06 jul, 2014 • Filipe d'Avillez
Desde que o escândalo dos abusos sexuais praticados por membros do clero começou a abalar a Igreja Católica, na década de 90 do século XX, que a Igreja tomou varias medidas concretas para enfrentar o problema.
Foram muito importantes os pedidos oficiais de desculpas por parte de João Paulo II, Bento XVI e o Papa Francisco que inclusive se encontraram pessoalmente com vítimas de abusos em muitas das viagens que realizaram durante os seus pontificados.
O Papa Francisco falou do assunto algumas vezes mas foi no regresso da sua viagem à Terra Santa que usou as palavras mais duras, comparando os abusos praticados por padres à celebração de “missas negras”, isto é, à celebração de rituais satânicos.
Antes, em 2003, o Papa João Paulo II afirmou que "não há espaço no sacerdócio ou na vida religiosa para aqueles que fariam mal aos mais novos". No mesmo ano, o Vaticano organizou uma conferência sobre o assunto: na altura, um painel de oito especialistas, incluindo não-católicos, mostrou-se contra a política de "tolerância zero" que tinha sido adoptada pelos Estados Unidos, reflectindo o medo de, numa tentativa de se fazer justiça, poderem surgir casos de padres falsamente acusados, por exemplo.
Em 2011, o Vaticano decidiu ainda responder à comissão das Nações Unidas para os direitos da criança, enviando um relatório sobre a prestação da Santa Sé neste campo - o relatório tinha sido pedido 14 anos antes. Em Julho de 2012, as Nações Unidas enviaram uma novo questionário para Roma e no início de Dezembro, a Santa Sé enviou as respostas mas recusou dar quaisquer detalhes sobre casos particulares, reservando-se o direito à confidencialidade por respeito às partes envolvidas, incluindo as vítimas. O Vaticano disse que apenas cederia esta informação a pedido de Estados e para colaboração com casos judiciais.
A resposta do Comité dos Direitos da Criança, publicada em Fevereiro de 2014, foi muito crítica para com a Igreja, chegando ao ponto de sugerir alterações aos ensinamentos perenes da mesma, como por exemplo a condenação ao aborto e à contracepção, procurando equiparar a rejeição do aborto, no caso de menores de idade, a abuso de menores. O Vaticano respondeu com firmeza, agradecendo as recomendações da ONU no sentido de melhorar o modo de agir perante casos de abuso, mas rejeitando qualquer ingerência nos seus ensinamentos.
Durante este processo foi revelado que em apenas dois anos do pontificado de Bento XVI, 400 padres foram suspensos do sacerdócio por causa desta questão. Mais tarde, em Maio de 2014, a ONU voltou a abordar o assunto no Comité sobre a Convenção contra a Tortura, em que procurou equiparar os casos de abuso por parte de padres em todo o mundo a situações de tortura imputáveis à Santa Sé. Porém, este comité reconheceu os muitos avanços feitos pela Igreja para combater o fenómeno. Em resposta, o Vaticano revelou mais números, indicando que na última década foram dispensados 848 padres do estado clerical, por terem sido considerados culpados de situações de abuso, de um total de 3.420 casos analisados. O representante da Santa Sé nas Nações Unidas, o arcebispo Silvano Tomasi, insistiu que o número de casos de abuso sexual tem vindo a diminuir devido ao trabalho levado a cabo pela Igreja.
Critérios mais apertados
A Santa Sé recordou que ao longo dos últimos anos apertou os critérios de admissão aos seminários, actualizado o direito canónico para lidar com estas situações. O Vaticano ordenou todas as conferências episcopais a elaborar directrizes para seguir em caso de denúncias ou suspeitas de abusos por parte de ministros da Igreja ou em instituições católicas.
Entre as recomendações inclui-se o contacto imediato e a colaboração estreita com as autoridades civis, pelo menos nos países em que tal é possível. Os bispos portugueses aprovaram as directrizes em Abril de 2012.
Antes, em Fevereiro de 2012, realizou-se novo simpósio internacional no Vaticano sobre protecção de crianças, que concluiu pela criação de um Centro de Protecção de Crianças.
Em Dezembro de 2013, foi anunciado que o Papa Francisco aceitou a proposta de criar uma comissão para combater os abusos sexuais de menores, conforme lhe tinha sido sugerido pelos oito cardeais que o aconselham na reforma da cúria. Quando foi finalmente apresentada essa comissão constatou-se que incluiria não só o bispo Sean O’Malley, que é reconhecido por estar na linha da frente do combate aos abusos, como também uma leiga irlandesa, Marie Collins, que é vítima de abusos sexuais e lidera uma fundação que procura chamar atenção para o fenómeno e formas de o combater.
Já em Junho de 2014 surgiu a notícia de que um núncio apostólico da Santa Sé, natural da Polónia, tinha sido laicizado por se terem comprovado abusos cometidos na República Dominicana, onde esteve ao serviço do Vaticano.
Em Junho de 2015 Francisco estabeleceu um tribunal para investigar e julgar bispos acusados de encobrir casos de abuso sexual praticados por membros do clero sob sua jurisdição. No mesmo mês foi anunciado que o arcebispo Józef Wesołowski iria ser julgado num tribunal do Vaticano por crimes de abuso sexual de menores e posse de pornografia infantil. É o primeiro caso, a nível mundial, de um bispo julgado pelo crime de abusos sexuais, embora tenha havido outros bispos acusados e condenados por encobrimento.
Em países como Reino Unido e Estados Unidos, onde a questão foi devastadora para a credibilidade e até para as finanças da Igreja, as alterações e novas políticas implementadas fizeram diminuir radicalmente o número de novos casos. A opinião generalizada é que as instituições católicas nestes países são actualmente dos lugares mais seguros para crianças. Mesmo no início da crise, a esmagadora maioria dos casos dizia respeito a abusos cometidos há décadas, com muito menos nos anos mais recentes.
É de realçar que este escândalo não afectou só a Igreja Católica. Outras confissões cristãs e até outras religiões foram também marcadas pela divulgação de muitos casos de abusos sobre menores. Contudo, só na Igreja Católica, das poucas religiões com uma hierarquia centralizada e global, é que as respostas têm sido de natureza transversal.
[Notícia actualizada a 15/06/2015]