Conheça a Basílica de Santa Maria Maior, o “exemplo de Nossa Senhora” onde o Papa vai ser sepultado

Rezou ali depois de ser eleito e também quando saiu do hospital. Francisco adorava aquela basílica, construída após uma aparição de Maria. Lá dentro, trabalha-se a contrarrelógio para o funeral de sábado – e para receber o Papa “humilde”, tal como Nossa Senhora.

23 abr, 2025 - 11:55 • Alexandre Abrantes Neves , Beatriz Pereira (vídeo) , enviados especiais ao Vaticano



Vídeo: O "mais humilde dos Papas" vai descansar junto de Maria

Está praticamente tudo a postos. No exterior, várias filas de cadeiras estão dispostas de frente para uma imagem da Virgem, uma réplica da preferida do Papa. Uns metros atrás, já debaixo das arcadas da entrada, vê-se o sorriso de Francisco, numa grande fotografia amparada por um cavalete. Lá dentro, no local onde o testamento pedia a sepultura, há um local todo tapado a gesso cartonado. Santa Maria Maior está à espera de um dos seus maiores devotos.

“Esta é a basílica do Papa Francisco. É justo [dizermos isso]!”, grita Irene Coronado, para lá do controlo de segurança. Vem da Guatemala e estava em Roma quando soube da morte do Papa. Veio até Santa Maria Maior para honrar Francisco, mas nem todas as homenagens têm de ser tristes – e, por isso, vai cantando e dançado em honra do “cardeal Bergoglio, o querido Papa Francisco” e captando a atenção de todos na praça, apinhada de jornalistas e alguns fiéis.

O carácter único de Francisco, explica à Renascença, reside na “humildade” que marcou o pontificado e na semelhança clara que foi tendo com Maria, que dá nome à basílica.

“Ele olhava para a Mãe Santíssima, que lhe pedia para ser esse homem humilde e de misericórdia. Esse homem que dizia ‘não sou eu – somos nós!’”, assinala, sempre de sorriso na cara.


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Por esta praça, há mesmo quem ache que a grande devoção do Papa a Maria é explicada pelas parecenças entre os dois, por terem “perdoado e acolhido incondicionalmente” – os refugiados, os pobres, os excluídos pela sociedade.

Matias, um jovem padre de 29 anos da região alemã da Baviera, acredita que esse olhar de Francisco também é um tributo a Nossa Senhora e a Cristo: “A Sagrada Família também era refugiada”, relembra.

Os apelos à paz e ao desarmamento também eram uma constante de Francisco, que tocou no tema ainda na bênção Urbi et Orbi, a sua última mensagem, no domingo de Páscoa. Em Santa Maria Maior, mesmo ao lado de onde vai estar o túmulo do Papa, está a escultura da Rainha da Paz – uma figura feminina, com o filho nos braços e de mão erguida, que Matias associa imediatamente ao Santo Padre.

“Ele sempre disse na Urbi et Orbi e noutras ocasiões que devemos rezar pela paz e parar a guerra. Parar de atirar contra pessoas e de assassinar pessoas inocentes”, recorda.


Matias lidera um grupo de fiéis que chegou a Roma para o Jubileu da Esperança e que se deparou com a “triste coincidência da morte de Francisco”. Entre quem passa por aqui, são raros os casos que viajaram até Roma a propósito da morte do Papa – quase todos vêm à boleia do ano jubilar, de férias já agendadas ou até de compromissos profissionais.

É o caso de Altineu Côrtes, deputado federal no Brasil e que está em Itália no âmbito de uma cerimónia evocativa dos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Veio a Santa Maria Maior rezar por Francisco, um Papa a quem atribui uma série de elogios e a quem, nas entrelinhas, chama de santo.

“Deus ter escolhido recolher o Papa Francisco na Páscoa, isso tem um significado muito grande. Cristo ressuscitou e o Papa foi com ele. Quase veio buscar o Papa. Isso é muito especial”, conta-nos com a voz já a falhar, mas ainda a permitir explicar a razão para tanta comoção: trata-se de “um dos maiores entre os Papas", afirma. "Visitou mais de dez países na América Latina, foi a muitos lugares no mundo. E isso mostra atenção, mesmo com os países menores.”

Da neve se fez uma basílica

Para compreender a origem da basílica, é preciso recuar até ao século V. Por volta de 430, reza a tradição, Maria apareceu e disse que queria uma capela construída em Roma, em sua homenagem, no local onde caísse neve. O fenómeno acabou por acontecer naquela mesma praça, num mês de agosto, e o Papa à época, Cisto III, pôs logo mãos à obra.

“Se há um pedido que Maria faz num sonho, é para honrar sempre Deus, não é? Portanto, é a igreja de Santa Maria Maior – sempre para maior glória de Deus”, explica à Renascença a irmã Ana Luísa Prego, da congregação das Franciscanas Missionárias de Maria.


O Papa rezava frequentemente à frente da iamgem Solus Populi Romani, que se acredita que terá sido pintada por São Lucas. Foto: Vaticano
O Papa rezava frequentemente à frente da iamgem Solus Populi Romani, que se acredita que terá sido pintada por São Lucas. Foto: Vaticano

São mais de 1.500 metros quadrados, construídos sobre uma planta em forma de cruz. As inúmeras expansões ao longos dos anos não a fizeram perder o estilo e a estrutura originais, tornando-a num dos mais antigos santuários marianos na Europa e num dos principais pontos turísticos católicos de Roma – a par de São Pedro, São João de Latrão e de São Paulo Extramuros, que constituem o restante grupo das basílicas papais.

Francisco passou por todas elas, mas tinha por Santa Maria Maior um carinho especial. Este imponente salão retangular (que se desvenda numa paleta de dourados e castanhos) recebeu o Papa vezes sem conta, antes e depois de quase todas as viagens apostólicas – e também no dia seguinte à eleição no conclave de 2013. Vinha aqui agradecer, sempre diante da imagem de “Salus Populi Romani” – em português, “Salvação do Povo Romano”.

“É uma virgem que tem um olhar que cura. Parece um olhar, digamos, exageradamente aberto para curar", refere Ana Luísa Prego. "Segundo a tradição, foi pintada pelo evangelista São Lucas.” As origens do nome da capela datam "do ano 800 e qualquer coisa, 900", explica a irmã, quando "um dos papas faz um grande pedido de libertar Roma da peste, e Roma foi libertada da peste.”

Na basílica, Francisco quis despedir-se “junto do povo”

Depois de sair do hospital, Francisco ainda passou por esta capela para rezar várias vezes – a última foi a 12 de abril deste ano, no dia antes do domingo de ramos. “Talvez Francisco não tenha dito, mas tenha sentido que estava a chegar o momento da partida. E quis passar os últimos momentos no meio do povo, no meio do seu rebanho, como pastor”, acredita a freira franciscana.


É precisamente ao lado desta capela (onde há quem acredite que Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus a que pertencia o Papa, tenha celebrado missa) que se espera que fique Francisco. De acordo com o testamento, será sepultado no chão, com um túmulo simples, sem decorações especiais e apenas com a palavra “Franciscus” inscrita.

O local, agora ainda tapado a gesso cartonado, já atrai a atenção de muitos dos visitantes – mais até do que o Santo Berço (que se acredita ter estado na manjedoura de Cristo), a enorme estátua de Pio IX ou o túmulo de Bernini, artista barroco italiano.

Para a irmã Ana Luísa Prego, este é apenas o início de um novo capítulo para o turismo católico em Roma. “Pelo menos nos primeiros tempos, todos querem vir à tumba do Papa, isso tenho quase a certeza. Com certeza, será [um novo ponto turístico]”, remata.


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