“Há cada vez mais nomes estrangeiros”. Imigrantes são quase um quarto dos funerais solitários em Lisboa

Caixões que nunca se abrem descem à terra acompanhados apenas por voluntários, nos cemitérios de Lisboa. No espaço de um ano, 171 pessoas foram sepultadas sem familiares ou amigos na capital. Em cada quatro, uma tinha nome estrangeiro. Mas a solidão não se escreve apenas nas campas: todos os anos, a PSP encontra perto de 250 pessoas mortas sozinhas em casa. No ano que corre, a tendência é já de ligeiro aumento.

17 out, 2025 - 06:00 • Beatriz Lopes (reportagem) , Diogo Camilo (gráficos) , Diogo Casinha (sonorização)



Funeral de Manuel, um idoso deixado à terra sem a presença de família, vizinhos ou amigos. Foto: Beatriz Lopes/RR
Funeral de Manuel, um idoso deixado à terra sem a presença de família, vizinhos ou amigos. Foto: Beatriz Lopes/RR

Ouça a reportagem de Beatriz Lopes, com sonorização de Diogo Casinha. Os First Breath After Coma cederam a música “I Don’t Want Nobody”, incluída neste trabalho.

Só se ouve o vento. O vento e o golpe seco das enxadas a cortar a terra. Durante dois minutos e meio, o silêncio é absoluto no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa. Até o caixão ficar coberto, não se ouve qualquer choro, qualquer murmúrio, apenas o vai-e-vem das pás a cobrir a urna de Manuel - um idoso deixado à terra sem a presença de família, vizinhos ou amigos. Mas não inteiramente só: alguém apareceu para garantir que não fosse apenas mais um corpo entregue ao silêncio.

“Com o sentimento de que fizemos aquilo que era necessário para garantir que esta pessoa esteve bem e que vai bem, para onde quer que se acredite que as pessoas vão”, comenta Bruno Caldeira, psicólogo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Manuel vivia do pouco que tinha. O rendimento chegava-lhe para pagar o quarto modesto onde passava os dias, suficiente para manter a autonomia. Viúvo, com o único filho internado, morreu de forma súbita na rua. “O corpo acabou por ser encaminhado para o Instituto de Medicina Legal”, recorda Bruno Caldeira.

Ao lado, Vera Rola, assistente social da mesma instituição, recompõe a memória dos últimos dias: “Nesta fase, ia visitar o filho ao hospital diariamente. Continuava autónomo - fazia a sua higiene, preparava as suas refeições.”

No último adeus, restaram Bruno e Vera. Conheciam-lhe o rosto e a cadência dos dias. Não é o primeiro funeral que acompanham nestas circunstâncias. Nem será o último.


"Sempre que possível, fazemos este trabalho até ao fim e acompanhamos as pessoas neste momento também”, conta Bruno Caldeira, psicólogo, que apareceu no funeral de Manuel para garantir que não fosse apenas mais um corpo entregue ao silêncio. Foto: Beatriz Lopes/RR
"Sempre que possível, fazemos este trabalho até ao fim e acompanhamos as pessoas neste momento também”, conta Bruno Caldeira, psicólogo, que apareceu no funeral de Manuel para garantir que não fosse apenas mais um corpo entregue ao silêncio. Foto: Beatriz Lopes/RR

“Faz parte do acompanhamento. Sempre que possível, fazemos este trabalho até ao fim e acompanhamos as pessoas neste momento também”, explica o psicólogo.

Com mais de duas décadas de trabalho junto dos mais vulneráveis, Bruno Caldeira diz ter aprendido a relativizar a ausência no momento da morte. Para o psicólogo, há silêncios que pesam mais do que o de hoje. “Incomoda-me mais a solidão em vida do que a solidão da morte. Embora um funeral desacompanhado mexa connosco, acho que a solidão em vida é um problema maior.”

O funeral solitário de Manuel é apenas um entre milhares. Desde 2004, a Irmandade da Misericórdia e de São Roque já acompanhou 2.941 funerais de pessoas que morreram sozinhas em Lisboa. Nos últimos cinco anos, o número anual tem oscilado entre 150 e 230, mantendo-se estável em torno das duas centenas. Entre outubro de 2024 e outubro de 2025, foram 171 funerais, cada um marcado pela ausência de familiares ou amigos.

O que acontece em Lisboa é reflexo de uma realidade mais ampla. Nas zonas urbanas, a Polícia de Segurança Pública (PSP) é chamada sempre que alguém é encontrado morto sozinho em casa — muitas vezes depois de dias sem que ninguém tivesse dado pela falta.


Todos os anos, a PSP encontra perto de 250 pessoas nestas circunstâncias. Só no primeiro semestre de 2025, já foram registadas 167 ocorrências, sinal de uma ligeira tendência de aumento.

Bruno Caldeira recorda um dos funerais solitários que mais o impressionou: “Um homem que ainda não tinha 40 anos. E tinha família. A família sabia que ele ia ser enterrado e não apareceu ninguém. A solidão não é só um problema dos idosos.”

“Um amigo de última hora”: o voluntário que não deixa ninguém sozinho

Na capela do cemitério, ainda antes do enterro, entra José Ferreira Martins com uma gerbera branca na mão. O gesto simples e o gosto de falar de tudo e de nada quebram a frieza da espera. Aos 83 anos, reformado e antigo comandante da Marinha, é voluntário da Irmandade da Misericórdia e de São Roque desde 2009. Explica com serenidade o motivo que o traz: “Não quero que mais ninguém vá sozinho enquanto eu puder vir.”

A urna é colocada diante do altar. Começa a celebração das exéquias num espaço demasiado grande para tão pouca gente: apenas três presenças — Bruno Caldeira, psicólogo da Santa Casa, Vera Rola, assistente social, e José, voluntário. O diácono quebra o silêncio com orações breves. Não há cânticos, nem assembleia a responder. As palavras sobem as paredes vazias e regressam-lhe às mãos em eco, como se rezasse consigo mesmo.


Aos sete anos, José viu a estampa do funeral de Mozart. “Uma carreta com um cão atrás e ninguém a acompanhar. Achei aquilo completamente chocante e nunca mais me esqueci. Eu não quero que ninguém vá com o cão atrás”, explica o voluntário. Foto: Beatriz Lopes/RR
Aos sete anos, José viu a estampa do funeral de Mozart. “Uma carreta com um cão atrás e ninguém a acompanhar. Achei aquilo completamente chocante e nunca mais me esqueci. Eu não quero que ninguém vá com o cão atrás”, explica o voluntário. Foto: Beatriz Lopes/RR

À saída da capela, José explica por que razão aceitou esta missão, que considera uma das tarefas mais discretas e necessárias da Irmandade: garantir que nenhum funeral decorra sem presença humana.

“Alguém que faz o papel de amigo. Que chegou à última hora, mas faz esse papel. A pessoa [que morreu] certamente gostou da minha presença e eu acredito que tenho muitos amigos lá em cima”, partilha.

Fala sobre o tema com a mesma naturalidade com que descreve o quotidiano. A decisão de nunca deixar ninguém partir sozinho carrega a marca de uma lembrança antiga: aos sete anos, em casa da avó, viu a estampa do funeral de Mozart. “Uma carreta com um cão atrás e ninguém a acompanhar. Achei aquilo completamente chocante e nunca mais me esqueci. Eu não quero que ninguém vá com o cão atrás.”

O passado cruza-se com o presente e devolve-lhe sempre a mesma pergunta. “Não temos um único amigo? Não temos alguém que nos acompanhe? É uma degradação, uma humilhação total — o limite máximo do isolamento e da solidão. Aquele instante em que descemos à terra e não há ninguém para pensar em nós, para se despedir. É isso que me dói mais.”


A voz, até aí firme, oscila quando fala dos funerais de crianças. Recorda como custa ver uma urna tão pequena, como se a vida tivesse acabado antes mesmo de começar. “Há casos que me comovem sempre, quando são crianças. Muitas vezes são prematuros. Faz-me sempre muita impressão, porque aquela vida não chegou a ser vida. É muito triste.”

Para José, tudo se resume a uma palavra: dignidade. Acompanhar quem parte é, acredita, uma forma de devolver humanidade a quem já tinha sido esquecido em vida. “É dar dignidade àquela pessoa, não a deixar naquela situação de total abandono por não ter ninguém. Nós nascemos normalmente acompanhados pela família. Porque é que havemos de morrer sozinhos? Não faz sentido.”

E conclui com amargura, ao falar da solidão que tantas vezes testemunha. “Sabe o que é triste? É chegar aqui e não haver ninguém. Parece-me que só aparecem quando há herança — se houver alguma conta bancária.

Os coveiros do silêncio

No final da celebração das exéquias, os funcionários da agência funerária da Boa-Hora erguem o caixão e levam-no de volta ao carro. Não há cortejo a pé, como noutros funerais. Todos seguem de carro até ao campo de sepulturas. À chegada, quatro coveiros municipais aguardam com enxadas e cordas. Nenhum deles conhece o homem que vão enterrar, mas todos sabem de cor os gestos que se seguem.


“O silêncio é uma forma diferente de se dizer aquilo que se diz com o choro. O importante é que a partida foi acompanhada”, considera o psicólogo Bruno Caldeira. Foto: Beatriz Lopes/RR
“O silêncio é uma forma diferente de se dizer aquilo que se diz com o choro. O importante é que a partida foi acompanhada”, considera o psicólogo Bruno Caldeira. Foto: Beatriz Lopes/RR
"Nós nascemos normalmente acompanhados pela família. Porque é que havemos de morrer sozinhos? Não faz sentido”, lamenta o voluntário José. Foto: Beatriz Lopes/RR
"Nós nascemos normalmente acompanhados pela família. Porque é que havemos de morrer sozinhos? Não faz sentido”, lamenta o voluntário José. Foto: Beatriz Lopes/RR


A alguns metros da campa, o diácono Vasco Rebelo, 67 anos, ergue a voz.

“Para quem acredita e tem fé, é um até já, até um dia destes. Para quem não acredita, é o adeus definitivo. Mas nós somos pessoas de fé e acreditamos que um dia destes lá nos vamos reencontrar com o nosso irmão. (…) Dai-lhe, Senhor, o eterno descanso entre o esplendor da luz perpétua, e a sua alma e a alma de todos os fiéis defuntos, pela misericórdia de Deus, descansem em paz.”

Termina a oração e começa o trabalho. A terra cai em golpes compassados, o som seco das pás a cobrir a urna até desaparecer. Só Bruno Caldeira se aproxima da sepultura e permanece junto ao caixão até ao fim. Vera Rola observa de longe. O voluntário José Ferreira também se mantém afastado.

O silêncio é uma forma diferente de se dizer aquilo que se diz com o choro. O importante é que a partida foi acompanhada”, diz o psicólogo.

À volta da campa, os quatro coveiros trabalham em silêncio. Puxam, levantam, atiram — e calcam, até que o caixão desaparece sob a terra batida. São sempre quatro para cada enterro, um ritual repetido várias vezes por semana. O mais novo é Cláudio Pereira, 30 anos, há apenas um ano no cemitério. “Fazemos muitos funerais destes, em que não aparece ninguém. É muito recorrente", conta. "São funerais completamente em silêncio, não há família, é só mesmo os agentes funerários, os coveiros e uma pessoa responsável da Santa Casa”, conta.


Este trabalho "é pesado, mas também nos faz pensar na vida”, partilha o coveiro Cláudio Pereira, de 30 anos. Foto: Beatriz Lopes/RR
Este trabalho "é pesado, mas também nos faz pensar na vida”, partilha o coveiro Cláudio Pereira, de 30 anos. Foto: Beatriz Lopes/RR

Recorda que o início foi mais difícil: “Nas primeiras semanas foi um bocadinho estranho, depois começamos a habituar-nos. Mas às vezes é muito emocional. Temos de nos conter, porque também não é fácil. Podíamos ser nós.

No pescoço, em letras cursivas, tatuou uma frase curta: “Tudo passa.” Não é apenas uma marca na pele, é um lema que repete para si próprio e que diz guiar a sua vida.

“É uma das minhas frases de vida. Pode acontecer mil e uma coisas, mas vai passar sempre. É também assim que tento olhar para este trabalho. É pesado, mas também nos faz pensar na vida”, explica.

Imigrantes representam mais de 20% dos funerais de pessoas sem família

Nos funerais de pessoas que partem sozinhas em Lisboa, cerca de um em cada quatro é de um imigrante. “Há cada vez mais pessoas com nomes estrangeiros. Entre 20% e 25% têm nome estrangeiro”, indica Ana Cristina Frias, mesária da Irmandade da Misericórdia de São Roque e voluntária nos funerais. “Alguns são nomes muito estranhos, presumimos que nem sequer serão dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), porque têm nomes que mal se conseguem pronunciar”, acrescenta.


“Quando são estrangeiros, através das embaixadas é perguntado à família se querem vir levantar os corpos. Não acontece nunca", conta o provedor da Irmandade da Misericórdia de São Roque. Foto: Beatriz Lopes/RR
“Quando são estrangeiros, através das embaixadas é perguntado à família se querem vir levantar os corpos. Não acontece nunca", conta o provedor da Irmandade da Misericórdia de São Roque. Foto: Beatriz Lopes/RR

O aumento acompanha a chegada de estrangeiros ao país, mas também expõe a fragilidade em que muitos vivem. “Estas pessoas não têm alojamento ou vivem em condições muito precárias, o que proporciona muitas doenças”, observa Ana Cristina Frias.

O provedor da Irmandade confirma que os casos de imigrantes são também os mais difíceis de resolver. “Quando são estrangeiros, através das embaixadas é perguntado à família se querem vir levantar os corpos. Não acontece nunca, porque o preço para levar o corpo, quer para a Europa de Leste quer para África, é tão caro que não acontece”, nota Mário Pinto Coelho. Assim, ficam sepultados em Lisboa, acompanhados apenas pelos voluntários.

A Irmandade da Misericórdia de São Roque acompanha funerais de pessoas que morrem sozinhas desde 2004. A prática começou com uma irmã que se voluntariava para estar presente nos funerais de vítimas da SIDA, muitas vezes rejeitadas pelas famílias, e foi depois alargada a todos os casos de solidão. Desde então, já foram acompanhados 2.941 funerais de pessoas sem família.

O perfil de quem parte sozinho é diverso, mas há traços comuns: predominam os homens adultos, muitos em situação de sem-abrigo ou vulnerabilidade extrema, frequentemente com histórico de doença, pobreza ou consumo de álcool e drogas. As mulheres surgem em muito menor número, porque, como nota Ana Cristina Frias, “têm outros recursos, podem estar na prostituição, por exemplo”.


Há também idosos, quase sempre marcados pelo isolamento e pela ausência de rede familiar. E, em número menor, crianças — por vezes recém-nascidas. “Muitas vezes as mães sabiam que a criança ia nascer morta e davam moradas falsas para não terem de pagar o funeral. Por vezes ficavam a assistir de longe, escondidas, no talhão das crianças”, recorda o provedor.

Chegam também corpos cuja identificação nunca é possível — pessoas recolhidas no mar ou encontradas em circunstâncias que impedem até de determinar o sexo.

Ana Cristina diz que lhe “custa perceber a indiferença” perante quem vive na rua. “Acho estranho as pessoas não se questionarem sobre o futuro dessas pessoas. O que vai ser delas? Se morrerem, quem é que vai tratar delas?”, comenta. E conta como procura ensinar os netos a olhar de frente para essa realidade. “Quando passamos por alguém na rua, digo-lhes para perguntarem o nome e dizerem o deles. É uma forma de quebrar a solidão, de mostrar que aquela pessoa existe.”

Apesar da solidão, há histórias de humanidade. “Um senhor alugou um quarto a uma pessoa que morreu lá. Quando soube do funeral, descobriu também que o falecido tinha um filho e ligou-lhe. Mas o filho disse que não estava interessado. No dia do funeral, foi o próprio senhorio quem acompanhou o inquilino”, conta Mário Pinto Coelho.

Todos os anos, a 17 de outubro, no âmbito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a Irmandade celebra uma missa especial por aqueles que morreram sozinhos. “Colocamos todos os nomes em escaparates e rezamos por eles. Não é para fazer publicidade ao que fazemos, é mesmo para dar ideias a outras cidades para fazerem o mesmo”, conclui o provedor.


Uma solidão que atravessa o país: “Este ano os números poderão subir”, avisa PSP

Nos últimos três anos, a Polícia de Segurança Pública registou 761 mortes sem assistência médica — casos em que as pessoas são encontradas mortas sozinhas, sem que um médico consiga atestar a causa do óbito.

Foram 258 em 2022, 238 em 2023 e 265 em 2024. Só no primeiro semestre deste ano, há já 167 ocorrências, o que poderá indicar uma ligeira tendência de subida.

“O número tem-se mantido relativamente estável, mas este ano poderá subir”, reconhece o subintendente Sérgio Soares, porta-voz da PSP. “Se a tendência do primeiro semestre se mantiver, poderemos terminar o ano com um ligeiro aumento.”


Segundo o subintendente, a maioria das vítimas tem mais de 65 anos, vive sozinha e em situação de isolamento geográfico ou social. Cerca de 60% são homens. “O grosso destas situações são idosos encontrados em casa, em isolamento. Muitos vivem sozinhos, sem acompanhamento familiar ou institucional. Começamos também a ter alguns casos de imigrantes e pessoas em situação de sem-abrigo, maioritariamente de nacionalidade portuguesa.”

Normalmente, o silêncio é o primeiro sinal de alerta. “Na maioria dos casos, o aviso é dado por vizinhos ou familiares que deixaram de ver a pessoa há dias”, explica Sérgio Soares.

Nos bastidores destes números há também um trabalho de prevenção. Todos os anos, a PSP realiza a operação “A Solidariedade Não Tem Idade — A PSP com os Idosos”, que visa identificar e acompanhar casos de vulnerabilidade. Este ano, os agentes sinalizaram 559 idosos, dos quais 391 apresentavam risco social e 481 tiveram de ser encaminhados para instituições de apoio. “Falamos de situações de isolamento, falta de alimentação, de medicação, de salubridade ou até de violência doméstica”, detalha o subintendente.

Mas Sérgio Soares lembra que este combate não pode ser travado apenas pelas forças de segurança. A solidão, diz, é uma responsabilidade de todos, e pequenos gestos podem fazer a diferença.onamos a autoridade de saúde e, se não houver certificado médico, o corpo é encaminhado para o Instituto de Medicina Legal.”


Este ano, a PSP sinalizou 559 idosos em situação de vulnerabilidade, dos quais 391 apresentavam risco social e 481 tiveram de ser encaminhados para instituições de apoio. Foto: PSP
Este ano, a PSP sinalizou 559 idosos em situação de vulnerabilidade, dos quais 391 apresentavam risco social e 481 tiveram de ser encaminhados para instituições de apoio. Foto: PSP
“Falamos de situações de isolamento, falta de alimentação, de medicação, de salubridade ou até de violência doméstica”, detalha o subintendente Sérgio Soares. Foto: PSP
“Falamos de situações de isolamento, falta de alimentação, de medicação, de salubridade ou até de violência doméstica”, detalha o subintendente Sérgio Soares. Foto: PSP


“É importante que os vizinhos e familiares estejam atentos, que acompanhem com um ‘bom dia’, com o simples gesto de verificar se a pessoa tem os seus mecanismos para continuar a viver sozinha: a alimentação, a higiene, os cuidados básicos assegurados. E, quando isso não é possível, informar as equipas de apoio social das juntas de freguesia, que estão mais próximas das populações”, sublinha.

A atenção dos vizinhos é importante, mas também não chega. O porta-voz da PSP defende que é preciso um compromisso mais amplo — das instituições e do Estado.

“O que estamos a fazer aqui hoje não é muito habitual — é trazer o tema ao debate público”, afirma. “Não queremos deixar que pessoas morram sozinhas, isoladas, sem assistência médica e sem o apoio que todos acreditamos que a sociedade, e o Estado em particular, devem garantir. Porque são pessoas que já deram muito à nossa sociedade. Devemos acompanhá-las e dar-lhes a melhor dignidade e humanismo possível até aos seus últimos dias.”


“Não queremos deixar que pessoas morram sozinhas, isoladas, sem assistência médica e sem o apoio que todos acreditamos que a sociedade, e o Estado em particular, devem garantir", sublinha o porta-voz da PSP. Foto: PSP
“Não queremos deixar que pessoas morram sozinhas, isoladas, sem assistência médica e sem o apoio que todos acreditamos que a sociedade, e o Estado em particular, devem garantir", sublinha o porta-voz da PSP. Foto: PSP

No Alto de São João, a campa de Manuel está agora tapada. Os coveiros pousam as enxadas. O vento continua a atravessar o cemitério, como no início. Dois minutos e meio de silêncio transformam-se na última memória de um homem que partiu sozinho.

Cláudio Pereira, que aprendeu a “conter as emoções” no trabalho e assistiu a “muitos arrependimentos de familiares”, deixa um pedido simples: “Amem-se mais. Deixem-se de guerras, de chatices, porque quando vimos parar aqui somos todos iguais.”

Bruno Caldeira, psicólogo que acompanhou Manuel em vida e na morte, acrescenta: “Que se preocupem em vida com o garantir que as pessoas não estão sós. Preocupem-se com o outro, vejam quem está sozinho e tentem ir ao encontro dessas pessoas. Porque a morte, ou o funeral, é apenas um momento. É triste quando é só — mas é mais triste ainda quando é o fim de uma vida de solidão. Enquanto cá estamos é que temos de fazer alguma coisa.”


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