Uma "vida cheia de episódios" e "figuras tristes" deu um roast. Rui Reininho tentou "sair com elegância"

Sete humoristas juntaram-se para "apertar" o cantor num roast de homenagem. O local não podia ser mais propício: o Casino Solverde, em Espinho, um dos epicentros da crise política que nas últimas semanas abalou o país. Rui Reininho deu o peito à maledicência, mas a “baixa política” também saiu chamuscada.

09 mar, 2025 - 23:48 • Miguel Marques Ribeiro



Rui Reininho completou 70 anos em fevereiro. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Rui Reininho completou 70 anos em fevereiro. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR

Mas o que é isto? "Rui Reininho teve o mérito de conseguir ser um dos mais icónicos vocalistas portugueses sem saber cantar"? Estaremos a ouvir bem?

“A tua voz lembra-me uma vaca a caminho do matadouro”, completa Jel, resoluto, na direção do vocalista dos Grupo Novo Rock (GNR), no palco do Casino Solverde, em Espinho.

A plateia, à pinha, ri às gargalhadas. Veio assistir ao espetáculo Roast Rui Reininho, e quanto mais o cantor sair esturricado, melhor.

Tio Jel, também conhecido como membro dos Homens da Luta, não é um lone wolf, um atirador solitário. O pelotão de vexamento é constituído por outros seis comediantes que, à vez, se levantam dos seus sófas, colocados do lado oposto ao do cantor, e sobem ao palanque para destratar, de todas as formas possíveis, o intérprete de “Dunas”, “Pronúncia do Norte” ou “Efetivamente”, e de tantos outros êxitos que marcaram a música portuguesa das últimas décadas.

Na boca viperina de Rui Xará, o Rui Reininho elevado a 'Rei' Reininho por ocasião dos seus 70 anos, comemorados a 28 de fevereiro, torna-se num "homem portador de doenças" devido aos excessos com alcool e drogas cometidos na juventude.


Da esquerda para a direira: Rui Xará, Francisco Menezes, Jel, Joana Gama, Manuel João Vieira e Rui Zink, assistem ao roast de Óscar Branco a Rui Reininho (ambos fora do plano). Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Da esquerda para a direira: Rui Xará, Francisco Menezes, Jel, Joana Gama, Manuel João Vieira e Rui Zink, assistem ao roast de Óscar Branco a Rui Reininho (ambos fora do plano). Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR

O “Frank Sinatra do norte, o Carlos do Carmo de Leça”, como lhe chamou Rui Zink, o verdadeiro animal de palco, expoente máximo do glamour nacional, recebe com paciente resignação, o pedido de Joana Gama para não dançar. “Trazes-me más memórias, a minha filha tem epilepsia”.

Manuel João Vieira, de viola nas mãos, canta a sua versão de “Dunas”. O tom é gozão, abrasileirado. A plateia gosta. Um pouco antes, Francisco Menezes também tinha caricaturado os dotes vocais do conterrâneo, enquanto Óscar Branco, que conheceu ainda muito jovem o cantor natural do Porto, na época das “festinhas de garagem”, recordou os cigarros de "ervas aromáticas" fumados em conjunto.

"Melhor do que ir ao psicanalista"

A natureza do roast é mesmo essa, a de dizer “mal das pessoas na cara, porque gostamos dela”, explica Rui Xará, mestre de cerimónias do evento. Esta comédia do mal dizer “é acima de tudo uma homenagem e não vais homenagear uma pessoa que não o merece”, sublinha.


A pessoa leva, leva e depois tem que sair com elegância - Rui Reininho

“É um momento de liberdade, mesmo”, concorda Rui Reininho, numa conversa mantida com a Renascença nos camarins, horas antes de ser assado na grelha aquecida pelos sete companheiros de espetáculo.

“É preciso ter poder de encaixe”, confessa, para depois comparar o embate que o esperava em palco com um combate de boxe. “Sempre achei muito estranho como é que alguém que leva duas enfardadelas, uma das quais mesmo no meio do focinho e vai outra vez combater. Estes 'assados' também são assim. A pessoa leva, leva e depois tem que sair com elegância”.


Rui Zink é mais cáustico: “É uma queima da velha. O Rui Reininho tem 70 anos, portanto é o que é, mas isto é algo que sempre existiu em várias culturas. Na Irlanda, nos Estados Unidos, obviamente, mas também em Portugal. Sempre foi a tradição carnavalesca de lavar a roupa suja e, ao lavar a roupa suja, ao insultar, umas vezes com vontade, outras vezes apenas por brincadeira, aliviamo-nos todos. É melhor do que ir ao psicanalista”. Para o professor e escritor, "a regra é só uma: não pode haver elegância nem bom gosto. É mesmo para a canelada. Tem de ser um jogo à antiga em que as pessoas partem as pernas uns aos outros."

Gargalhada com bicada

O vocalista dos GNR tenta não se levar demasiado a sério. “Eu costumo dizer que não preciso de outras pessoas para me humilharem, tenho jeito para fazer eu próprio e fazer figuras tristes também”, atira.

Rui Xará garante que o músico não impôs qualquer limite às piadas de que iria ser alvo, algo que os convidados fazem normalmente neste tipo de eventos. “Normalmente, há um disclaimer do homenageado. O Rui não pediu nada. Podemos falar de tudo”.


Um bom espetáculo é fazer com que as pessoas se riam e, portanto, para mim, vale tudo - Joana Gama

Para Joana Gama, esse espaço de liberdade é fundamental. “Eu valorizo, acima de tudo, um bom espectáculo. Um bom espetáculo é fazer com que as pessoas se riam e, portanto, para mim, vale tudo". Já Oscar Branco impõe alguns limites: “não me agrada o insulto pelo insulto”, garante.

A relação de admiração com o homenageado, porém, tem de estar sempre presente. É "fundamental gostarmos muito do Rui Reininho e gostarmos muito uns dos outros”, defende Rui Zink.


Joana Gama no palco do Roast Rui Reininho. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Joana Gama no palco do Roast Rui Reininho. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Manuel João Vieira apresentou-se como candidato à presidência da República. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Manuel João Vieira apresentou-se como candidato à presidência da República. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR


A ideia, diz Jel, é “provocar a gargalhada, com uma bicada”. E a personalidade de Reininho facilita o trabalho dos roasters. "É uma pessoa que tem uma vida com arestas, o que é bom para o roast. Nem toda a gente é boa para o roast. Há pessoas sem graça nenhuma, sem erros, sem trambolhões. Reininho tornou a sua vida cheia de episódios e isso em Portugal não é muito bem visto. Para o roast é o ideal", explica.

O “perfil da pessoa” é o mais importante, garante Joana Gama. No caso de frontman dos GNR, trata-se de “ um homem muito completo, muito culto, muito interessado e com um grande sentido de humor”, o que faz aumentar a curiosidade por um lado mais privado do músico.

"É uma popstar desde os anos 80 num país que sempre teve poucas. É um indivíduo carismático. Alguém por quem tenho uma imensa admiração", completa Rui Zink.

A política contaminada pelo humor

O evento realizou-se num local que tem estado em destaque nas manchetes noticiosas. O Grupo Solverde manteve até há poucos dias uma avença com a empresa familiar do primeiro-ministro, uma confusão entre interesses privados e políticos que pode atirar o país para eleições antecipadas.


Quando o Rui Zink soube que estavam a distribuir avenças, como bom intelectual de esquerda, pôs-se logo a caminho - Tio Jel

Na entrevista à Renascença, Rui Reininho confessou-se "bastante distante" dessas “tricas” de “baixa política”, mas durante o espectáculo o assunto não passou despercebido.

Jel declarou-se satisfeito por se encontrar no “escritório do primeiro-ministro”. O humorista distribuiu alfinetadas pelos sócios de painel, com alusões ao caso que envolve Luís Montenegro: "Quando o Rui Zink soube que estavam a distribuir avenças, como bom intelectual de esquerda, pôs-se logo a caminho", proclamou. E sobre Joana Gama disse: "Com uma avançazinha vinhas a Espinho todas as semanas".


A acutilância política dos humoristas estendeu-se a outras áreas. Em palco estavam três candidatos, como sublinhou Rui Xará: Jel, candidato nas eleições autárquicas ao município de Cascais, Manuel João Vieira, candidato à Presidência da República e ainda, acrescentou Xará, Rui Zink, candidato ao prémio Nobel da Literatura.

Manuel João Vieira, que ficou desiludido por não encontrar nos camarins cerveja e o famoso “camarão de Espinho”, apresentou em palco o lema da sua candidatura presidencial: "Temos de tornar Portugal grande outra vez". O músico apelou à recuperação do "grande tesão português" e apresentou uma proposta concreta para o país: a criação de “carros de bois elétricos”.


Já dei aqui uns abraços e creio que eles também tiveram gosto em vir enterrar-me - Rui Reininho

A realização do roast de um homem (Rui Reininho) no Dia Internacional da Mulher também não passou despercebido e Joana Gama admite ter sido convidada apenas “para cumprir a quota”. Em protesto e dirigindo-se a todas as mulheres da sala, afirmou: “Nós não precisamos de flores. Nós precisamos de preliminares”.

"Viva a comédia!"

Política à parte, o importante é poder estar com os amigos em cima do palco, confessa o músico portuense. "Já dei aqui uns abraços e creio que eles também, embora façam disto profissão segundo o Xará, que é o nosso mestre de cerimónias, acho que eles tiveram gosto em vir enterrar-me, digamos assim. Morto, já estou. Agora só falta enterrar-me", afirma, entre gargalhadas.


Rui Reininho encerra o roast no Casino Solverde, em Espinho. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR
Rui Reininho encerra o roast no Casino Solverde, em Espinho. Foto: Miguel Marques Ribeiro/ RR

Reininho reconhece a admiração que sente pela comédia. "Viva a comédia! E viva a tragédia", exclama. Chegou mesmo a inscrever-se no curso de teatro do conservatório, quando ainda se sentiam os efeitos da turbulência pós-revolucionária, pós-PREC, mas depois optou pelo cinema, uma arte mais abstrata, não tão condicionada pela repetição.

"Eu sou uma pessoa séria, mas não sou um músico sério, que faz o que se chama música séria. Eu gosto muito deste mundo [da comédia]".

Quanto ao espetáculo, fica um desejo: "Acho sinceramente um pouco cansativo se for muito sobre mim, mim, mim. Mas conhecendo um pouco a arte destas criaturas, eu acho que eles terão a capacidade de se abstrair e de falar sobre um ‘eu’ que também não me pertence completamente, que é o do palco".


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