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Eunice Lourenço

Democracia, que democracia?

25 abr, 2014

A discussão entre a legitimidade da rua e a legitimidade do voto é antiga e nunca estará fechada. A discussão que mais importa fazer e que também passou pela Renascença esta semana é como regenerar os partidos que temos.

Passados 40 anos da Revolução  – quando o regime democrático se aproxima da idade que tinha a ditadura – Portugal precisa de debater a democracia. Esse foi um assunto que perpassou por vários dos discursos de mais um aniversário do 25 de Abril. Foi, aliás, o mais interessante dos discursos. Tudo o resto foram os previsíveis apelos ao compromisso e as previsíveis críticas ao Governo e à austeridade.

Assunção Esteves começou o seu discurso com uma defesa do Parlamento e do “consentimento do povo”. Parecia como que uma resposta directa à celebração paralela que decorria no Largo do Carmo.

“O acto de existência do Parlamento é ele mesmo uma continuada homenagem ao 25 de Abril”, disse Assunção Esteves, falando ainda no “mandato sagrado desta sala”. Mas, afinal, a presidente do Parlamento acha que o sistema democrático baseado em eleições está “velho” e que é preciso abrir mais espaço ao activismo cívico.

“Estamos longe do velho modelo de escrutínio simplesmente centrado em eleições periódicas. A representação não pode mais prescindir desses impulsos para que a democracia se cumpra. É a resposta necessária da democracia ao novo espaço público”, afirmou Assunção Esteves, ao mesmo tempo, que no Largo do Carmo, numa sincronização que parecia ensaiada, Vasco Lourenço também falava de impulsos cívicos.

“Chegou o momento de com toda a força a população dizer basta”, exclamou o antigo capitão de Abril, perante uma multidão que aplaudiu os seus apelos para que o Governo seja “apeado sem hesitação”.

E como se estivéssemos, de facto, num debate entre São Bento e o Largo do Carmo, o Presidente da República fez a seguir profissão de fé na democracia e no voto do povo.

“A democracia não é apenas o melhor dos regimes. A democracia é o único regime que salvaguarda os direitos fundamentais da pessoa humana. E, num regime democrático, só há um critério para definir a legitimidade dos governantes: o voto expresso nas urnas. É isso que distingue a democracia de uma ditadura. Foi isso que Portugal conquistou há 40 anos”, afirmou Cavaco Silva, que, no entanto, apelou a que os partidos estejam atentos à “insatisfação”, sobretudo dos jovens, e façam uma “reflexão urgente, mas serena” sobre o funcionamento do sistema político.

Num outro plano – já sobre a maturidade ou não da democracia – o líder parlamentar do PSD tinha mandado o recado ao líder do PS: “Numa democracia madura não há divergências insanáveis”, disse Luís Montenegro.

E, depois de ouvir todos os discursos da manhã, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, dizia na residência oficial que a democracia tem de ser “regada”, “tem de se reinventar a cada dia que passa”. E acrescentava: “Senão deixamos as nossas comemorações a cheirar a bafio.”

A discussão entre a legitimidade da rua e a legitimidade do voto é antiga e nunca estará fechada. E não parece ser esse o principal ponto que preocupa os portugueses.

Ainda esta semana, em entrevista ao programa Terça à Noite da Renascença, o historiador Rui Ramos destacou a forma como, apesar das críticas e insatisfações, os portugueses continuam a valorizar o regime e  a estabilidade política. Por isso, considerava, os extremismos não vingam e não tem havido espaço para o crescimento de novos partidos.

A discussão que mais importa fazer é como regenerar os que temos. E essa discussão fez-se também aqui esta semana na Renascença, no programa Falar Claro, onde Assunção Cristas e Fernando Medina deixaram alguma esperança no futuro dos partidos, na capacidade de ainda promoverem o mérito, de abrirem as portas a quem quer, de facto, contribuir para o bem comum e tentarem verdadeiramente dar resposta aos anseios e necessidades dos cidadãos que querem continuar a votar e a manifestar-se. Ou não.