"Ninguém fica com eles, não é? Temos de os deitar fora"
“Olhe, olhe, olhe... gavetas cheias. O que vou fazer com os vernizes? Deitá-los fora”, riposta Maria do Céu, sem hesitação. “Ninguém fica com eles, não é? Temos de os deitar fora.”
Telma já despachou o assunto. Descartou um terço do seu stock nos contentores de lixo comum, até frascos por abrir. "Quase cem frascos de verniz gel, gel de construção, top coats, primers... tudo o que tivesse o TPO tivemos de deitar fora”, relata.
No entanto, na circular informativa do Infarmed não há diretrizes sobre o processo de reciclagem destes produtos. Poderão acarretar algum risco e prejuízo ambiental?
"Para atestar até que ponto o risco existe, teríamos de fazer um estudo mais profundo sobre quanto tempo estes compostos persistem em contacto com matéria orgânica, nomeadamente solos e águas", elabora a professora de Engenharia Química Alexandra Antunes.
Questionado pela Renascença, o Infarmed afasta qualquer encargo ou poder de decisão sobre as embalagens. “Estas questões encontram-se fora das competências do Infarmed", indica a autoridade.
Já a Sociedade Ponto Verde (SPV) acredita que a responsabilidade é do Infarmed. “O processo de recolha destes produtos deve seguir as indicações das autoridades competentes do setor de estética”, afirma a entidade responsável pelo encaminhamento para a reciclagem e de valorização de resíduos de embalagens, “uma vez que se trata de uma situação muito específica".
A SPV relembra, contudo, que “embalagens de vidro vazias devem ser encaminhadas para o ecoponto verde”.
A Renascença contactou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para questionar se existe um plano ou iniciativa de recolha destes produtos – e também para avaliar possíveis riscos ambientais ao depositar os vernizes nos ecopontos de lixo comum. A entidade não enviou resposta até ao momento.
Porquê avisar em julho e não antes?
"Ao descartar os vernizes, até percebi que muitas marcas já deviam saber desta mudança no regulamento, porque a maior parte das coleções novas já não tinham esse princípio ativo, o que nos facilitou bastante a troca”, conta Telma.
Não é de estranhar que soubessem. Esta conclusão, que muda não só o regulamento português, mas de toda a União Europeia (UE), já foi divulgada a 12 de maio de 2025 pela Comissão Europeia (CE).
Como tal, empresas e fornecedores anteciparam-se e alteraram as fórmulas. “Muitos fabricantes procederam atempadamente às alterações necessárias e muitos profissionais demonstraram ter conhecimento atempado da proibição”, garante o Infarmed à Renascença.
“O diploma é público desde maio e é de aplicação direta, não necessitando de transposição para o direito nacional”, defende. Aos olhos da autoridade, não há desculpa por parte do setor, porque o comunicado online foi dirigido “a todos os que operam no circuito comercial e são utilizadores profissionais dos vernizes afetados pela medida restritiva”.
O Infarmed considera ainda que "cabe também às associações do setor zelar para que os seus associados conheçam atempadamente e apliquem a legislação, incluindo as alterações que são introduzidas".
Além de discordar do Infarmed, a ANEP afirma que não contava com esta alteração e esperava uma comunicação nacional direta e mais mediatizada. “Também fomos apanhados de surpresa”, conta o representante da associação.