A pouco e pouco, à medida que a noite ia tomando conta do país, a generalidade de Portugal recuperou a energia que tinha perdido a meio da manhã. Foi apenas a pouco minutos das 23h30 que, segundo a REN, a eletricidade voltou em pleno a todas as regiões do território nacional. Durante todo o dia, as notícias — a que muitos portugueses só tinham acesso através das rádios ouvidas em aparelhos a pilhas — davam conta de hospitais a funcionar a geradores, consultas adiadas, escolas em risco de fechar, metropolitanos parados em túneis, corridas a supermercados que deixavam para trás apenas as prateleiras vazias.
Um dia depois, chamemos-lhe o da reflexão, o que aprendemos com o apagão? A Renascença ouviu 30 protagonistas de diferentes setores que aceitaram partilhar a sua opinião.
Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui
"Aprendemos a importância da rádio e de ter um transístor em casa. O cuidado com as notícias de que não se sabe a origem. A necessidade de ter em casa bens essenciais e não confiar excessivamente na Internet porque pode ir facilmente abaixo. Evitar acreditar em propaganda disfarçada de informação.
Aproveitar o tempo disponível e o silêncio inerente para ler e meditar."
Eduardo Ferro Rodrigues, antigo Presidente da Assembleia da República e antigo ministro do Trabalho e da Solidariedade
"Aprendemos que estamos mais dependentes e impacientes do que no tempo do apagão da cegonha, que desligar tem coisas boas e que a rádio continua a ser a fonte de notícias mais confiável."
João Costa, antigo ministro da Educação
“Aprendemos, ou tivemos mais consciência, de que o nosso modo de vida é, afinal, muito frágil. Assente no bem-estar e na tecnologia, depende da perfeição tecnológica (que não existe). O episódio teve, porém, vários méritos.
Teve um custo económico que agora será melhor estimado. Chamou a atenção para a possibilidade realíssima de ciberataques dirigidos contra infraestruturas críticas, sendo sempre necessária uma capacidade defensiva competente e evolutiva, mas também a criação de redundâncias que atenuem os potenciais efeitos danosos de uma falha, ou de uma falha causada por outrem (que pode sempre acontecer). Finalmente, do mal o menos. Foram longas horas, mas não passaram de horas.
Há quem, por esse mundo fora, encare a falta de eletricidade, de comida e de bebida como algo de ‘normal’, por vontade de quem tem o poder, e a vontade de fazer mal ao diferente. Por isso, até para de forma serena relativizarmos o que aconteceu ontem, imaginemo-nos em Gaza, ou até em certas partes da Ucrânia, sem esperança de que a luz volte ou de que a comida ou água estejam disponíveis.”
Azeredo Lopes, antigo ministro da Defesa Nacional de Portugal
"A necessidade de termos um plano de contingência que nos permita restabelecer rapidamente a eletricidade com geradores equipados com black start em casos em que problemas na rede espanhola levem esta a ser desligada da portuguesa."
Luís Mira Amaral, antigo ministro da Indústria e da Energia
“Aprendemos que não estamos suficientemente preparados para a gestão de crises. Temos de ser mais resilientes e robustos.
António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses
"O Governo demorou tempo a reagir. Faltaram instruções claras/precisas em tempo útil. Escolas tiveram de decidir sem qualquer orientação da tutela, tendo sob a sua responsabilidade centenas de alunos, cada uma. Respondendo agora à questão: não estamos preparados para situações deste tipo. É absolutamente fundamental construir um plano que permita reagir rapidamente em cenários semelhantes. A ausência desse plano deixou vulnerável toda a população e, mais especificamente, uma população estudantil, que ronda os 1,5 milhões de jovens."
José Feliciano Costa, presidente do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa
"O maior apagão do século mostrou como está vulnerável a nossa rede elétrica, da qual estamos cada vez mais dependentes. Portugal e Espanha são dois casos de sucesso a nível mundial no investimento e produção de energia renovável, sendo dos países da Europa com maior produção de eletricidade a partir de energia renováveis e onde a eletricidade é mais barata. Mas o apagão mostrou que isso pode ter tornado a rede elétrica mais vulnerável. Tornou também evidente as enormes necessidades de investimento na rede elétrica que não acompanhou o grande investimento feito na capacidade de produção de eletricidade. Investimento necessário não só para fazer face ao forte crescimento esperado do consumo de eletricidade, mas também para tornar a rede elétrica mais resiliente face a geração de eletricidade a partir de energias renováveis. Esta geração é por natureza intermitente e muito dispersa pelo território, o que coloca maiores desafios na gestão da rede elétrica.
O apagão também mostrou que o Estado precisa de garantir que estamos todos mais bem preparados e que se investe bastante mais para podermos fazer face a momentos de emergência, que, por serem raros, o setor privado não tem naturalmente incentivo em investir. Os efeitos das alterações climáticas e a nova realidade geopolítica a nível mundial podem tornar estes momentos de emergência mais frequentes. Precisamos de mais investimento em sistema redundâncias e de recuperação e de armazenamento de eletricidade. Investimento e preparação não só no setor energia, mas também em outros setores e infraestruturas críticas, alguns dos quais também falharam durante o apagão."
João Leão, antigo ministro das Finanças
"Em situações de crise, é crucial haver coesão institucional, prontidão na resposta e comunicação eficaz. Reconhecer e aprender com os erros, corrigir as falhas tendo em vista reforçar a resiliência do pais para responder a futuras emergências. Urge resolver as insuficiências de comunicação com os cidadãos de forma direta."
Adalberto Campos Fernandes, antigo ministro da Saúde
"Relativamente ao assunto, cumpre informar que a situação ocorrida, permitiu ao Exército:
- Atestar que os sistemas de emergência energéticos previstos nos planos de segurança das Unidades, Estabelecimentos e Órgãos do Exército, foram acionados de forma automática, conforme o previsto, possibilitando que as missões e atividades no Exército se desenvolvessem sem limitações.
- Acionar de forma preventiva as capacidades previstas no âmbito do apoio militar de emergência, para situações de contingência desta natureza, em apoio às autoridades competentes."
Resposta do exército, gabinete do Chefe de Estado Maior do Exército
“Os tribunais e os serviços do Ministério Público sem eletricidade não conseguem funcionar dado que precisam de utilizar os sistemas informáticos de suporte para a sua atividade, nomeadamente o Citius. É importante, no futuro, dotar estes serviços de geradores que possam permitir num contexto semelhante a continuidade dos serviços prestados pelo sistema de justiça aos cidadãos.”
Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
“O apagão revelou fragilidades graves no sistema judicial, como a paralisação dos tribunais e falhas nas comunicações internas, devido à falta de planos de emergência. É essencial criar estratégias que garantam serviços mínimos e sistemas alternativos de energia e comunicação para proteger os direitos dos cidadãos em situações de crise.
A Justiça não pode funcionar apenas em normalidade. É preciso antecipar riscos e investir em soluções energéticas alternativas para garantir os direitos fundamentais mesmo em situações de emergência.”
João Massano, bastonário da Ordem dos Advogados