"Nem nos deixaram gastar os vernizes". TPO proibido nas unhas de gel também é usado por dentistas

Algo mudou nos salões de manicure desde o início de setembro. Cosméticos com a substância química TPO estão proibidos na União Europeia. A lei atarantou os negócios, que nem sabem onde entregar os vernizes antigos. Ordem dos Médicos Dentistas confirma a utilização desta substância em tratamentos dentários, em "quantidades mínimas". Há quem antecipe uma extensão do regulamento para o setor.

26 set, 2025 - 07:00 • Redação



Contam-se trocos e vernizes. O Infarmed avisou a 8 de julho que o composto químico TPO seria ilegal a partir de 1 de setembro. Foto: RR
Contam-se trocos e vernizes. O Infarmed avisou a 8 de julho que o composto químico TPO seria ilegal a partir de 1 de setembro. Foto: RR

Mal ouvem falar sobre a "maldita" substância química "TPO”, até há pouco tempo usada nas unhas de gel, as manicures escondem-se por detrás da porta. A nova lei esvaziou armários e arrombou as poupanças de profissionais. Contam-se trocos e vernizes.

“Quantos me foram embora? Ai filha, devem ser uns 30, 40 ou mais vernizes. São muitos anos a trabalhar. Vais acumulando ao comprar novas coleções, não sei quê e não sei que mais... E os outros? Já fostes”, brinca a esteticista Ana Paula Raposo, de 54 anos, dona de um cubículo cor-de-rosa encaixado numa das principais galerias comerciais de Vila Nova de Gaia.

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Outras colegas, também senhoras independentes com o seu pequeno negócio, sacodem logo o assunto. Preferem nem comentar.

A Renascença visitou comércios de beleza para perceber o impacto da proibição de venda, importação ou utilização de produtos cosméticos com o tal Trimethylbenzoyl Diphenylphosphine Oxide (TPO), poucas semanas depois da mudança no regulamento.

TPO: de que é feito este “nome esquisito”?

O TPO é uma substância fotorreatora popular nas fórmulas de vernizes para unhas artificiais. “Este composto fotoinduzido é utilizado em resinas, para promover o seu enrijecimento, principalmente quando acionada nos vernizes em gel para unhas”, esclarece à Renascença Alexandra Antunes, professora auxiliar de Engenharia Química no Instituto Superior Técnico (IST). Ou seja, o gel transforma-se de estado líquido para sólido quando exposto a lâmpadas com radiação ultravioleta (UV).

Esta reação química permite, então, que o verniz endureça e resista por umas boas semanas. No início do verão, mal sabiam as profissionais que esta fórmula só duraria mais alguns pares de mãos feitas.

O Infarmed avisou a 8 de julho que este composto seria ilegal em menos de dois meses. “É proibida a utilização em produtos cosméticos de substâncias classificadas como cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução”, lê-se na circular informativa publicada no site da autoridade médica.

E por onde mais anda o TPO?

A sentença de descartar produtos com TPO pode, eventualmente, ser qualquer dia alargada, porque esta substância está presente noutras intervenções estéticas e médicas: a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) e a indústria dentária europeia confirma a utilização deste ingrediente nos procedimentos ortodônticos.

“Aquelas ‘massinhas’ que se põem numa luz para ficarem duras são resinas colocadas moles e endurecem com a luz porque o TPO é a substância que inicia o processo de endurecimento, exatamente como acontece com os vernizes das unhas”, descreve o presidente da Comissão Científica da OMD, António Mata.


O verniz em gel transforma-se de estado líquido para sólido quando exposto a radiação UV. Foto: Catarina Magalhães/RR
O verniz em gel transforma-se de estado líquido para sólido quando exposto a radiação UV. Foto: Catarina Magalhães/RR

Ou seja, a resina de restauração para o preenchimento e tratamento de cáries de muitos portugueses pode incluir esta substância fotoiniciadora na composição, mesmo que “de forma residual”. “A molécula TPO altera-se e provoca uma reação em cadeia no resto da massa levando ao seu endurecimento”, explica.

“Este composto está presente em muitíssimas aplicações para solidificar materiais”, comprova a professora auxiliar de Engenharia Química no Instituto Superior Técnico (IST), Alexandra Antunes.

“São quantidades mínimas”, afirma António Mata. Apesar de a percentagem de TPO não ser mencionada nos produtos dentários e de “não conseguir dizer se é um risco ou não” para a saúde pública, a OMD insiste que "a quantidade é mínima comparada com a utilizada nos cosméticos”.

“Apesar de não ser o ingrediente mais utilizado – o mais popular é canforoquinona –, TPO é a segunda substância mais utilizada”, confirma o presidente. Está também presente em selantes de fissura, impressão 3D ou na construção de próteses, avança.

Desde que a Comissão Europeia (CE) decidiu proibir este químico na cosmética, os dentistas e empresas de materiais ortodônticos antecipam uma extensão do regulamento para este setor e até já se prepara para uma possível extensão da lei para os utensílios médicos.

“Na sequência desta diretiva europeia não destinada a dispositivos médicos, já há muitos fabricantes destes materiais dentários atentos ao problema e a pensar em alternativas”, garante a OMD – ressalvando, contudo, que “não devemos ser alarmistas, porque estas resinas ficam dentro do dente e não estão muito em contacto com o sistema digestivo”.

O Infarmed não confirma se conhece a presença desta substância na indústria dentária, adiantando apenas que “neste momento trata do cumprimento do previsto no supramencionado Regulamento europeu, nomeadamente a proibição da utilização de TPO em vernizes”.

"Uma bomba-relógio" para o mundo da estética

“Achou... achou a cor?” Está complicado para Heleninha Rodrigues, de 35 anos agradar à jovem cliente, que vai sobrepondo tiras de plástico em cima da unha, à procura do tom perfeito para mais um mês.

“A loja onde compro produtos notificou-nos há mais de dois meses sobre a alteração do químico no mercado", conta a técnica de unhas. Soube mais do que a tempo, mas ainda está à espera que lhe enviem as cores substitutas para preencher os lugares vagos das antigas.

Heleninha continua a mexer e remexer os frascos, ainda desorganizados. “Se calhar eu gosto mais desta aqui”, diz a cliente. A sorte da profissional é que a clientela é leal e satisfeita com o serviço.

Mas “se não fossem as clientes”, muitas profissionais nem teriam dado pelo aviso. “O que vale é que as tenho sempre por aqui e acabo por saber das coisas e deste nome esquisito”, graceja Anastácia, de 30 anos, que costuma encomendar produtos dos mercados internacionais.


“Só no início de agosto é que tive a sorte de as clientes começarem a falar alguma coisa", partilha Anastácia. Foto: Catarina Magalhães/RR
“Só no início de agosto é que tive a sorte de as clientes começarem a falar alguma coisa", partilha Anastácia. Foto: Catarina Magalhães/RR
Esteticistas ainda aguardam que mercado cosmético lance mais cores substitutas sem TPO. Foto: Catarina Magalhães/RR
Esteticistas ainda aguardam que mercado cosmético lance mais cores substitutas sem TPO. Foto: Catarina Magalhães/RR


A técnica de unhas agarra delicadamente na mão de uma cliente de vinte e pouco anos, enquanto conversa com a Renascença. Como Anastácia não está inscrita em nenhuma associação, nem "vê notícias por aí além", só se apercebeu da norma um mês antes de entrar em vigor. “Só no início de agosto é que tive a sorte de as clientes começarem a falar alguma coisa.”

Maria do Céu, de 68 anos, é dona de si e de um modesto salão há 16 anos. Também soube pela televisão e pelas redes sociais, ficando com com “muito pouco tempo” de manobra. “Uns iam dizendo aos outros, e só tive um mês para mudar tudo”, manifesta.

A Associação Nacional de Esteticismo Profissional (ANEP) diz que estamos perante um “desastre económico" para os profissionais do setor. “É uma notícia que parou o mundo da estética como uma bomba-relógio", afirma Vítor Freitas, membro da direção da ANEP.

O prejuízo? "Enorme”, conta a meio gás Maria do Céu, sapateando pelo lugar provisório dos vernizes antigos. Arrasta os pés ainda agastada pelo stress para "dar a volta” ao stock, agora livre de qualquer rasto de TPO.

“Posso mostrar-lhe móveis cheios de cores? São mais de duzentas e isto não é nada... tudo novo, tudo novo", partilha.

Já a esteticista-cosmetologista Telma, de 46 anos, tem as prateleiras praticamente repostas. "Até publiquei nas redes sociais a dizer que estava tudo trocado direitinho para virem mais sossegadinhas, como sempre." Só fica desconsolada por não poder utilizar a coleção antiga. “Nem nos deixaram gastar os vernizes até ao fim", lamenta.

"Agora anda-se de lupa": como se identifica o TPO num verniz?

Ler as indicações de um rótulo de um verniz não é aparentemente uma tarefa simples – e a dificuldade sentiu-se, segundo Vítor Freitas, até fora de território nacional. “Em muitos grupos de Facebook daqui e não só tenho reparado que as pessoas mandam fotografias da parte de trás dos vernizes. Há muita falta de informação e de informação incompleta”, constata o representante da ANEP.

“Se é um verniz gel para pintar, é um verniz”, atira Vítor. “Posso até testar se funciona bem ou não, a consistência ou se cobre bem a unha, mas ninguém até hoje se deu ao trabalho de ler os rótulos para saber os componentes.”

E para lê-los? "Até comprei uma lupa”, brinca Ana Paula. “Achas que eu consigo ver? Sê sincera."

“De 300 cores foi um pouco difícil fazer a seleção, mas lá consegui... com a lupa, senão ficava estrábica”, diz Telma entre gargalhadas. Porém, Vítor Freitas adverte para possíveis confusões na identificação do componente TPO por entre as "letras miudinhas".

“Para além da própria circular do Infarmed não ser muito clara, há outros três nomes muitos parecidos”, expõe o membro da direção. Recorde-se que o nome original de TPO é Trimethylbenzoyl Diphenylphosphine Oxide e repare-se nos nomes semelhantes autorizados: Ethyl Trimethulbenzoyl Phenylphosphinate, Trimethylbenzoyl Ditoylphosphine Oxide e Di-p-Toyl(2,4,6-trimethylbenzoyl)phosphine oxide.

A somar na lista, as técnicas de unhas denunciam uma perda de qualidade do produto. “Os vernizes substitutos não têm a mesma qualidade de secagem do que antes”, deteta Heleninha Rodrigues.

Certo é que os vernizes em gel clássicos tiveram de ir para o lixo. Mas qual é o destino destes milhares de frascos?


"Ninguém até hoje se deu ao trabalho de ler os rótulos para saber os componentes”, diz o membro da direção da ANEP. Foto: Catarina Magalhães/RR
"Ninguém até hoje se deu ao trabalho de ler os rótulos para saber os componentes”, diz o membro da direção da ANEP. Foto: Catarina Magalhães/RR

"Ninguém fica com eles, não é? Temos de os deitar fora"

“Olhe, olhe, olhe... gavetas cheias. O que vou fazer com os vernizes? Deitá-los fora”, riposta Maria do Céu, sem hesitação. “Ninguém fica com eles, não é? Temos de os deitar fora.”

Telma já despachou o assunto. Descartou um terço do seu stock nos contentores de lixo comum, até frascos por abrir. "Quase cem frascos de verniz gel, gel de construção, top coats, primers... tudo o que tivesse o TPO tivemos de deitar fora”, relata.

No entanto, na circular informativa do Infarmed não há diretrizes sobre o processo de reciclagem destes produtos. Poderão acarretar algum risco e prejuízo ambiental?

"Para atestar até que ponto o risco existe, teríamos de fazer um estudo mais profundo sobre quanto tempo estes compostos persistem em contacto com matéria orgânica, nomeadamente solos e águas", elabora a professora de Engenharia Química Alexandra Antunes.

Questionado pela Renascença, o Infarmed afasta qualquer encargo ou poder de decisão sobre as embalagens. “Estas questões encontram-se fora das competências do Infarmed", indica a autoridade.

Já a Sociedade Ponto Verde (SPV) acredita que a responsabilidade é do Infarmed. “O processo de recolha destes produtos deve seguir as indicações das autoridades competentes do setor de estética”, afirma a entidade responsável pelo encaminhamento para a reciclagem e de valorização de resíduos de embalagens, “uma vez que se trata de uma situação muito específica".

A SPV relembra, contudo, que “embalagens de vidro vazias devem ser encaminhadas para o ecoponto verde”.

A Renascença contactou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para questionar se existe um plano ou iniciativa de recolha destes produtos – e também para avaliar possíveis riscos ambientais ao depositar os vernizes nos ecopontos de lixo comum. A entidade não enviou resposta até ao momento.

Porquê avisar em julho e não antes?

"Ao descartar os vernizes, até percebi que muitas marcas já deviam saber desta mudança no regulamento, porque a maior parte das coleções novas já não tinham esse princípio ativo, o que nos facilitou bastante a troca”, conta Telma.

Não é de estranhar que soubessem. Esta conclusão, que muda não só o regulamento português, mas de toda a União Europeia (UE), já foi divulgada a 12 de maio de 2025 pela Comissão Europeia (CE).

Como tal, empresas e fornecedores anteciparam-se e alteraram as fórmulas. “Muitos fabricantes procederam atempadamente às alterações necessárias e muitos profissionais demonstraram ter conhecimento atempado da proibição”, garante o Infarmed à Renascença.

“O diploma é público desde maio e é de aplicação direta, não necessitando de transposição para o direito nacional”, defende. Aos olhos da autoridade, não há desculpa por parte do setor, porque o comunicado online foi dirigido “a todos os que operam no circuito comercial e são utilizadores profissionais dos vernizes afetados pela medida restritiva”.

O Infarmed considera ainda que "cabe também às associações do setor zelar para que os seus associados conheçam atempadamente e apliquem a legislação, incluindo as alterações que são introduzidas".

Além de discordar do Infarmed, a ANEP afirma que não contava com esta alteração e esperava uma comunicação nacional direta e mais mediatizada. “Também fomos apanhados de surpresa”, conta o representante da associação.


"Cabe também às associações do setor zelar para que os seus associados conheçam atempadamente e apliquem a legislação", aponta o Infarmed. Foto: Catarina Magalhães/RR
"Cabe também às associações do setor zelar para que os seus associados conheçam atempadamente e apliquem a legislação", aponta o Infarmed. Foto: Catarina Magalhães/RR

“Apesar de termos comunicado aos sócios, muita gente da área, em Portugal, não é nossa associada”, sublinha Vítor Freitas. Dos milhares de profissionais espalhados pelo país, pouco mais de três mil são membros da ANEP.

“Por isso, se me perguntarem: ‘99% dos trabalhadores em salões de beleza ficaram a saber pelo menos em julho?’ Não, não ficaram, porque não há uma comunicação direta do Infarmed a essas empresas", indica.

Empurrar o compromisso de informar para as associações é, por isso, pouco razoável, considera o representante da ANEP.

Mas a verdade é que já se anda a limar esta história há mais de dez anos.

Depois de quase se proibir o ingrediente em 2013, o Comité Científico para a Segurança do Consumidor (CCSC) publicou um artigo a atestar a segurança do TPO para uso profissional a 27 de março de 2014. “É seguro quando utilizado como produto para modelação das unhas a uma concentração máxima de 5,0%”, declarou então o CCSC.

Mas havia um detalhe, que acabou por se revelar importante: “No entanto", lia-se no artigo, "o TPO é considerado um sensibilizador cutâneo moderado”. Isto é, um agente químico assim classificado pode provocar uma maior sensibilidade cutânea, irritação ou reação alérgica até em peles naturalmente saudáveis. A indústria das unhas artificiais desvalorizou.

A cientista Alexandra Antunes acredita que "esta classificação não foi dada e o composto não foi banido em usos cosméticos por pressão da indústria."

A classificação viria a ser, contudo, atualizada em 2023. Divulgou-se uma reavaliação científica de 203 páginas que já comprovava algo diferente.

“Substâncias como TPO estão autorizadas a ser utilizadas como substâncias cosméticas na Europa sob condições específicas”, aponta o comité avaliador, indicando-a inicialmente como tóxica para reprodução.

Dentro dos parâmetros acordados entre a UE e o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (uma organização das Nações Unidas), o comité avalia químicos perigosos em três diferentes escalas: “Categoria CMR 1A” enquadra-se quando uma substância é conhecida por ter potencial risco em humanos; na “Categoria CMR 1B” presume-se que tenha qualquer tipo de risco e conhecem-se efeitos; e na “Categoria CMR 2” suspeita-se de um potencial risco.

A classificação da substância TPO evoluiu de “CMR 2” para “CMR 1A” em maio deste ano, motivo do comunicado europeu.

Em Portugal, a alteração só foi divulgada em julho, momento do primeiro comunicado oficial do Infarmed sobre o ingrediente. Em nome dos sócios e profissionais do setor, Vítor Freitas sentencia também a época da publicação. “Mais ainda na altura de férias de salões e organismos, pouco mais de um mês e meio para os espaços de beleza tomarem medidas penosas é insuficiente."

Como se vai supervisionar esta "profissão de aparatos"?

Sem plano de recolha planeado, as técnicas de unhas decidiram aproveitar iniciativas promocionais organizadas por algumas marcas de cosmética. Uma parte dos profissionais optou por “pedir a reposição das cores” à loja já com a fórmula nova sem TPO. “Tivemos um desconto de 50% nos produtos na troca dos antigos”, descreve Heleninha.

Outra parte dos profissionais depositou os frascos “contaminados de TPO” em contentores em certas lojas de beleza. “Existia um contentor específico com uma ranhura pequena para cores antigas, mas não sei o que fizeram com esses produtos”, confessa Telma.


O incumprimento da normativa europeia pode levar à suspensão de atividade. Foto: Catarina Magalhães/RR
O incumprimento da normativa europeia pode levar à suspensão de atividade. Foto: Catarina Magalhães/RR
O método da operação de fiscalização não é explicito, mas o Infarmed assegura que “adotará as medidas de fiscalização consideradas necessárias". Foto: Catarina Magalhães/RR
O método da operação de fiscalização não é explicito, mas o Infarmed assegura que “adotará as medidas de fiscalização consideradas necessárias". Foto: Catarina Magalhães/RR


As associações de esteticismo – como a ANEP ou a Associação Nacional Corpo e Cabelo (ANCC) – são uma base de apoio e comunicação entre profissionais do setor com descontos exclusivos, mas os trabalhadores do setor reivindicam um mercado com uma regulação mais sustentada. “Há aí muita menina a trabalhar sem carteira profissional, certificado, nem nada com a porta aberta”, denuncia Ana Paula.

“Vai aos TikTok’s, vais à internet e vês", revolta-se a manicure. “Tenho colegas que não trabalham com a porta aberta, sem contar com as que trabalham em casa”, apoia Telma, avançando que a falta de controlo já não é novidade. “Mas isto não é fugir ao TPO, porque fogem aos impostos, licenças e seguranças sociais.”

“É tudo aparato nesta profissão… não é como aqueles que trabalham de fato sem certificado”, acusa Ana Paula.

O método da operação de fiscalização não é explicito, mas o Infarmed assegura que “adotará as medidas de fiscalização consideradas necessárias, garantindo uma abordagem uniforme e proporcional em todo o território” para o escoamento total.

O incumprimento pode levar à suspensão de atividade no estabelecimento em causa. “São situações que ninguém quer”, comenta o membro da direção da ANEP, porque “a multa individual pode ser de 2.500 a 3.750 euros, e a empresas entre 20.000 a 44.890 euros”.

Vítor Freitas está “com esperança” de que o Infarmed se contenha nas penalizações nesta fase inicial, porque acredita que a entidade “não quer que o medo esteja presente”. “Quem não compra vernizes a empresas portuguesas e não é associado só agora é que começa a ouvir o zum-zum todo e estão a infringir a lei", diz.


Aos olhos da ANEP, a notícia ativou o preconceito para com as unhas artificiais. Foto: Catarina Magalhães
Aos olhos da ANEP, a notícia ativou o preconceito para com as unhas artificiais. Foto: Catarina Magalhães

Preconceito e desinformação: "Em vez de se ajudarem, matam-se umas às outras"

“É o produto que está proibido ou a unha de gel?" "Já sabe da nova lei?" São perguntas que irrompem pelo salão de Heleninha. Ainda há quem apareça e, pelo meio da marcação, mostre saber “informações desencontradas” nesta matéria. “Não está proibida a unha de gel, é proibido o químico”, prega Heleninha.

Aos olhos da ANEP, a notícia ativou o preconceito e desinformação relacionada com o universo cosmético, principalmente das unhas de gel. Vítor Freitas alega que “há várias revistas internacionais que lançam informações falsas a dizer, nos títulos, que ‘as unhas de gel foram proibidas na União Europeia e fazem mal à saúde’" e sublinha que "isso não é verdade".

“Sempre houve preconceito com as unhas de gel”, acredita Telma. Este sintoma estende-se entre colegas de profissão, acrescenta Ana Paula. “Ninguém é mais do que ninguém. Em vez de se ajudarem, matam-se umas às outras." A profissional está revoltada. “Até li na net que o TPO entra na corrente sanguínea. Alguma vez? Eles estudaram a anatomia da unha? Nunca na vida.”

A ANEP aconselha, por isso, a classe esteticista a unir-se. “Está aberta uma petição com mais de 18 mil assinaturas, acompanhada de comunicação por email e carta registada à Comissão Europeia (CE)”, informa Vítor Freitas. Os profissionais da área questionam a validade dos resultados investigados, considerando a proibição "legalmente incorreta e processualmente inconsistente".

A investigadora de Engenharia Química do IST Alexandra Antunes contraria esta posição, argumentando que "foram obtidas evidências sólidas sobre o nível carcinogénico" deste ingrediente. "Do ponto de vista científico, está claríssimo."

“É um dia de cada vez”. Ana Paula estremece de cada vez que se lembra do “estado das coisas”, mas procura levar tudo na brincadeira, enquanto lima as unhas de uma cliente e levanta uma nuvem de poeira, que a torna quase invisível. “‘Tava lixada se vivesse de unhas e, olha, se vendesse este pó é que ficava rica”.

[Notícia atualizada às 12h22 de 26 de setembro de 2025 com uma correção: o Infarmed não esclareceu se tinha conhecimento da presença da substância TPO na indústria dentária]


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