Força liderada por Portugal é "seguro de vida" para todos os cenários, incluindo a Ucrânia

Pela primeira vez, Portugal lidera uma força multinacional que estará pronta para qualquer terreno, "da paz à guerra total", já a partir de julho. Conta com 1.500 militares para atuar em situações de crise, manutenção de paz ou estabilização e pode mesmo vir a pisar solo ucraniano. Reportagem com a brigada mecanizada do Exército que ultima os treinos em Santa Margarida.

08 abr, 2025 - 06:00 • Reportagem de Liliana Monteiro , Marta Pedreira Mixão (vídeo) , Ricardo Fortunato (vídeo) , Rodrigo Machado (Motion Graphics) , Beatriz Martel Garcia (Sonorização)



Vídeo: Como o Battlegroup se prepara para "qualquer conflito" num raio de 6 mil Km a partir de Bruxelas
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Pela primeira vez, Portugal lidera uma força multinacional que estará pronta para qualquer terreno, "da paz à guerra total", já a partir de julho. Conta com 1.500 militares para atuar em situações de crise, manutenção de paz ou estabilização e pode mesmo vir a pisar solo ucraniano. Reportagem com a brigada mecanizada do Exército que ultima os treinos em Santa Margarida.

Dentro de quatro meses, Portugal estará pronto a ser chamado para uma atuação militar que seja definida pela União Europeia. A partir do dia 1 de julho, terá capacidade de se colocar em qualquer cenário no prazo de 30 dias, para uma missão que deverá ter um limite de quatro meses.

No campo militar de Santa Margarida, em Constância, ouvem-se ao longe disparos. É um dos locais onde decorrem os treinos - primeiro em simuladores, depois no terreno, para se afinar a mestria e o manuseamentos do material. Tudo acontece para lá dos mais de dois quilómetros de reta que ligam a entrada do campo à capela de Santa Margarida, nos terrenos que fazem desta uma das maiores unidades da Europa.


 Primeiro-cabo Inês Martins integra o Battlegroup e sempre sonhou conduzir uma Pandur. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Primeiro-cabo Inês Martins integra o Battlegroup e sempre sonhou conduzir uma Pandur. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR


"Se houver combate, fogos reais, nunca passei por isso, mas nós recebemos treino para essas situações de tiro real”, afirma Inês Martins

A primeiro cabo Inês Martins faz parte do núcleo dos mais novos desta força militar, mas conta já no curriculum com duas missões na Roménia. Perguntamos-lhe se receia ter de ir para a Ucrânia, caso seja dada ordem para essa missão.

Nunca usa a palavra "medo". “Se houver combate, fogos reais, nunca passei por isso, mas nós recebemos treino para essas situações de tiro real”.

Cabelo negro apanhado, estatura baixa e de sorriso fácil, é a menina da Pandur, pela qual se apaixonou à primeira vista. “Assim que vi esta viatura, pensei: 'eu quero conduzir aquilo!'”

Battlegroup preparado para "operações de resposta a crises"

Aos 57 anos, o comandante da brigada mecanizada do Exército, o brigadeiro-general Luís Calmeiro, tem agora em mãos também o treino e preparação deste Battlegroup da União Europeia. Há mais de três décadas nas Forças Armadas, considera que esta é uma missão que prestigia o país e o Exército.


 Entrada do Campo Militar da Brigada Mecanizada, em Constância. Foto: Ricardo Fortunato/RR
Entrada do Campo Militar da Brigada Mecanizada, em Constância. Foto: Ricardo Fortunato/RR

“O grupo está a ser treinado para operações de resposta a crises, sejam elas operações humanitárias ou de manutenção de paz, sempre adaptadas às capacidades e à tipologia de força que deve ser encarada.”

Luís Calmeiro emana tranquilidade e certeza a cada palavra. As forças não são apenas nacionais e não se restringem ao Exército — “tem também componente aérea, naval e de operações especiais, assim como elementos de forças de França, Itália, Roménia e Espanha”.

O grupo tem de estar preparado para cenários muito distintos, porque o raio de amplitude da missão é vasto.

“Está definido que, se tomarmos como referência Bruxelas e fizermos um raio de 6 mil quilómetros, qualquer conflito dentro do raio desta circunferência poderá ser um dos locais de actuação do Battlegroup. Para isso acontecer, terá de haver unanimidade de todos os estados-membros e preferencialmente ter um mandato das Nações Unidas.”


Mapa da possível área de atuação do Battlegroup, num raio de seis mil quilómetros a partir de Bruxelas. Grafismo: Rodrigo Machado/RR
Mapa da possível área de atuação do Battlegroup, num raio de seis mil quilómetros a partir de Bruxelas. Grafismo: Rodrigo Machado/RR

Perguntamos-lhe se a Ucrânia está incluída e, sem nunca mencionar o nome do país, responde: “Basta fazer esse raio e dá para ver onde se pode ir — África, Europa, outras áreas... Inclui também mares e oceanos. E por isso temos a Marinha também incluída.”

Preparados para todos os cenários

O Battlegroup não foi criado para desempenhar missões de força, mas o comandante admite que o grupo está preparado para todos os cenários.

“Isto não invalida que numa operação defensiva não se faça uma ofensiva e é isto que temos de treinar. Se estivermos treinados para alta intensidade conseguimos depois fazer qualquer outra operação que não seja tão exigente, como o simples apoio à populações.”

Todas as hipóteses foram pensadas. “Poderemos ser confrontados com situações biológicas e químicas e temos um pelotão de descontaminação biológica e química. E esperemos que não haja necessidade, mas também temos agrupamento sanitário.”

Luís Calmeiro garante que, em caso de intervenção, seja qual for o cenário, têm tempo para se colocar atempadamente no terreno e rever estratégias.

“Este processo de decisão da União Europeia leva o seu tempo e esse tempo, à medida que a situação é esclarecida, permite irmos trabalhando nos diversos cenários, para que se possa ir afinando o planeamento que é feito à medida do exigido na altura, por forma a que quando é dada a ordem inicial para missão esteja tudo esclarecido, ou seja, onde é para ser empregue, como e com que meios.”


Nada "invalida que numa operação defensiva não se faça uma ofensiva e é isto que temos de treinar", assegura Luís Calmeiro, comandante do EU Battlegroup. Foto: Ricardo Fortunato/RR
Nada "invalida que numa operação defensiva não se faça uma ofensiva e é isto que temos de treinar", assegura Luís Calmeiro, comandante do EU Battlegroup. Foto: Ricardo Fortunato/RR

Forças armadas são "como um seguro de vida"

Este Battlegroup conta com mais de 1500 militares, dos quais 1200 são nacionais (1000 do ramo do Exército) e 500 estrangeiros, das nações aliadas e amigas.

Quando tentamos perceber mais em detalhe para que tipo de intervenções estão prioritariamente os militares a ser treinados - se para neutralizar pessoas ou fazer avanços em território -, o comandante esboça um sorriso contido.

Nós temos de olhar para o Exército e forças armadas como um seguro de vida, temos de o ter e precisamos, mas esperamos que nunca seja necessário. O seguro tem de estar preparado para todo o espectro de operações e isso vai da paz total até à guerra total. Algures no meio entram as operações de resposta a crises, combate de alta intensidade defensiva e ofensiva, entre outras.”


Questionado sobre se já há informações que apontem para uma missão na Ucrânia, o tenente-coronel António Gameiro diz que “há conversações no nível político e possivelmente estratégico, mas não ao nível operacional e tático”. Foto do Regimento de Artilharia: Exército
Questionado sobre se já há informações que apontem para uma missão na Ucrânia, o tenente-coronel António Gameiro diz que “há conversações no nível político e possivelmente estratégico, mas não ao nível operacional e tático”. Foto do Regimento de Artilharia: Exército

Uma das viaturas principais deste Battlegroup é a Pandur 8x8, uma viatura blindada de rodas que garante a mobilidade tática terrestre e confere flexibilidade à força. “O nosso quartel-general pode ser projetado para instalações fixas, mas somos capazes de ser autónomos no meio do nada, baseados também na viatura blindada de lagartas M577 — uma viatura quase com 60 anos de serviço no Exército, mas que, em termos de posto de comando, pode ser perfeitamente atual.”

Um posto de comando chega a ter cerca de 20 veículos, numa missão que tem previstas mais de duas centenas de viaturas para as diferentes posições.

Regressemos à conversa com a primeiro-cabo Inês Martins, condutora de uma Pandur II, que nos aguarda precisamente ao pé de uma desses exemplares.


Pandur II 8x8, a "paixão" da jovem Inês Martins. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Pandur II 8x8, a "paixão" da jovem Inês Martins. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR

Tem 24 anos, é de Viseu e conta que veio para o mundo militar por interesse e pela experiência. Em 2020 candidatou-se ao Exército e foi aí que começou a paixão por esta viatura de guerra.

Já esteve duas vezes em missão na Roménia e é com orgulho que partilha as dificuldades sentidas. “Habituarmo-nos ao terreno exigente e à condução em períodos de neve — o que é raro aqui, mas lá é típico e exige habituação. Foi uma boa oportunidade para testar outras capacidades.”

Inês é responsável pela manutenção e preparação desta viatura com 22 toneladas, para todos os cenários, e pelo transporte dos militares até à linha da frente.

Informações apontam para missão na Ucrânia?

Mesmo ao lado está o tenente-coronel António Gameiro, Estado Maior da força, responsável por coordenar o trabalho, preparar o processo de decisão para o comandante desenhar a tática mais adequada ao momento, garantindo também a execução plena das ordens emitidas.

Explica-nos que, nesta força, está tudo organizado no plano político, estratégico, operacional e tático. Questionado sobre se já há informações que apontem para uma missão na Ucrânia, sublinha que “há conversações no nível político e possivelmente estratégico, mas não ao nível operacional e tático”. Quando a decisão política chegar, assegura, “saberemos onde, como e com que meios o fazer.”

Mas revela que Portugal apresenta vantagens em relação aos aliados. “O Battlegroup alemão tem três mil e tal pessoas, o Polaco duas mil e tal e nós 1.500, mas temos uma vantagem, porque o posto de comando deles vai carregado em camiões e tendas e nós conseguimos um posto de comando com proteção e blindagem dentro das viaturas, em qualquer cenário”.


Portugal tem uma vantagem em relação aos Battlegroups alemão e polaco: "Nós conseguimos um posto de comando com proteção e blindagem dentro das viaturas, em qualquer cenário", garante o tenente-coronel António Gameiro. Foto: Ricardo Fortunato/RR
Portugal tem uma vantagem em relação aos Battlegroups alemão e polaco: "Nós conseguimos um posto de comando com proteção e blindagem dentro das viaturas, em qualquer cenário", garante o tenente-coronel António Gameiro. Foto: Ricardo Fortunato/RR

Está habituado a trabalhar num escritório móvel e isso também se treina por estes dias. O espaço dentro das viaturas é pouco — como a Renascença comprovou no terreno — e é preciso que a relação entre os ocupantes esteja bem oleada. Afinal de contas, podem ter de ficar 120 dias juntos. “Isto é uma família, sou eu e eles, dependemos uns dos outros”.

Algumas viaturas têm climatização, outras ar condicionado, mas António Gameiro lembra que “a rusticidade faz parte da condição militar”.

O tenente-coronel assegura que é um “privilégio e uma honra ser chefe de Estado Maior desta força”, um desafio pessoal e profissional numa experiência que ainda não tinha tido.

O Battlegroup comandando por Portugal pode ser chamado para ser empregue num cenário a partir de 1 julho 2025. Antes dessa data, se for necessária uma força europeia, está em prontidão o Battlegroup polaco e o alemão.

O grupo agora em formação tem idades que vão dos 18 aos 57 anos. “No quartel-general [estão] os que têm mais experiência e no batalhão de atiradores e infantaria mecanizada [está o] pessoal mais jovem, com melhor condição física para serem empregues em missões mais exigentes, do ponto de vista físico, e não tão pensador como no quartel-general”, descreve Luís Calmeiro.

O comandante não pronuncia a palavra "temer" quando lhe perguntamos o que mais receia. “Estou convicto que todos vão fazer o seu bocadinho para contribuir para o todo ,que é a segurança e o bem estar de Portugal, da Europa e do mundo como um todo”.

Em jeito de provocação, questionamos como estão os conhecimentos da língua russa. Soltando um riso contido, responde: “Não é uma língua que domine, a língua oficial [no mundo militar] é o inglês e é nessa que comunicamos”, acrescentado que “para qualquer outra língua temos a inteligência artificial, que ajuda também para qualquer interpretação necessária”.

Portugal disse "sim" ao desafio europeu e diz-se agora preparado para tudo, embora prefira não ter de usar a força ao seu nível máximo.


“Nós temos de olhar para o exército e forças armadas como um seguro de vida", afirma o comandante do Battlegroup. Um seguro que tem de estar preparado para tudo, "da paz total até à guerra total". Foto: Exército
“Nós temos de olhar para o exército e forças armadas como um seguro de vida", afirma o comandante do Battlegroup. Um seguro que tem de estar preparado para tudo, "da paz total até à guerra total". Foto: Exército

Europa preparada para “assistência militar à Ucrânia”?

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, admitiu já que o país poderá destacar tropas para a Ucrânia, estando disponível para enviar soldados para assegurar um processo de paz.

Também o presidente do Conselho Europeu, António Costa, já sublinhou que a Europa vai assumir plenamente a sua quota parte na “assistência militar à Ucrânia”.

Decorrem reuniões na tentativa de um acordo de paz — encontros que não têm sentado à mesma mesa responsáveis ucranianos e russos. Mas, recentemente, o conselheiro de segurança da Casa Branca assegurou que esse objetivo “está mais perto do que nunca”. Os Estados Unidos têm sido um dos principais intermediários.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, fala em conversações “úteis e construtivas”.

A Rússia terá chegado a pedir que a NATO aceitasse retirar tropas do flanco oriental da Europa. Moscovo tem ocupados cerca de 20% dos recursos minerais da Ucrânia e manifesta interesse na riqueza. O Kremlin anunciou entretanto uma nova ronda de negociações com os EUA sobre a Ucrânia, agendada para a próxima semana.


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