Francisco, um Papa contra a corrente

Próximo de ‘todos, todos, todos’ nos gestos e nas palavras, Francisco nunca hesitou em denunciar injustiças e foi uma voz permanente em defesa da paz. A reforma na Cúria não andou à velocidade que esperava, mas deixa de herança a valorização do papel das mulheres na Igreja e uma maior abertura aos casais em situação irregular, incluindo os homossexuais.

21 abr, 2025 - 16:50 • Ângela Roque



Papa no Peru, Trujillo (20/01/18) Foto: Luca Zennaro/EPA
 

Desde o dia em que foi eleito que a simplicidade e proximidade marcaram os seus gestos e palavras. A começar pela escolha do nome, em homenagem a Francisco de Assis. Depois os sinais imediatos de despojamento: quis manter os mesmos sapatos; optou por vestir-se de branco, dispensando as vestes vermelhas; trocou o apartamento pontifício pela Casa de Santa Marta, por não gostar de viver sozinho.

O Papa que veio “do fim do mundo” – como o próprio se apresentou – não perdeu tempo para alertar para os mais frágeis e para as periferias. Na missa inaugural do pontificado lembrou que “o verdadeiro poder está em servir”. A primeira Quinta-feira Santa como Papa foi celebrada numa prisão juvenil, e deslocou-se de surpresa à ilha de Lampedusa, para denunciar a tragédia dos migrantes e refugiados.

Na luta contra as desigualdades sociais, denunciou os riscos da “economia que mata” e da “idolatria do dinheiro”, e desafiou os jovens a encontrarem um novo modelo económico. Dedicou uma encíclica e uma exortação apostólica à ecologia integral, num sublinhar constante de que no mundo tudo se interliga.


Papa reza numa praça vazia pelo fim da pandemia. “Estamos todos neste barco. Ninguém se salva sozinho”

Na pandemia, em 2020, lembrou que ninguém se salva sozinho. O momento em que caminhou e rezou pela humanidade, solitário e em silêncio, na praça de São Pedro, foi dos mais marcantes do seu pontificado, para crentes e não crentes. De resto nunca falou apenas para o interior da Igreja, tocando o coração de muitos não católicos.

Defensor de uma Igreja mais inclusiva e acolhedora, o Papa autorizou a bênção de casais em situação irregular, incluindo as uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão causou algumas reações negativas, a que Francisco respondeu, numa entrevista: “Ninguém se escandaliza se eu abençoar um empresário que talvez explore pessoas – e isso é um pecado muito grave. Mas escandaliza-se se eu der a bênção a um homossexual... é uma hipocrisia!", afirmou.

Francisco foi incansável na luta contra a pedofilia na Igreja, que considerou uma “monstruosidade”, e definiu regras mais claras para a prevenção, deteção e combate destes casos no seio da Igreja, tendo pela primeira vez reduzido ao estado laical um cardeal condenado por abusos, o antigo arcebispo emérito de Washington, Theodore McCarrick.


A reforma na Cúria não andou à velocidade que esperava. Não mexeu na questão do celibato dos padres, mas valorizou o papel das mulheres na Igreja, por considerar que “se saem melhor do que os homens, em certos cargos". Foi consigo que pela primeira vez uma mulher foi número dois do governo do Estado do Vaticano, outras foram nomeadas para áreas chave como as finanças, a diplomacia, o desenvolvimento humano integral, a cultura e a educação.

O Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade teve uma subsecretária, e dos 70 novos membros com direito de voto, metade foram obrigatoriamente mulheres. Duas religiosas e uma leiga passaram também a integrar o Dicastério para os Bispos, colaborando assim na escolha de novos prelados.


Os apelos à paz foram uma constante no pontificado de Francisco, e foi seu o alerta para a “guerra mundial aos pedaços”.

Defensor do diálogo ecuménico e inter-religioso – que considerava um “caminho sem retorno” – teve vários gestos de aproximação às outras confissões cristãs e às outras religiões, com destaque para a assinatura, em 2019, com o Imã de Al-Azhar, de uma declaração conjunta sobre “a Fraternidade Humana”.


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