Fim de Assad está próximo, mas rebeldes são "gangsters", diz cristão sírio
09 ago, 2012 • Filipe d’Avillez
A falta de sentido de unidade entre os cristãos na Síria e no Líbano é um obstáculo para a defesa dos seus direitos naquela região. “Temos 13 bispos diferentes na Síria, mas não há coordenação”.
“Todos os cristãos com posses já abandonaram Aleppo, os outros ficaram e ninguém sabe como será o futuro”, explica Alfred.
Este cristão Sírio, um gestor ligado à indústria cimenteira, faz parte do primeiro grupo. Há cerca de um ano comprou um apartamento em Beirute e quando a violência começou em Aleppo, a maior cidade e capital financeira da Síria, saiu logo.
Da capital do Líbano, em entrevista à Renascença, Alfred partilha a sua opinião sobre a situação na Síria. Mostra-se desiludido com o regime e céptico em relação à oposição, mas garante voltar logo que possível.
Entretanto, confirma que para bem dos cristãos seria preferível manter-se o regime de Assad, por enquanto: “O regime é melhor porque protege as minorias. É isso que os cristãos querem, por enquanto. Mas a longo prazo todos precisam de mudanças. Já ninguém acredita nas reformas, nas promessas que não levaram a nada. Esperamos há 12 anos e nada melhorou para o povo. O país avançou um pouco, mas está tudo nas mãos das minorias e de um pequeno círculo à volta do Presidente”.
Em relação à oposição o sentimento é de total desconfiança. Apesar do que garantem os seus porta-vozes no Ocidente, Alfred não acredita que os rebeldes protejam os cristãos se tomarem o poder. “Os rebeldes que vêem na televisão, não passam de ‘gangsters’. Roubam, pedem resgates. Há dois dias atacaram um clube cristão em Aleppo, nadaram na piscina e destruíram todo o álcool, depois escreveram na parede ‘voltem a beber álcool e verão o que acontece’. Há muitos elementos islâmicos radicais no Exército Livre, é uma grande mistura”.
Confrontados com estas duas realidades, a maioria dos cristãos prefere não tomar partido. Alfred garante que não sabe de um único caso de um cristão que tenha participado activamente na revolta: “Toda a gente sabe que a punição por se juntarem à oposição é a morte. Os outros pensam que se forem mártires irão para o Céu, é por isso que lutam. Mas os cristãos têm cabeça, tem famílias, não fazem estas coisas.”
No exército, contudo, a situação é diferente. Alfred tem primos e amigos que servem nas Forças Armadas. Nenhum, garante, pensa em desertar.
Fim de Assad está próximo
A vontade de que o regime se mantenha, pelo menos por enquanto, não se traduz em qualquer afeição por Bashar al-Assad. Alfred reconhece que o ditador chegou ao fim da linha. “Claro que o fim está próximo, ele não pode sobreviver. A América, a Europa, 80% do mundo está contra ele. À volta dele muitos estão a desertar. O seu melhor amigo, o general Tlass, desertou. Ninguém sabe quem está a governar o país agora. É o caos.”
Por enquanto há refúgio no vizinho Líbano, um país muito mais pequeno mas onde os cristãos formam quase 40% da população. Contudo, várias fontes contactadas pela Renascença indicam que não existe muita solidariedade entre as duas comunidades, uma ideia confirmada por Alfred, que é católico de rito latino: “Pessoalmente não sei de nenhum contacto entre os cristãos de cá e os de lá.”
Esta realidade sublinha o factor da desunião entre os cristãos no Médio Oriente, até entre as diferentes igrejas católicas. “Aqui eles são maronitas, e não há ligação entre as igrejas. Na Síria temos 13 bispos diferentes e não existe coordenação. Cada um trata da sua comunidade. Há oito meses perguntei ao meu bispo porque é que não tinham falado ao Governo das exigências dos cristãos? Ele disse que os bispos limitavam-se a sorrir para o Presidente, sem lhe dizer a verdade. Depois um dia começaram os problemas e já era tarde, ninguém falou das reformas”.
Ocidente está a destruir a Síria
Beirute é apenas um porto de abrigo. O objectivo é voltar à Síria, mais cedo ou mais tarde: “É evidente que queremos regressar, não podemos viver noutro país. Amamos a Síria, mas durante esta situação está tudo parado, até ao fim dos combates. Agora o exército entrou em Aleppo e prometeu limpar tudo dentro de uma ou duas semanas, mas não sei se será o fim.”
De Beirute, Alfred vai acompanhando a situação no seu país. À Renascença, garante que a imprensa ocidental está a mostrar uma imagem distorcida da realidade: “Há muitos exageros. Ouço pessoas dos Estados Unidos a perguntar à Aljazeera como podem fazer chegar dinheiro ao Exército Livre para comprar armas. Esta não é a solução. Estão a destruir o país. Apoiar a democracia, as negociações, seria diferente, mas os embargos estão a matar o país. As fábricas e os negócios estão parados, estamos a regredir”, explica.
Enquanto aguarda a possibilidade de regressar à sua cidade, as histórias que lhe chegam são desoladoras. Todas as estradas estão cortadas e os aviões estão reservados durante o próximo mês. Um táxi para o aeroporto custava cerca de 10 dólares, mas agora custa 200. “É por isso que os cristãos estão a permanecer nas suas casas, pelo menos a maioria”, explica.