A moda dos empréstimos obrigacionistas entre os clubes de futebol parece que veio para ficar. No início desta semana, foi o Benfica a lançar a subscrição de 55 milhões entre este ano e 2018. É a terceiro operação deste género dos três grandes em dois meses.
Estes investimentos rendem juros muito acima da média do mercado. Olhe-se para os três "grandes" do futebol português: o Sporting está a pagar 6,25% brutos, enquanto o FC Porto paga 5% e o Benfica 4,75%. Os valores líquidos são um pouco mais baixos.
Aliciante? Sim, mas o risco é proporcional. A
Renascença falou com Pedro Lino, especialista em mercados financeiros, que enquadra este tipo de investimentos e deixa um conjunto de conselhos.
Lino chama a atenção para as dívidas das sociedades anónimas dos três maiores clubes portugueses: "Estão tecnicamente falidos e por isso mais sujeitos a reestruturações."
Os três "grandes" têm lançado nos últimos dois meses um conjunto de empréstimos obrigacionistas. Em primeiro lugar, o que é um empréstimo obrigacionista?
É quando uma empresa precisa de dinheiro e, ao invés de ir aos seus accionistas, vai procurar esse financiamento junto de investidores e emite obrigações. A empresa fica com a obrigação de voltar a pagar o dinheiro que o investidor emprestou, acrescido de um juro. Daí a diferença entre obrigacionista e accionista. Porque o accionista é dono da empresa e às vezes faz suprimentos. Um obrigacionista não tem direito ao património, tem direito ao rendimento e ao capital que lá colocou.
Este tipo de investimento que envolve dinheiro e futebol rege-se pelos mesmos padrões de racionalidade?
Não. O investimento em clubes de futebol é muito mais emotivo e sentimental, tem mais a ver com a filiação no clube do que com um investimento racional, isto se olharmos para as contas. Para isso não é despiciendo que não haja casas de investimento que analisem os clubes de futebol e que dêem preços de referência. Se olharmos para os balanços dos clubes, eles tecnicamente estão falidos. Têm dívidas muito elevadas e dependem das jornadas de cada campeonato para que possam gerar receita. É um mercado muito específico que atrai os investidores pelas taxas de juro.
As taxas de juro que vemos nas emissões obrigacionistas dos três grandes são muito altas para a média do mercado. Como é que é possível fazer uma retribuição tão elevada? Como este é um negócio de maior risco, está associado a uma maior taxa de juro. O que os investidores têm de perceber é que sempre que existe uma emissão de obrigações ou uma empresa que paga uma taxa de juro superior isso quer dizer que o nível de risco é maior.
É o que acontece nos clubes: se olharmos para o balanço do Benfica no ano passado, o capital próprio era negativo (significa que se o clube fosse encerrado ainda ficava a dever dinheiro). Este ano, felizmente, já tem capital próprio positivo de 5,8 milhões de euros. Mas este é um exemplo muito interessante, porque tem um passivo total de 408 milhões para um capital próprio de apenas cinco milhões e pretende emitir ate 55 milhões.
É um negócio diferente do de uma empresa onde se consegue perspectivar a evolução futura da actividade. Neste caso, é um negócio que só ano a ano se consegue prever qual a actividade do clube.
Referiu as dívidas elevadas que os clubes têm, nomeadamente o Benfica. Quais é que são os riscos destas operações para os investidores? É que, em caso de dificuldades, o clube pode ver a sua dívida reestruturada, ou seja, [os investidores] podem ter colocado mil euros e de um momento para o outro o clube renegociar e pagar apenas 500 euros ao investidor. Existe um risco de reestruturação caso o clube não consiga vencer campeonatos ou gerar receitas suficientes. Este é um risco real, daí a taxa de juro elevada que tem de ser paga aos investidores.
Que conselhos daria aos investidores antes de investirem nestas obrigações?
Primeiro, lerem o prospecto resumido que foi publicado na CMVM – se bem que o prospecto total tem 125 páginas [no caso do Benfica], o que é algo muito fastidioso para qualquer um ler. Mas só por aí também se percebe que existe um capítulo substancial ligado aos riscos. O conselho é que os investidores coloquem só o dinheiro que não precisam, mas que mesmo assim coloquem uma muito pequena parte do seu capital em operações deste nível. Apesar de a taxa de juro ser elevada, o risco também o pode ser.
Os clubes de futebol parecem estar cada vez mais viciados neste tipo de operação. A CMVM devia apertar as condições em que permite estas iniciativas?
A CMVM já obriga o Benfica a ter um prospecto de 125 páginas e posso-lhe dizer que nenhum ou poucos investidores que vão subscrever o vão ler. Por isso, os riscos estão já todos detalhados. Há 15 páginas sobre eles, a questão é mais sobre a iliteracia financeira dos investidores. E as pessoas não olham para os riscos que lá estão. A CMVM exigiu que eles fossem publicados. A CMVM também não pode dizer se os investidores podem ou não subscrever. Os riscos estão lá, cada um tem de tomar as suas decisões.