O que é que pode ser aí específico?
Uma coisa, por exemplo, que procuro dizer é que nós não renunciamos à esponsalidade. Faz parte da estrutura humana, da identidade e da relação este apelo a ser esposo ou esposa. O que acontece é que alguns realizam-no na conjugalidade, na forma do casamento, e outros realizam-no noutra forma não conjugal. A que título? No cuidado e no ser cuidado, no ser fecundo, no sentido de terem de comunicar vida que brota de si para os outros.
Não é só uma questão espiritual e muito menos aérea. É, de facto, como é que à minha volta as relações ganham mais densidade, mais beleza, mais alegria, mais profundidade, mais generosidade, porque vivo a vida como um dom e acolhimento. Aquelas formas que uma vida conjugal, uma vida marital de marido e mulher pede, são diferentes. Não é só a questão sexual, genital, é mesmo o projeto de vida em comum, a construção do lar, as atenções ou as prioridades nessa construção que são diferentes de quem vive isso de uma forma virginal, consagrada, de paternidade espiritual ou de fraternidade religiosa, por exemplo, no caso dos conventos.
Mas pode ter a experiência de chegar a casa, sentir um vazio e não ter ninguém com quem partilhar essa angústia?
Pode. E isso pode ser um drama, se me fechar, ou uma oportunidade de eu, com outros irmãos padres, partilhar isso. E saber se a minha oração é apenas para compensar o vazio que tenho, ou se é para me refundar num encontro.
"Precisamos de parar e fazer um exercício espiritual. Às vezes, sozinhos, não damos conta disto. Importa se [nós padres] somos sensíveis uns aos outros."
Isso também depende do cuidado que nós, padres, também temos com a nossa vida espiritual, e às vezes, o ritmo, o tempo, a correria, etc… faz com que descuidemos isto e a coisa fique um bocadinho mais arrefecida, e depois a oração é só para cumprir, ou para consolar ou compensar. Isso não pode ser.
Precisamos de parar e fazer um exercício espiritual. Às vezes, sozinhos, não damos conta disto. Importa se [nós padres] somos sensíveis uns aos outros. ‘Aquele não aparece, aquele está muito metido com ele, aquele está sempre irritado, deixa cá visitá-lo, ver o que se passa com ele’. Estas realidades quando existem, estruturam-nos e ajudam-nos a viver felizes a nossa inter-relação nos moldes da consagração.
Às vezes, podem acontecer momentos em que passamos por alguma crise, alguma dificuldade ou então que nos descuidemos e comecemos a procurar alternativas e compensações. Mas isso é o drama, que acontece também na vida de casal. Muitas vezes, o casal é capaz de se entender mutuamente e ir ao encontro das dificuldades, outras vezes não.
Voltando à questão da formação, qual é que deve ser o equilíbrio entre uma vida de seminário mais recatada e a necessidade de estar no mundo e perceber os problemas das pessoas?
Procuramos que a vida de seminário lhes dê ambiente para estruturar uma profundidade viva, onde as questões vão até ao fundo. Que não fiquem ao nível da superfície, da primeira impressão, do gosto, não gosto, sinto, não sinto, mas que essas realidades sejam integradas descendo à raiz das coisas e que seja também à luz da fé e da vida espiritual, da vida em Deus, da relação com Deus, que as coisas possam olhadas nos seus desafios e fragilidades, mas também nas suas possibilidades e potencialidades.
Também há uma coisa que é preciso perceber: a fragilidade faz parte da vida. Às vezes, passamos a vida a tentar fugir da fragilidade e da dor. Nós não somos apologistas da dor, a vida cristã não é apologista da dor, mas não foge dela, não teme a dor. Vence a dor, enfrenta a dor com Nosso Senhor. Quem diz a dor física, diz a dor relacional, emocional, moral e espiritual. Bem, nós procuramos que haja espaço para isto na vida espiritual, no desenvolvimento humano, na maturação humana e nas relações próprias de uma vida comunitária. Às vezes parece que eles estão lá fechados. Para muitos deles, vir para o seminário foi a experiência de uma fraternidade que nunca tiveram.