Autismo “não é um tabu”. A lição de Dinis, o mini-biólogo

Com 12 anos e milhares de seguidores, Dinis partilhou o seu diagnóstico de autismo nas redes sociais para ensinar e combater estigmas sobre o espectro. O número de casos tem vindo a aumentar a cada ano. Trata-se de sobrediagnóstico ou de uma maior consciencialização para os sinais?

20 mai, 2025 - 07:00 • Marta Pedreira Mixão , Beatriz Martel Garcia (sonorização)



Autismo “não é um tabu”. A lição de Dinis, o mini-biólogo
Autismo “não é um tabu”. A lição de Dinis, o mini-biólogo

Numa manhã nublada, encontramos Dinis Rocha no Parque da Paz, em Almada, onde o jovem procurava cobras. Foi com os olhos no chão, enquanto identificava todas as espécies que via, que explicou porque decidiu partilhar o seu diagnóstico de autismo. “Para ensinar as pessoas sobre o tema que ninguém conhece. As pessoas têm de ser sensibilizadas ao ponto de entenderem que não é uma coisa má, que não é um tabu, que não é nada assim estranho”.

Conta que estranhou o “feedback” tão positivo que recebeu, porque quando decidiu publicar o vídeo “estava receoso”. Quando lhe perguntamos porquê, responde prontamente: “O cyberbullying, não é?”

Dinis Rocha tem 12 anos, um entusiasmo contagiante quando fala de animais e sabe mais sobre eles do que a maioria dos adultos. Tem mais de 170 mil seguidores nas redes sociais e é conhecido como o “mini biólogo”. Mas o que muitos dos seus seguidores e colegas da escola só souberam mais tarde é que Dinis tem um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA).

Num tom que remete para a seriedade do tema, mas mantendo a energia de uma criança, conta como descobriu que estava no espectro do autismo. “Na verdade, não foram os meus pais. Havia umas pessoas na minha escola que gozavam com o autismo e, então, eles disseram ‘Fogo, Dinis, és autista também!’. E eles não sabiam...”.

Recorda que, ao chegar a casa vindo da escola, ainda antes de almoçar, perguntou: “Pai, eu sou autista?”. “Ele disse que sim e explicou-me o que era autismo e tudo. E eu falei com os meus amigos, tipo ‘isto não se faz’”, conta Dinis — quando rapidamente o seu pensamento é interrompido ao encontrar uma osga, “das maiores” que já viu.


"Havia umas pessoas na minha escola que gozavam com o autismo e, então, eles disseram ‘Fogo, Dinis, és autista também!’", conta o mini-biólogo. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
"Havia umas pessoas na minha escola que gozavam com o autismo e, então, eles disseram ‘Fogo, Dinis, és autista também!’", conta o mini-biólogo. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Nesse mesmo dia, quando chegou a casa, perguntou: “Pai, eu sou autista?” Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Nesse mesmo dia, quando chegou a casa, perguntou: “Pai, eu sou autista?” Foto: Marta Pedreira Mixão/RR


Uma alteração do neurodesenvolvimento

O autismo não é uma doença, mas uma alteração do neurodesenvolvimento — o que significa que as pessoas com este diagnóstico processam a informação de forma diferente, podendo comportar-se, comunicar, interagir e aprender de formas atípicas. Dinis, por exemplo, tem uma forma ligeira da condição, anteriormente chamada síndrome de Asperger.

O pai, Nelson Rocha, explica que o diagnóstico não alterou as suas vidas, apenas ajudou a compreender alguns dos comportamentos do filho. “Aquilo que houve foi uma compreensão da nossa parte, tipo: ‘ok, esta maneira de ele ser tem um nome, mas só isso.”

“Ele não gosta muito de regras. É óbvio que ele sabe que as regras fazem parte e têm de ser cumpridas e nós percebemos que há coisas que não é por falta de educação. São coisas que nós temos de entender a que se devem e ajudá-lo também a compreender que as coisas têm de ser feitas de uma determinada forma.”


O pai ajuda Dinis na procura por cobras.  Nelson Rocha explica que o diagnóstico não alterou as suas vidas, apenas ajudou a compreender alguns dos comportamentos do filho. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
O pai ajuda Dinis na procura por cobras. Nelson Rocha explica que o diagnóstico não alterou as suas vidas, apenas ajudou a compreender alguns dos comportamentos do filho. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR

Um espectro que se alarga

Nos últimos anos, verificou-se um aumento de casos de autismo a nível global. Em abril de 2025, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, divulgou um relatório no qual refere que, em 2022, cerca de uma em cada 31 crianças de 8 anos nos EUA foi diagnosticada com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Este número representa um aumento em relação a 2020, quando a taxa era de uma em cada 36 crianças.

E a que se deve este aumento? A síndrome de Asperger, por exemplo, em 2013 deixou de ser considerada um diagnóstico, tendo passado a ser incluída no espectro do autismo. Como na generalidade dos casos requer um apoio mínimo ou nulo é considerada um caso de autismo de “nível I”.

Este alargamento do espectro pode ser um dos factores que contribuiu para um aumento dos diagnósticos, mas não é o único motivo.

Miguel Castelo-Branco, médico e investigador, acredita que este aumento se deve à conjugação de vários factores: maior sensibilização, alargamento dos critérios de diagnóstico e aumento do diagnóstico em adultos.


Miguel Castelo Branco, médico e investigador, acredita que este aumento se deve à conjugação de vários factores: maior sensibilização, alargamento dos critérios de diagnóstico e aumento do diagnóstico em adultos.
Miguel Castelo Branco, médico e investigador, acredita que este aumento se deve à conjugação de vários factores: maior sensibilização, alargamento dos critérios de diagnóstico e aumento do diagnóstico em adultos.

“Diria que um grande número destes diagnósticos é o chamado autismo de diagnóstico tardio no adulto, em pessoas que têm claramente características de autismo, mas que, se calhar, no ensino secundário eram consideradas pessoas diferentes. Sofriam mais bullying, mas não tinham um diagnóstico claro.”

O investigador destaca ainda a questão do aumento dos diagnósticos em mulheres. “O autismo continua a ser muito mais frequente nos homens, mas tende a ser diagnosticado na proporção de quatro homens para uma mulher. Agora, tende a ser três homens para uma mulher. O autismo no feminino é muito diferente.” Em casos de nível I, por exemplo, as mulheres relatam uma maior pressão social que obriga ao mascaramento do autismo.

O diagnóstico continua a chegar tarde para algumas crianças — e ainda mais para adultos. Em Portugal, estima-se que cerca de 1% das crianças em idade escolar estejam no espectro, mas os números podem ser bem mais altos. Miguel Castelo-Branco sublinha a dificuldade de apurar os dados reais da incidência do autismo em Portugal, devido à falta de “estudos epidemiológicos em larga escala”.

Como é diagnosticado o autismo?

Não é possível identificar o autismo com análises ao sangue ou exames ao cérebro. O diagnóstico só pode ser feito através de observações do comportamento e entrevistas. “Não há nenhum marcador biológico de autismo que se tenha ainda descoberto”, o que, “obviamente, torna o diagnóstico mais difícil", defende o investigador, que tem um filho também no espectro do autismo.

Miguel Castelo-Branco destaca algumas características principais para o diagnóstico: comportamentos repetitivos, resistência à mudança, dificuldades nas interações sociais e emocionais, e, frequentemente, um padrão de atenção singular — hiperfoco em determinados temas e desatenção a outros.

A chave é, como diz o investigador, “saber aceitar a neurodiversidade”.


“Não há nenhum marcador biológico de autismo que se tenha ainda descoberto”, o que torna “o diagnóstico mais difícil", defende o investigador Miguel Castelo-Branco, que tem um filho também no espectro do autismo. Foto: Mário Cruz/Lusa
“Não há nenhum marcador biológico de autismo que se tenha ainda descoberto”, o que torna “o diagnóstico mais difícil", defende o investigador Miguel Castelo-Branco, que tem um filho também no espectro do autismo. Foto: Mário Cruz/Lusa

Agora, olhando para trás, o pai de Dinis recorda alguns sinais, que à data eram impossíveis de associar a um diagnóstico.

“Se tivéssemos algum conhecimento sobre o que era, mesmo que fosse uma coisa básica, já tínhamos sinais a que podíamos estar atentos e tentar despistar o que é que podia ser. A distração, a questão da alimentação, o hiperfoco, que é muito evidente...”

Para Dinis, atividades ligadas ao seu hiperfoco são a melhor parte do dia. “Eu tenho uma rotina completamente normal, sabes? Acordo, visto-me, vou para a escola, volto e pronto. É uma coisa completamente normal. Só que às vezes, vou à procura de bichos e é a melhor parte”.

Também treina jiu-jitsu e, como gosta muito de desenhar, quer lançar um livro de ilustrações, que não seria a primeira publicação — no fim de abril lançou o seu primeiro livro, “As Aventuras do Dinis - O Mini-Biólogo”.

“Eu desligo-me do mundo”

Curvado sobre o chão, enquanto procura répteis debaixo de uma pedra, Dinis explica como manter a atenção tem sido um desafio no percurso escolar. “É uma grande seca”, desabafa. “Se não gosto da escola, claramente que não gosto de TPCs. Isso é óbvio.”


Curvado sobre o chão, enquanto procura répteis debaixo de uma pedra, Dinis explica como manter a atenção tem sido um desafio no percurso escolar. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Curvado sobre o chão, enquanto procura répteis debaixo de uma pedra, Dinis explica como manter a atenção tem sido um desafio no percurso escolar. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
O modelo de ensino “está totalmente desajustado às crianças de hoje em dia”, considera o pai de Dinis. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
O modelo de ensino “está totalmente desajustado às crianças de hoje em dia”, considera o pai de Dinis. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR


Apesar de se queixar de “estar ali sentado só a olhar para o quadro, enquanto a professora escreve”, admite que gosta muito de desenhar, mesmo durante as aulas, e por isso Educação Visual é uma disciplina que considera “tolerável”.

De resto, diz que “é muito repetitiva a matéria”. “Por exemplo, a gramática, estar ali sentado a ouvir aquilo... O meu cérebro pára completamente de funcionar. Eu desligo-me do mundo”.

Inês Neto, a diretora pedagógica da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) de Lisboa, explica que, para estas crianças, a concentração pode ser um desafio complexo. “É muito difícil conseguir distinguir o que é a preguiça, o que é não querer fazer os trabalhos de matemática porque não apetece e o que são condicionamentos de uma rigidez ou condicionamento do hiperfoco associado ao autismo.”

“Não é por teimosia, não é por mania, não é por mimo — é muito frequente ouvirmos estas palavras —, é mesmo por uma condição do desenvolvimento”, salienta a diretora, assegurando que é “mesmo o espectro que faz com que estas crianças, jovens e adultos tenham extremas dificuldades em estar motivados para conteúdos fora do hiperfoco”.

O pai de Dinis refere que os professores nem sempre compreendem. “Os professores dele ou a escola dele, sabem todos que ele tem esta questão, mas não é por causa disso que deixam de falar alto", lamenta. "Eu sei que não é por mal...”


Inês Neto, a diretora pedagógica da APPDA - Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo de Lisboa, explica que para estas crianças a concentração pode ser um desafio complexo. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Inês Neto, a diretora pedagógica da APPDA - Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo de Lisboa, explica que para estas crianças a concentração pode ser um desafio complexo. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR

Nelson Rocha aponta a carga horária escolar como um dos maiores desafios para Dinis, mas refere que a escola – no ensino privado — colabora com algumas estratégias, permitindo desenhar ou ouvir “música para ter um bocadinho mais de tranquilidade”. Mas não é suficiente, sustenta, e por isso considera que o modelo de ensino “está totalmente desajustado às crianças de hoje em dia”.

Inclusão escolar: uma promessa por cumprir

A APPDA Lisboa recebe crianças, adolescentes, adultos, presta apoio às famílias, escolas e trabalha também a questão da inclusão. A associação acompanha diariamente centenas de crianças e jovens em escolas da região de Lisboa e a realidade é clara: turmas sobrelotadas, professores sem formação específica, técnicos com tempo limitado.

Nós começámos com o Centro de Recursos para a Inclusão (CRI) em 2008, mas antes já tínhamos vários projetos ao nível da educação”, recorda a diretora pedagógica, referindo que na altura tinham “bastante tempo para trabalhar com um grupo restrito de alunos” e articular com assistentes operacionais.

Apesar de reconhecer que “a legislação portuguesa de educação inclusiva é das melhores do mundo”, refere que, “depois, na prática, espalha-se ao comprido”. “Hoje em dia, as turmas estão com excesso de casos de alunos com autismo, estão com grupos muito diversificados, até do ponto de vista das nacionalidades.”


Duarte, vocalista da Banda The Ziguais, na APPDA. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Duarte, vocalista da Banda The Ziguais, na APPDA. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Sala de refeição na APPDA Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Sala de refeição na APPDA Foto: Marta Pedreira Mixão/RR


“A partir do momento em que nós aceitamos que a neurodiversidade existe, e que temos todos formas de funcionar diferentes, é um bocadinho ingénuo pensar que o modelo da escola de um professor a falar para 20 alunos vai servir a toda a gente. Porque não serve. Inclusão não é isto”.

Um dos exemplos que dá é o caso de jovens que estão na escola mas que têm autismo de nível III e que apenas conseguem estar em turma “com o acompanhamento de um adulto ao seu lado” para regular o comportamento, ajustar a atenção e “que quando são deixados sozinhos na turma, é quase um convite a que exista alguma situação menos positiva e menos ajustada do ponto de vista do comportamento”.


salas da APPDA Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
salas da APPDA Foto: Marta Pedreira Mixão/RR


Até ao final do primeiro ciclo, segundo a diretora pedagógica desta associação, a maioria das crianças no espectro consegue acompanhar o currículo. Mas a transição para o 2.º ciclo — mais professores, mais disciplinas, mais salas — é um ponto de viragem, considerando que, em alguns casos, o percurso na escola pode deixar de fazer sentido.

A APPDA tem o Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão (CACI), que funciona ao abrigo de acordos de cooperação celebrados entre a associação e o Centro Distrital de Lisboa da Segurança Social. Durante o dia, muitas crianças e jovens que integram o centro desenvolvem atividades que estimulam não só o bem-estar, mas também a valorização pessoal e integração social: desde educação física, exercícios de psicomotricidade, culinária, oficinas de comunicação e de expressão plástica, hortofloricultura, tecelagem e até aulas de música.


Sofia, jovem no espectro do autismo numa das salas da APPDA Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Sofia, jovem no espectro do autismo numa das salas da APPDA Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Sala de artes manuais na APPDA Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
Sala de artes manuais na APPDA Foto: Marta Pedreira Mixão/RR


Inclusão é conseguir que qualquer criança no espectro do autismo tenha um percurso educativo com significado. Se é a tempo inteiro na turma, ótimo, se for meio tempo na turma e meio tempo numa sala de apoio a fazer outro tipo de aprendizagens, ótimo. Se não for de todo numa escola, é para isso que existem soluções ainda de instituições”, defende Inês Neto, destacando o papel da escolaridade, principalmente “até aos 18 anos”.

“Mas a idade adulta é bastante longa e queremos ao máximo estimular a autonomia e independência de todos”, aponta, relatando que muitos jovens prosseguem os seus estudos em termos de ensino superior e que conseguem depois ter uma profissão muitas vezes relacionada com o seu hiperfoco. Mas cada caso é um caso.


O termo “espectro” reflecte a vasta gama de manifestações possíveis no autismo. E enquanto algumas pessoas com PEA podem ter boas capacidades de conversação, outras podem ser não-verbais. E algumas podem ser extremamente sensíveis a sons, ao toque ou a outros estímulos. E, apesar de existirem casos de autismo que não necessitam de qualquer apoio, outros requerem ajuda no dia-a-dia.

“Nós sabemos que as pessoas com autismo têm grandes dificuldades e temos vários níveis de funcionalidade. O meu filho tem dificuldades, mas isso não quer dizer que eu o veja como uma pessoa doente, passo a expressão, e há pessoas com autismo que são perfeitamente autónomas, têm a sua profissão, alguns até profissões altamente diferenciadas”, exemplifica o investigador Miguel Castelo-Branco.

“O autismo é uma condição médica que, nalguns casos, precisa de uma intervenção muito diferenciada, sobretudo quando há menos funcionalidade”, ressalva.

“Isto é como no futebol: o treino intensivo dá melhores resultados”

As causas do autismo não são claras e embora o autismo não tenha cura, há estratégias, terapias e intervenções que fazem uma grande diferença no desenvolvimento, bem-estar e autonomia de quem está no espectro.

“Isto é como no futebol: o treino intensivo, a reabilitação intensiva, dá melhores resultados e depois cada passo leva ao passo seguinte", explica Miguel Castelo-Branco. "O cérebro é muito mais plástico nestas idades mais pequenas e, portanto, a intervenção tem que começar o mais cedo possível.”

O investigador lidera projetos de investigação clínica em Coimbra que exploram novas abordagens terapêuticas, desde jogos em realidade virtual até neurofeedback, com o objetivo de treinar competências sociais, reduzir a ansiedade e promover autonomia.



“No adulto, uma pessoa altamente funcionante, se calhar o alvo terapêutico é diminuir a ansiedade social. Se estivermos a falar de uma criança com menos autonomia, se calhar o alvo terapêutico é melhorar o comportamento adaptativo e autonomia”.

Mas para chegar às terapias é necessário dar o primeiro passo e chegar a um diagnóstico — e o custo pode não estar ao alcance de todos. A diretora pedagógica da APPDA refere que o “acesso a um diagnóstico é caro", porque é difícil aceder através do Serviço Nacional de Saúde. No caso de “um adulto que até pode já ter o seu trabalho e a sua família”, ainda mais.

“Isto não é prioritário para o SNS e a única alternativa é as pessoas recorrerem a um diagnóstico privado, que é bastante dispendioso”.

“Para pais que não têm capacidade financeira deve ser muito difícil estarem a contar com o Serviço Nacional de Saúde”, aponta Nelson Rocha, pai de Dinis. “Deve demorar meses. Se uma consulta de psiquiatria já demora, um diagnóstico deve demorar muito tempo." E Nelson recorda que esse é apenas o primeiro passo, já que, "se precisarem de terapias, [de consultas] de psicologia... Não deve ser nada fácil”.

Os pais são o pilar de tudo, mas são também “os mais esquecidos”

Inês Neto sublinha que muitas famílias se anulam por completo para apoiar os filhos com autismo e raramente investem em si próprios. “Imaginemos uma família que investe em terapias e que tem uma vez por semana a terapia da fala, da psicologia e psicomotricidade para o seu filho. E de repente há uma almofada financeira que permite ter mais uma hora. A família nunca vai escolher que essa hora seja para eles, a maior parte das famílias vai escolher uma hora [de terapia] diretamente com o filho.”

O apoio para os cuidadores ainda não é reconhecido como essencial. “A saúde mental dos cuidadores em Portugal é negligenciada ao máximo. E porque há este foco em cuidar da criança, cuidar do jovem, 'eu resolvo-me'. Mas o facto de eu não estar bem vai depois afetar tudo o resto”, recorda a especialista.

O pai de Dinis considera o acompanhamento dos familiares também fundamental, explicando que, se fosse apenas para o filho, seria “quase estar a remar só para um lado.” “Temos acompanhamento de uma psicóloga para nos ajudar também a melhor o entender, é mais nesse sentido."

Autismo (já) não é um mundo à parte

Embora ainda exista um estigma associado ao autismo, há também cada vez mais pessoas a assumirem o diagnóstico, considerando-o até libertador.

"Há pessoas para quem o diagnóstico é uma revelação, que sempre se sentiram diferentes e que, de repente, “everything fall is in place”, como dizem os ingleses. De repente, fica tudo explicado. Afinal, aquela pessoa não é única no mundo, há outras que, como elas, têm um estilo cognitivo diferente e têm um estilo de enfrentar essas interações sociais de forma diferente", refere o investigador Miguel Castelo-Branco.

Anthony Hopkins foi diagnosticado com Asperger em 2014, Greta Thunberg também falou sobre o seu diagnóstico e David Byrne afirmou que se enquadra no espectro, sem referir se foi diagnosticado ou se se autodiagnosticou.


Inês Neto volta a destacar que a palavra “espectro” é fundamental. “Fala-se de um contínuo de manifestações, desde pessoas altamente funcionais até outras com total dependência.” E aponta a necessidade de validar os autodiagnósticos, muitas vezes feitos com base em questionários online, através da consulta com um clínico.

“Estes testes podem ser um excelente auxílio para quem está perdido, sem uma resposta para alguns dos seus comportamentos e algumas das dificuldades que tem durante ao longo da sua vida. Mas o uso sem controlo destes questionários é bastante negativo para quem efetivamente tem uma perturbação”, alerta a diretora pedagógica da APPDA.

Estes autodiagnósticos, refere, se não forem confirmados, podem alimentar uma perceção pública de que o autismo “não é assim tão grave”, contribuindo para o esquecimento das realidades de um “autismo nível III”, por exemplo.

Nos Estados Unidos, uma investigação sugere que um em cada quatro diagnósticos está dentro da categoria de “autismo profundo” — uma expressão que começa a ganhar força como forma de diferenciar casos de alta complexidade.


“As pessoas não sabem o que é e dizem que é uma doença, que é uma coisa má, só que não é”, desaba Dinis. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR
“As pessoas não sabem o que é e dizem que é uma doença, que é uma coisa má, só que não é”, desaba Dinis. Foto: Marta Pedreira Mixão/RR

"Dizem que é uma doença, que é uma coisa má, só que não é”

Ainda há quem veja o autismo como uma doença, quando para muitos é apenas uma forma diferente de estar no mundo. Dinis conta que não se autodiagnosticou, foi diagnosticado através do PIN – Partners in Neuroscience.

“Acho que os meus pais sabiam disto desde que eu estava no quarto ano, o que me deixa um bocadinho... é estranho", reflete. "Para mim é difícil perceber, porque as pessoas não sabem o que é isso e dizem que é uma doença, que é uma coisa má, só que não é”, conta.

Apesar de não ter encontrado cobras nessa manhã, Dinis não deu a missão como falhada e seguiu para outro parque. Não sem antes deixar um conselho.

“Procurem um diagnóstico. Não importa se vocês já são adultos, é sempre melhor saber, sabem?" Já para no caso das crianças, considera que é "sempre melhor" saberem mais cedo. E deixa ainda um pedido: "respeitem as pessoas que são assim, isso é importante.”


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