E há o fator financeiro. “Alunos, por exemplo, das escolas públicas de melhores contextos sociais ou das escolas privadas têm possibilidade de contratar explicadores. Estes meus alunos não têm”.
“Estamos a falar de alunos cuja história de família, e a pessoal, não é muito ligada à academia. Crescem sem livros em casa, sem jornais. Os próprios pais têm uma formação académica muito frágil”, descreve o diretor.
Uma escola que faz ver que “eu mereço mais”
Voltamos ao grupo de alunos que, ao fim da tarde, canta ao pé do campo de jogos. Uma das estudantes é Luísa Eduardo, 17 anos, brasileira. Este é o segundo ano na escola, está no 11.º ano do curso profissional de auxiliar de farmácia e é a presidente da Associação de Estudantes.
Neste agrupamento, o absentismo é “uma dor de cabeça”, dizem os números da escola. No ano passado, no terceiro ciclo, em média, cada aluno teve quase 70 faltas injustificadas.
Luísa Eduardo explica que “muitos alunos não conseguem ir à escola por problemas em casa ou alguns começam a vida no trabalho muito cedo. Estão na escola, mas também trabalham, têm responsabilidade em casa e, querendo ou não, é sempre o elo mais fraco que acaba perdendo”.
O dinheiro é uma questão essencial. “Se um aluno achar que é mais importante receber 400 euros por mês em vez de vir para escola nesse dia, ele vai escolher os 400 euros”.
Luísa não pensa assim. “Quanto mais nos empenharmos na escola, melhor vai ser a nossa vida futuramente. A escola é como se fosse um primeiro trabalho, onde você aprende tudo, conhece tudo, você sabe que tem de lidar com professores, que às vezes a gente não gosta muito ou então aqueles que a gente ama… A mesma coisa com os alunos, alguns com quem nos damos muito bem e outros que se detesta, mas tem de se saber lidar e tem de se estudar, esforçar ao máximo”.
Luísa Eduardo, da associação de estudantes, explica que muitos alunos começam a vida no trabalho muito cedo. "Estão na escola, mas também trabalham, têm responsabilidade em casa e, querendo ou não, é sempre o elo mais fraco que acaba perdendo.”
Os pensamentos sobre o caminho a trilhar não foram incutidos pela família. Os pais estão separados, a mãe vive no Brasil e ninguém foi muito longe nos estudos.
“O meu pai é uma pessoa que, querendo ou não, não foi alfabetizada. Também, querendo ou não, boa parte da minha família, por viver no Brasil, não teve esse estudo, muitos deles quase não terminaram o ensino médio”, descreve.
Foi na escola, a que ficou mais mal colocada nos rankings, que Luísa encontrou quem a orientasse. “Para ser sincera, tem a ver com as pessoas com quem eu convivi nessa escola e que me cobraram muito e realmente entenderam o meu valor e fizeram-me entender que eu mereço mais, que eu posso mais, desde que me esforce para isso”.
A presidente da associação de estudantes gostava que mais alunos seguissem estas orientações, mas não é isso que vê à sua volta.
“Falta um pouco nessa escola, mas não só nessa, mas nos jovens de hoje em dia. Essa coisa de ‘eu não preciso fazer uma faculdade, não preciso de um ensino superior, eu trabalho numa coisa ali’, é esse pensamento que acaba fazendo com que o desempenho dos alunos seja tão baixo”, argumenta a jovem.
O diretor José Lourenço acrescenta outra explicação. Nesta escola, 40% dos alunos são estrangeiros e os restantes 60% são segundas gerações de gentes vindas sobretudo dos países de expressão portuguesa. São sobretudo angolanos, guineenses, cabo-verdianos e, mais recentemente, brasileiros.
“São alunos muito racializados desde muito jovens, crianças com 10 anos que são confrontadas com a cor da pele. Ouvem que não prestam, que vão ser sempre bandidos, vão ser sempre piores estudantes do que os outros e vão ter sempre os piores empregos”, explica, com emoção na voz.
“São confrontados com isso num autocarro, num comboio, num barco, na escola — não na nossa escola, mas quando vão a outros lados. Esse processo é muito doloroso, muito doloroso”, reforça.
“São alunos muito racializados desde muito jovens, crianças com 10 anos que são confrontadas com a cor da pele. Ouvem que não prestam, que vão ser sempre bandidos, vão ser sempre piores estudantes que os outros e vão ter sempre os piores empregos”, explica, com emoção na voz.
Não estão na mesma sala, mas Luísa Eduardo parece estar a ouvir e está de acordo com o que diz o diretor. Diz que “muitos, por terem vindo de comunidades de outros países e coisas desse estilo”, acreditam que “a única coisa que vão fazer é terminar a escola, começar a trabalhar num McDonald's, num Continente, num supermercado da vida e que isso é o suficiente para se sentirem realizados”.
“Colocaram na cabeça deles que estão destinados a tão pouco e pararam de querer cobrar uma coisa a mais a si mesmos, de tentar atingir o seu máximo de potencial”, lamenta.