O Porto é seguro? Entre o "já foi pior" e o "sentimento de impunidade", comerciantes dividem-se

As perceções não são homogéneas entre quem tem negócios na cidade do Porto. Há quem ache que a cidade é globalmente segura, há quem não tenha dúvidas de que as coisas não estão bem. Mas todos concordam que é necessário mais policiamento visível nas ruas.

09 out, 2025 - 06:49 • André Rodrigues , Miguel Marques Ribeiro (fotografia e vídeo)



Veja o vídeo. Empresários e Associação dos Comerciantes do Porto pedem medidas para alterar a perceção de insegurança que existe na cidade. Composição e fotos: Miguel Marques Ribeiro/ RR

O ano de 2025 ainda não acabou, mas Jonathan Silva vai recordá-lo como um dos piores desde que abriu o negócio na baixa do Porto. "Este ano já tivemos três assaltos nos nossos espaços", conta à Renascença este empresário que gere duas casas de vestuário de cerimónia, entre a Praça da Batalha e a Rua 31 de Janeiro.

Três assaltos em nove meses completos. "Uma das vezes, eu estava na loja, o sujeito roubou, eu apercebi-me, vim a correr pela Rua 31 de Janeiro abaixo, o senhor puxou de um canivete e eu tentei segurá-lo."

Mas não lhe valeu de nada. "As pessoas que estavam à volta não devem ter percebido a situação, seguraram-me a mim e o senhor conseguiu escapar. Fiquei sem os bens que me roubaram e sem conseguir segurar a pessoa que me assaltou."

A Jonathan restou "só a faca", que ainda entregou à polícia. Fez queixa, "mas não serviu de nada, foi uma perda de tempo", afirma, resignado.


A vice-presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, Anabela Barbatto, considera que "é importante incentivar as pessoas a apresentar queixa". Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
A vice-presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, Anabela Barbatto, considera que "é importante incentivar as pessoas a apresentar queixa". Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR

Jonathan Silva é um entre vários exemplos de comerciantes do centro do Porto que, nos últimos tempos, têm sido alvo de pequenos furtos. "O sentimento de impunidade continua... Nada se resolve, mesmo que se apresente queixa."

"Se a cidade adormece mais cedo, a insegurança acorda mais cedo"

A vice-presidente da Associação dos Comerciantes do Porto (ACPorto), Anabela Barbatto, reconhece que, "muitas vezes, os crimes são de diminuto valor, a burocracia e as diligências que vão ter que prestar junto da polícia leva muito tempo e, às vezes, isso prejudica o próprio negócio".

No entanto, esta responsável que tutela a área da segurança na ACPorto alerta que "é importante incentivar as pessoas a apresentar queixa, porque depois, em termos de estatísticas oficiais, temos informação de que a criminalidade grave aumentou, mas a criminalidade leve, que abrange os furtos nas lojas, diminuiu".

Mas não é isso que o volume de queixas dos comerciantes denota. Anabela Barbatto acredita que "não há uma diminuição" deste tipo de delito. Por causa da insegurança, acrescenta, "há associados que dizem que encerram os seus estabelecimentos mais cedo, quando poderiam estar abertos até mais tarde".

É o que acontece, por exemplo, na Avenida Rodrigues de Freitas, junto à sede da ACPorto: "Se os comerciantes não sentem segurança, eles reduzem os horários e fecham os estabelecimentos.


António Rodrigues, que é empresário do setor automóvel, quer uma maior presença de polícias nas ruas. Foto: Miguel Marques Ribeiro/RR
António Rodrigues, que é empresário do setor automóvel, quer uma maior presença de polícias nas ruas. Foto: Miguel Marques Ribeiro/RR
O cabeleireiro Agostinho Brito não esquece a noite em que lhe "partiram uma montra" do salão. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
O cabeleireiro Agostinho Brito não esquece a noite em que lhe "partiram uma montra" do salão. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR


A loja roupas de cerimónia de Jonathan Silva foi alvo de pequenos furtos três vezes desde o início do ano. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
A loja roupas de cerimónia de Jonathan Silva foi alvo de pequenos furtos três vezes desde o início do ano. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Artur Ribeiro gere um dos mais famosos restaurantes de francesinhas da cidade. O empresário teme que a perceção de insergurança possa afugentar os clientes. Foto: Miguel Marques Ribeiro/RR
Artur Ribeiro gere um dos mais famosos restaurantes de francesinhas da cidade. O empresário teme que a perceção de insergurança possa afugentar os clientes. Foto: Miguel Marques Ribeiro/RR


Anabela Barbatto diz que é urgente combater a perceção de que o ambiente não é seguro. Enquanto assim for, "nem os consumidores vêm à cidade, nem os comerciantes abrem. Se não há atividade, a cidade adormece mais cedo. Se a cidade adormece mais cedo, a insegurança acorda mais cedo".

Ao longo da campanha para as autárquicas, a ACPorto tem transmitido aos candidatos à Câmara as suas preocupações. "Nomeadamente quanto à falta de policiamento de proximidade, à falta de iluminação em algumas ruas centrais, à necessidade de mais videovigilância".

Apesar dos problemas, Anabela Barbatto faz um diagnóstico positivo: "Em termos de perceção, os comerciantes têm a noção de que o Porto é globalmente uma cidade segura".

A subjetividade de uma perceção

Artur Ribeiro gere um dos mais famosos restaurantes de francesinhas da cidade, na Rua de Passos Manuel, mesmo em frente ao Coliseu do Porto.

Começa por reconhecer que "a perceção das pessoas é que a cidade não é segura". Culpa das redes sociais e da imprensa, que "divulgam tudo o que acontece, e às vezes até ampliado".

Preocupa-o a má reputação que pode assustar os clientes, "que não são só os turistas".


"A minha preocupação são mesmo as pessoas da cidade, que são a nossa grande fatia de clientes", sublinha o empresário.

Conta que já teve episódios de clientes que foram roubados dentro do próprio estabelecimento.

O "modus operandi" não mudava muito. As imagens de videovigilância partilhadas com a Renascença comprovam-no. "Normalmente, são dois indivíduos que entram desinteressadamente, encostam-se numa mesa, põem o blusão nas costas da cadeira, encostam a cadeira atrás, onde está sentada uma senhora com uma carteira e, depois, abrem o fecho da carteira e roubam o porta-moedas."

O próprio Artur Ribeiro foi alvo de uma tentativa de assalto quando, em 2023, fez obras no restaurante. No meio da confusão, entrou na loja "para pousar umas coisas que tinha comprado".

"Quando cheguei ao carro, já tinha uma pessoa a agarrar no telemóvel e outra a agarrar a mochila. A sorte foi que eu cheguei na hora, eles pousaram tudo e desapareceram."

O dono do restaurante comunicou o episódio diretamente ao comandante da polícia. "Fez uma limpeza na zona e, felizmente, isso ajudou-nos bastante."

"A Baixa do Porto é um shopping ao ar livre e queremos que continue a ser uma zona segura, para que as pessoas nos possam visitar, sem receio algum de serem assaltadas", sublinha.


Melhorias na iluminação pública e a colocação de câmaras de videovigilância são outras reivindicações dos empresários. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Melhorias na iluminação pública e a colocação de câmaras de videovigilância são outras reivindicações dos empresários. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
A criminalidade violenta e grave aumentou cerca de 5% no distrito do Porto em 2024, segundo o RASI. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
A criminalidade violenta e grave aumentou cerca de 5% no distrito do Porto em 2024, segundo o RASI. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR


Até ver, Artur Ribeiro garante que a situação perto do Coliseu é bem melhor. Mas o problema não desapareceu. Migrou para o Campo 24 de Agosto.

"Já foi pior". Comerciantes evitam falar com receio da má reputação

Porta a porta, são poucos os que falam sobre o estado atual da segurança no Campo 24 de Agosto.

Em geral, dizem que a situação "já foi pior" e que até melhorou, depois dos episódios de violência contra imigrantes ocorridos em 2024. Mas temem que qualquer afirmação possa pôr em causa a reputação daquela zona da cidade.

À porta de uma frutaria, uma comerciante, que prefere manter o anonimato, diz que "há filhos que já não deixam os pais idosos ir às compras sozinhos no Campo 24 de Agosto, porque ouve-se muitas notícias sobre insegurança".

Por isso mesmo, prefere não falar. Para não atrair má publicidade que possa afastar a clientela.

É mais ou menos este o discurso que ouvimos numa confeitaria, uns metros acima, seguindo pelo Bonfim. Até que chegamos ao cabeleireiro de Agostinho Brito. Também ele admite que não sente a mesma insegurança que, ainda há pouco tempo, existia naquela zona.


Mas não esquece a noite em que lhe "partiram uma montra" do salão. "Foi por volta das 11 da noite".

O suspeito identificado pela polícia era "um senhor de idade, de nacionalidade espanhola". Provavelmente, uma pessoa em situação de sem-abrigo. Agostinho não sabe dizer. E nunca chegou a perceber se a intenção era, de facto, assaltar a loja.

Agostinho queixa-se da imigração massiva, das más condições em que os estrangeiros vivem, da clientela que acha que 15 euros por um corte de cabelo é demasiado caro, "como se quisessem que trabalhássemos de borla".

Ainda assim, este cabeleireiro estabelecido na Rua do Bonfim há 40 anos recusa estabelecer uma ligação direta e intencional entre imigração e insegurança.

Reconhece que quem chega ao país nem sempre encontra trabalho e, muitas vezes, vive em condições precárias. "São aos 20 e aos 30 dentro de uma sala".


Múltiplos cartazes de candidatos à câmara amontoam-se na zona do Campo 24 de Agosto. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Múltiplos cartazes de candidatos à câmara amontoam-se na zona do Campo 24 de Agosto. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR

Criminalidade violenta aumenta 5%

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), em 2024 a criminalidade violenta e grave aumentou cerca de 5% no distrito do Porto, em relação ao ano anterior.

Metade da registada em Faro (9,9%) e muito abaixo dos valores de Santarém (33,3%), Castelo Branco (30,5%) e Leiria (28,2%).

Já o relatório anual da Procuradoria-Geral do Porto — que abrange a atividade do Ministério Público nos Tribunais da Relação do Porto e de Guimarães, do Tribunal Central Administrativo do Norte e das comarcas de Aveiro, Braga, Bragança, Porto, Porto Este e Viana do Castelo — indica que, em 2024, a criminalidade organizada aumentou 197,3% face a 2023.


São, sobretudo, crimes cometidos por grupos organizados de pessoas que se dedicam a roubos, tráfico de droga e cibercrime.

Em 2024, foram abertos 1.454 novos processos. No ano anterior tinham sido 489. E em 2022 foram 341.

Também os crimes contra grupos populacionais mais vulneráveis — idosos, menores ou pessoas com deficiência — subiram em 2024, face ao ano anterior.


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