Um final de ano letivo atípico seguido de outro ainda mais crítico? Os prognósticos não são bons e, durante os próximos meses, tenderão a piorar. A saúde mental dos estudantes será afetada, tal como a capacidade de aprendizagem também nunca estará a 100% - apesar do regime de aulas presenciais.
O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, já garantiu que o encerramento das escolas será a “última medida” em cima da mesa, na tentativa de travar os contágios por Covid-19. A palavra do governante é de fiar.
A medida é proibitiva por vários motivos: tanto seria lesiva para os estudantes como para a economia, pois implicaria, tal como no estado de emergência de março e abril, que muitos dos pais fossem para casa. O retorno – que certamente teria de ser subsidiado pelo Governo – provocaria mais um rombo nas contas do Executivo de António Costa, um luxo ao qual não se pode dar.
Segundo Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, “a realidade é diferente de escola para escola, de região para região do país”. Por isso mesmo, defende que a ideia de um encerramento generalizado e indiscriminado não faz sentido. “É verdade que os casos têm vindo a aumentar. Estamos preocupados. O que é que as escolas podem fazer? Não podem fazer muito mais que aquilo que fizeram”, diz.
Enquanto docente e dirigente do Agrupamento de Escolas de Cinfães, Manuel Pereira afirma ter a “sensação, de forma genérica, que os alunos estão melhor nas escolas que em casa”. “É difícil mantê-los em casa. Na escola, sempre conseguem manter um conjunto de regras. E há rigor no cumprimento das regras.”
Que não haja ilusões. Mesmo com a retoma das aulas presenciais em setembro, há ainda muitos danos por remediar na aprendizagem dos jovens portugueses que frequentam, neste momento, o ensino Básico, Secundário ou Superior.
“Não podemos estar a pensar ter uma escola agora com aprendizagens como tínhamos há um ano. Desde logo, nos grupos etários mais baixos, o simples facto de terem algo a tapar-lhes o rosto - aos professores e aos alunos - inviabiliza que boa parte da compreensão das matérias seja adquirida. É claro que estamos a tentar viver de acordo com as novas regras e a nova realidade, mas que ninguém espere que, em termos de aprendizagens, que isto seja um ano normal, como foi 2019, 2018 ou 2017”, assume Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, em declarações à Renascença.
É claro que “há prejuízos” em termos de aprendizagem, sublinha. Então, como é que este problema pode vir a ser colmatado? “Ninguém sabe.” “Se soubesse, seria eu o ministro da Educação. Não seria diretor de um agrupamento de escolas. Acho que desde os órgãos mais altos a nós que estamos no terreno, estamos todos a experimentar coisas novas, a tentar adaptar-nos a uma realidade que ninguém conhecia, ninguém conhece e para a qual ninguém tem soluções”, afirma o dirigente.
Ao nível psicológico, os alunos estão a frequentar a escola num clima de “estado de sítio”: sempre preocupados que possam ser contagiados, levar a doença para casa, junto de familiares com mais idade. Desde o início do ano letivo, a Renascença ouviu vários relatos de jovens estudantes que sofrem crises de ansiedade quando, por exemplo, um colega falta sem justificação a um dia de aulas.
Há, contudo, uns poucos que estão a prosperar nas atuais circunstâncias, tal como no passado ano letivo quando foram obrigados a estar em casa. “Aqueles miúdos mais ansiosos, que sofriam bullying, ou alguma coisa do género, sentem-se melhor em casa. Melhoraram as notas, não têm ansiedade de ir para a escola, até gostavam mais de estar em casa”, conta a psicóloga Bárbara Ramos Dias à Renascença.
A saúde mental dos estudantes já iria sofrer danos devido à Covid-19. Afinal, o confinamento espoletou um aumento significativo de casos de ansiedade e ataques de pânico em crianças e jovens. A procura de apoio aumentou “muito, muito, muito”, revela a psicóloga Bárbara Ramos Dias, em declarações à Renascença.
“Na camada mais jovem, ali nos adolescentes entre os 14 e os 16 anos. Apareceu-me ainda uma coisa que não existia: miúdos com grandes ansiedades, fases ansiosas, e ataques de pânico, com 10 e 11 anos. Muito cedo.”
Somado à Covid-19, chega agora o inverno, período – apontam vários estudos – em que a saúde mental fica mais titubeante. A explicação científica é simples: durante o verão, devido à exposição solar, o ser humano produz muito mais dopamina, serotonina, hormonas que contribuem para uma saúde mental “positiva”.
Para um adulto atento, sensível, a mudança de estação de ano pode ser sempre colmatada “com mais exercício físico”, por exemplo. Para um jovem adolescente, que não tenha plena consciência da mudança, pode ser um momento mais atribulado, explica a psicóloga.