa.
Francisca e Maria Monteiro, ambas com nome fictício, têm histórias semelhantes. As licenças de maternidade correram dentro do normal, mas, depois, há promoções que não chegam e horas do banho e do jantar em que se querem presentes.
Antes de engravidar, os últimos cinco anos da vida de Maria Monteiro eram recheados de avaliações excelentes e promoções verticais. Durante esse tempo, casou-se e tudo continuou a correr bem.
Com a gravidez, a executiva de marketing de vendas sabia que, no mínimo, estaria entre seis e oito meses ausente. Para prevenir que o trabalho ficasse por fazer na sua ausência e para evitar ser prejudicada na avaliação, trabalhou até às 35 semanas, altura “em que já estava exausta”.
Quando regressou, depois do nascimento da bebé, “disseram logo: ‘é muito difícil avaliar quem foi de licença”. O sistema de quotas da avaliação, clarifica, não tinha em conta o excesso de trabalho que tinha feito na preparação da licença. “Apesar de ter feito mais do que era expectável para a minha função, porque fui mãe e estive de licença, não me podiam dar a avaliação melhor, que era o que eu tinha sempre [...] e deixei de ter potencial de promoção”, lamenta.
O que é incompreensível para Maria Monteiro, é que as empresas parecem não perceber que “uma mãe é mesmo um perfil muito válido”.
“Não tens tempo ilimitado no trabalho, por isso, focas-te muito mais”
Para a jovem mãe, há um paradoxo muito claro entre a progressão na carreira e a maternidade: “a promoção vem sempre com alguma coisa atrás. Perdes tempo com o teu filho”. À Renascença, lembra uma conversa que teve, uma vez, com uma amiga na mesma situação, que a levou a perceber: “ninguém se vai lembrar se eu dei mais uma hora no trabalho, mas a minha filha vai”.
Enquanto o marido aceitou um novo trabalho quando a bebé nasceu, para assegurar melhor rendimento para a família, Maria Monteiro lamenta que, para as mães, a realidade seja diferente: “tens um prazo para apostar na tua carreira”.
Numa gestão familiar em que nem sempre os horários se coordenam e Maria Monteiro não tem “ajuda de manhã ou em parte da noite”, para o casal há “sempre este duelo” entre a família e o trabalho. E, no fim do dia, o que resta é a culpa: “estás sempre a culpabilizar-te", ora porque sobram tarefas pendentes no escritório, ora porque passou menos uma hora em casa.
Francisca, nome fictício, é advogada e, apesar de o emprego ser muito diferente do de Maria Monteiro, a dualidade entre querer progredir na carreira e insistir em estar presente para os filhos é em tudo semelhante.
Depois de passar por duas licenças de maternidade no mesmo escritório de advogados, Francisca notou que, ao regressar, “os assuntos estavam todos redistribuídos” e chegou a considerar que “estava com pouco trabalho”.
Apesar de não ter a disponibilidade que outros colegas (sem filhos) têm para prolongar o dia de trabalho, Francisca gostava de ter as mesmas responsabilidades que tinha antes de ser mãe. “Quero trabalhar e quero acompanhar os assuntos que sempre acompanhei, mesmo com menos disponibilidade de horário”, mas “enquanto eu saio às sete, eles [quem não tem filhos] conseguem ficar até às oito ou nove”.
No entanto, essa é uma cedência que Francisca não faz: “eu quero estar presente no momento do jantar e do banho dos meus filhos. Não quero ser essa mãe ausente que nem sequer ao final do dia está em casa. Já me chega estar fora o dia inteiro”.
"Não quero ser essa mãe ausente que nem sequer ao final do dia está em casa. Já me chega estar fora o dia inteiro."
Como outras advogadas e trabalhadoras independentes, Francisca não teve direito à licença de maternidade tradicional. No caso de advogadas e juristas, o período que equivale à licença de maternidade é estabelecido por cada escritório e pode variar – ou nem existir.
As trabalhadoras independentes que não são advogadas podem aceder ao subsídio parental da Segurança Social, mas apenas em situações específicas. Podem pedir este apoio as mulheres inscritas no Registo Profissional dos Profissionais da área da Cultura, as que contribuírem com o Seguro Social Voluntário — como bolseiras de investigação —, as grávidas que receberem o subsídio de desemprego, invalidez ou sobrevivência e, também, quem esteja em pré-reforma.
Estas trabalhadoras também têm direito ao abono pré-natal e ao abono de família. Mas, como estes são dependentes do rendimento, lembra a jurista Rita Garcia Pereira, os valores atribuídos a trabalhadores independentes serão forçosamente mais baixos.
O que acontece com os advogados é diferente. Como não podem aceder às licenças de maternidade tradicionais, Francisca e o marido, que tem um contrato por conta de outrem, não puderam partilhar a licença de parentalidade. Por ser advogada, Francisca não é abrangida pela medida.
Esta é uma das razões que leva a jurista Rita Garcia Pereira a afirmar que os advogados “estão infra os trabalhadores independentes”. Como não estão abrangidos pela Segurança Social, quando têm filhos têm direito “apenas a um adiamento de prazos”, o que significa, acrescenta, “que têm de continuar a trabalhar”.
A especialista em direito do trabalho diz mesmo que “não podemos falar de grandes direitos de parentalidade para as advogadas”. Afinal, os prazos da justiça não podem ser adaptados à maternidade de uma advogada ou jurista, explicando que “se há um julgamento, o julgamento não vai parar” porque a profissional em causa teve um bebé.
“Não podemos falar de grandes direitos de parentalidade para as advogadas”
Na segunda gravidez, Francisca enfrentou uma situação de risco. Teve de se ausentar do trabalho mais cedo e não pode esperar até à data do parto para iniciar a licença. Como esta dispensa, assim como o horário reduzido para a amamentação, não são direitos de uma advogada grávida ou mãe, Francisca pode ausentar-se porque o escritório o permitiu.
Depois, por se “sentir mal por já ter estado vários meses ausente” e exceder o tempo estabelecido, usufruiu da licença mínima que o seu escritório estabelece — três meses —, em vez de optar por estar em casa mais um mês sem receber. Mas regressar tão cedo, admite, “foi extremamente violento”.
O receio de estar ausente do trabalho e a instabilidade das licenças de maternidade e de parentalidade para trabalhadores independentes foi, aliás, o que levou a advogada a adiar a decisão de expandir a família. Foi apenas quando integrou o atual escritório que avançou com “a decisão de ter filhos, por saber que as condições eram melhores”. Mas também não hesita em confessar: “claro que gostaria de ter sido mãe mais cedo”.
Os primeiros meses de vida da segunda filha, garante, só foram possíveis graças ao apoio familiar, especialmente dos seus pais e sogros.
Hoje, permanece no mesmo escritório. Ainda que as licenças lhe tenham parecido curtas, admite que o seu local de trabalho, ao contrário de outros que conhece, tem bastantes apoios para a trabalhadora que engravide. Mas, em termos de “organização familiar, é impensável ter mais um filho. Não dá”.
Sara. Quando a decisão é adiada
Como Francisca, há outras mulheres que adiam a decisão de ter filhos para priorizar a carreira.
Sara Ferreira é assistente hospitalar no SNS. Aos 33 anos, depois de completar o internato, está no patamar mais baixo na carreira de médica especialista de Endocrinologia no Serviço Nacional de Saúde.
Durante os anos que passou também numa relação longa, entretanto terminada, Sara adiou a decisão de ser mãe para completar o internato.
Recentemente, já numa nova relação, Sara decidiu fazer criopreservação de ovócitos, ou seja, congelar óvulos para ter a garantia de que pode engravidar mais tarde. Por se tratar de uma relação recente, ser mãe não é uma opção neste momento.
A jovem médica fala de uma “cultura” em que muitas mulheres adiam a maternidade pela mesma razão, e que acabam por engravidar “logo, logo a seguir” ao fim do internato, em média nos seis meses seguintes.
“A principal questão em adiar a maternidade e paternidade durante o internato é que temos um currículo para cumprir e apresentar no final e há a perceção de que, se formos mães, não teremos tempo para o fazer. O mesmo não acontece com os homens”, acrescenta.
Apesar de as circunstâncias relacionais também terem impactado este adiamento da maternidade, Sara não deixa de olhar para trás com alguma tristeza: “Se não fosse esta cultura, eu teria sido mãe mais cedo e não teria de passar por isto.”
O tratamento a que se sujeita para preservar a fertilidade é “invasivo”, “muito caro” e “envolve estimulação hormonal”. Além disso, custa, normalmente, por volta dos dois mil euros, mas há quem pague até seis mil.