"O alvo aqui está parado, mas na rua pode não estar”. Como funciona a formação de tiro dos polícias?

Aprendem a privilegiar os membros inferiores e sabem que qualquer erro pode ser fatal. Na Escola Prática de Polícia, ensina-se a importância da “postura, posição corporal e controlo da respiração" antes de disparar. Sindicato considera formação atual curta e pouco adaptada às exigências do terreno.

14 out, 2025 - 06:30 • Liliana Monteiro , Beatriz Pereira



Veja o vídeo: "O alvo que aqui está parado, mas na rua pode não estar”. Como funciona a formação de tiro dos polícias?

Uma má envergadura da arma de fogo, e a má postura corporal, podem mudar a trajetória de um disparo e colocar em causa uma vida. A ideia é repetida vezes sem conta aos alunos da Escola Prática de Polícia, em Torres Novas.

O subintendente Carlos Martins é o chefe da formação da escola que, manhã cedo, tem já em curso muitas atividades: aulas teóricas dentro de sala e práticas, com muitos alunos organizados em núcleos na rua, num dia de sol já intenso e um céu azul a prometer um dia de verão.

“Saber fazer é essencial. Um polícia é treinado para ajudar o cidadão e para isso tem de conhecer a lei, as regras, os códigos e ter disciplinas teóricas e práticas.”

Conta-nos que há circunstâncias que na rua “são difíceis de prever”, mas que o mecanismo de resposta tem de estar lá. “O polícia tem de estar preparado e pensar: posso fazer isto e não posso fazer isto”.


Ouça a reportagem sobre a formação de tiro da PSP

Quando lhe perguntamos o que é essencial para um bom agente, rapidamente aponta para uma passagem do compromisso de honra que todos fazem no final da formação — texto que está bem patente no hall principal de entrada na escola: “Ser prudente, sem fraqueza, firme sem violência, sereno e valoroso no perigo”.

Há largos anos na formação, o chefe Correia, a quem todos os alunos cumprimentam à passagem, com afeto, explica que se fazem vários treinos com arma de fogo.


Há circunstâncias que na rua “são difíceis de prever”, mas que o mecanismo de resposta tem de estar lá, afirma o subintendente Carlos Martins. Foto: Beatriz Pereira/RR
Há circunstâncias que na rua “são difíceis de prever”, mas que o mecanismo de resposta tem de estar lá, afirma o subintendente Carlos Martins. Foto: Beatriz Pereira/RR
"Um polícia é treinado para ajudar o cidadão e para isso tem de conhecer a lei, as regras, os códigos”, sublinha o chefe de formação da escola. Foto: Beatriz Pereira/RR
"Um polícia é treinado para ajudar o cidadão e para isso tem de conhecer a lei, as regras, os códigos”, sublinha o chefe de formação da escola. Foto: Beatriz Pereira/RR


"O primeiro disparo é uma emoção inexplicável", assegura Maurício Moreira, de 26 anos. Foto: Beatriz Pereira/RR
"O primeiro disparo é uma emoção inexplicável", assegura Maurício Moreira, de 26 anos. Foto: Beatriz Pereira/RR
Manhã cedo, a Escola Prática de Polícia, em Torres Novas, tem já em curso muitas atividades. Foto: Beatriz Pereira/RR
Manhã cedo, a Escola Prática de Polícia, em Torres Novas, tem já em curso muitas atividades. Foto: Beatriz Pereira/RR


“Treino estático com alvo a cinco metros, recuamos também a 10 metros, fazemos tiro de precisão entre cinco a sete metros e por fim usamos metralhadoras para disparos a 15 metros.”

O objetivo da formação é que os alunos encontrem o que é necessário: “atitude, postura, posição corporal, empenhamento, arrasto do gatilho e controlo da respiração”, antes de disparar.

“A arma no início metia medo, agora trato com mais respeito e controlo”

Num discurso já entranhado de tanto o viver na escola, o chefe Correia afirma que a reação quer-se rápida, ao mesmo tempo que se avalia a existência de perigo.

Maurício Moreira tem 26 anos, está a fazer o treino de tiro com alvo estático. “Acertei todos os disparos em membros inferiores e superiores. Na cabeça é preciso manter vivos os procedimentos para evitar os erros.”

“Às vezes", confessa, "as mãos tremem, mas faz parte! O primeiro disparo é uma emoção inexplicável!”. Quanto ao futuro, diz que ainda não sabe e que para já está apenas focado na formação.

A arma deve ser o último recurso e quando é usada deve sê-lo num equilíbrio entre a proporcionalidade e adequação.

No grupo de oito, devidamente equipados com auscultadores, óculos e um colete à prova de bala verde tropa, encontramos Lara Alves, de 21 anos, do Catojal, Loures. Diz que quando pega na arma pensa na respiração e tenta manter a cabeça limpa, sabe que deve privilegiar os membros inferiores e que qualquer erro pode ser fatal.


Um bom tiro implica “atitude, postura, posição corporal, empenhamento, arrasto do gatilho e controlo da respiração”, antes de disparar, explica o chefe Correia. Foto: Beatriz Pereira/RR
Um bom tiro implica “atitude, postura, posição corporal, empenhamento, arrasto do gatilho e controlo da respiração”, antes de disparar, explica o chefe Correia. Foto: Beatriz Pereira/RR

O que causa adrenalina a Lara Alves, de 21 anos? "Saber que se vai disparar, ouvir os disparos dos colegas, depois o nosso, depois pensar no alvo, que aqui está parado mas na rua pode não estar.” Foto: Beatriz Pereira/RR
O que causa adrenalina a Lara Alves, de 21 anos? "Saber que se vai disparar, ouvir os disparos dos colegas, depois o nosso, depois pensar no alvo, que aqui está parado mas na rua pode não estar.” Foto: Beatriz Pereira/RR
“Ser prudente, sem fraqueza, firme sem violência, sereno e valoroso no perigo”, lê-se no compromisso de honra que todos fazem no final da formação. Foto: Beatriz Pereira/RR
“Ser prudente, sem fraqueza, firme sem violência, sereno e valoroso no perigo”, lê-se no compromisso de honra que todos fazem no final da formação. Foto: Beatriz Pereira/RR


Será que sente sempre adrenalina no momento do disparo? “É sempre a mesma", assegura. "Saber que se vai disparar, ouvir os disparos dos colegas, depois o nosso, depois pensar no alvo, que aqui está parado mas na rua pode não estar.”

Um outro jovem, Gabriel, diz que a sensação do disparo é boa. “O nervosismo vai passando, mas borboletas na barriga há sempre”, acrescenta. “A arma no início metia medo, agora trato com mais respeito e controlo”.

Saímos da àrea de tiro real, atravessamos a escola, passamos por um pavilhão onde fazem exercício físico e defesa pessoal e encontramos Soraia Calvo. Está numa fase anterior do curso, no simulador.

Numa sala — onde o eco faz parecer que dentro estão mais de uma dezena de pessoas — encontram-se quatro formandos, atiram aos alvos em zonas que vão sendo elencadas pelo formador de forma sucessiva. Os alunos, estáticos e atentos à imagem que surge projetada, tentam coordenar a atenção à ordem recebida, à imagem que surge e ao mesmo tempo articular a melhor resposta a dar em frações de segundos.

“É difícil trabalhar com uma arma, mas com concentração e calma tudo se faz”, afirma Soraia Calvo.

“Uma vez por ano, um dia em 365? É muito pouco”

Mas a formação, tal como existe hoje, não agrada à Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP), que a considera curta e pouco adaptada às exigências no terreno dos dias de hoje. “Uma vez por ano, um dia em 365? É muito pouco”, afirma Paulo Santos, presidente da ASPP.


Todos os policias têm porte de arma, à exceção dos que são alvo de medidas disciplinares, que enfrentam problemas de saúde mental ou outras condições clínicas. Podem ficar sem arma ainda os que chumbarem nos testes, mesmo que sejam os de renovação do porte de arma.

A certificação faz-se de dois em dois anos e a formação prática anualmente.

Paulo Santos diz que falta “cadência” na formação, que enfrenta problemas porque ocorre muitas vezes nos dias de folga dos agentes. “Contraria a lei, há colegas que têm de andar 160 kms para dar formação de tiro”.

Há uma outra problemática que preocupa esta associação: o envelhecimento do efetivo. “Cerca de 4 mil efetivos têm idades entre os 55 e os 60 anos. Será que estes colegas têm a mesma aptidão e destreza para reagir em situações difíceis?”

Lembra que um agente também tem medo, ansiedade e tem de estar preparado. Sublinha que só com o treino, e à-vontade, há condições para melhorar a intervenção em serviço, numa realidade cada vez mas complexa.


Formação é curta e pouco adaptada às exigências no terreno dos dias de hoje, defende Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP). Foto: Beatriz Pereira/RR
Formação é curta e pouco adaptada às exigências no terreno dos dias de hoje, defende Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP). Foto: Beatriz Pereira/RR
“Cerca de 4 mil efetivos têm idades entre os 55 e os 60 anos. Será que têm a mesma aptidão e destreza para reagir em situações difíceis?”, questiona Paulo Santos, da ASPP. Foto: Beatriz Pereira/RR
“Cerca de 4 mil efetivos têm idades entre os 55 e os 60 anos. Será que têm a mesma aptidão e destreza para reagir em situações difíceis?”, questiona Paulo Santos, da ASPP. Foto: Beatriz Pereira/RR


Ao longe ouvem-se ordens ao megafone, um grupo treina abordagens a viaturas. Num anexo bem próximo, escutam-se pancadas secas — é o treino de luta dos futuros agentes. Polícias que a escola quer que saiam preparados.

Quando perguntamos a Soraia Claro porque quer ser polícia, responde: “Sempre cresci neste meio, acho uma profissão respeitada e é aqui o meu lugar.”

Para entrar para a Escola Prática de Polícia são mais de uma dezena os critérios exigidos. O candidato tem de ter nacionalidade portuguesa, ter pelo menos 18 anos e não mais de 30, 1’60m ou 1,65 m de altura, ter o 12º ano, entre outras questões relacionadas com ética e comportamento e robustez física.

O curso de formação de agentes tem a duração de nove meses, o de Oficiais dura cinco anos e o de Chefes 18 meses.


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