10 jan, 2017 - 15:59
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Em Portugal para participar nas cerimónias fúnebres de Mário Soares, com quem serviu no Parlamento Europeu nos anos 90, o presidente do Parlamento Europeu recorda um homem de personalidade forte, por vezes difícil, mas que era também um herói.
Prestes a deixar o cargo para regressar à política alemã, Martin Schulz deixa ainda críticas à vaga populista e de extrema-direita na Europa, personalizada por figuras como Marine Le Pen, e declara que "a austeridade está errada".
O que dirá a história da Europa sobre Mário Soares?
É um herói, um defensor da democracia, um dos homens que derrubou as últimas ditaduras da Europa. Nasci em 1955 na Alemanha, tinha 18 anos quando se deu a revolução em Portugal e lembro-me muito bem de 1973, quando o Partido Socialista português foi fundado em Bad Münstereifel, que faz parte do meu círculo eleitoral na Alemanha. E servi junto de Mário Soares no Parlamento Europeu. É, portanto, para mim, um marco no desenvolvimento da democratização da Europa.
De que forma é que ele o inspirou?
Soares era uma das personalidades mais difíceis que já conheci. Era um homem com convicções muito fortes, e ele mantinha as suas convicções, lutava por elas, mesmo que fosse contra a opinião de toda a gente. Algumas pessoas diziam-lhe, por vezes, que era muito teimoso. Mas, sejamos honestos, é muito difícil ir contra as opiniões da maioria e mantermo-nos fiéis às nossas convicções.
Ele era um homem que com frequência tinha dificuldade em fazer compromissos, o que fazia com que a cooperação com ele por vezes fosse difícil. Mas o que eu aprendi com ele é que quando nos batemos pelos nossos ideais isso dá-nos a credibilidade e a honestidade que precisamos para convencer as pessoas.
Que memórias pessoais guarda dele no Parlamento Europeu?
Nessa altura, eu era líder da delegação alemã da SPD e amigo de Willy Brandt, tal como o Soares. Mas já o conhecia de antes, porque quando fui eleito em 1994 para o Parlamento Europeu tinha uma relação muito próxima com António Guterres e também nessa altura António Vitorino era um amigo próximo. Através de Vitorino e de Guterres, conheci o Soares no início dos anos 90. Por isso, quando nos encontrámos no Parlamento Europeu, já nos conhecíamos e colaborámos muito de perto.
Ele pertencia a uma geração de políticos que acreditava verdadeiramente na Europa. Por que é que os políticos da actualidade perderam o espírito dos fundadores?
Nem todos... Eu pertenço aos que defendem o espírito dos fundadores. O espírito dos fundadores, esta ideia da Europa, de que países e nações possam colaborar, através de fronteiras, em instituições comuns, em vez de combaterem uns contra os outros. A esmagadora maioria dos cidadãos e de políticos na Europa continua a acreditar que este é o melhor caminho. Mas deparamo-nos com pessoas que colocam isso em dúvida, que acham que a resposta à globalização no século XXI é um regresso aos nacionalismos. Eles estão a ganhar terreno todos os dias.
São a maioria...
Não, não são. Os partidários da extrema-direita, sobretudo os partidos populistas que apelam a um regresso aos nacionalismos, têm 20% em França, ou 15% na Alemanha. Isso significa que 80 ou 85% dos cidadãos não estão a votar neles. É preciso mobilizar a maioria contra essa minoria, afirmando que se está a agir em nome da maioria, para trazer a realidade de volta para a vida política. Este é um dos principais desafios para os políticos de hoje.
Teme que Marine Le Pen vença as eleições em França?
Não, não temo que ela venha a ganhar as eleições, mas temo a sua retórica que remete para os anos 20 e 30 do século passado. Eu conheço-a do Parlamento Europeu...
É sua colega.
Não é minha colega, é deputada do Parlamento Europeu. Ela tem, para tudo, um bode expiatório. Ora os muçulmanos, ora os alemães, ora os capitalistas... Todos os dias um bode expiatório, mas não tem soluções concretas para nada. Por isso, acho que numa eleição em que, no final, são os franceses que precisam de tomar a decisão, por exemplo, de romper com o euro - o que significa também romper com a Alemanha - jamais votarão em Marine Le Pen.
Vai abandonar o Parlamentar Europeu na próxima semana. Por que é que acredita que agora faz mais falta na Alemanha do que em Bruxelas?
Se abandonar o Parlamento Europeu na próxima semana, veremos. O que vou deixar é a presidência do Parlamento Europeu. E, no final deste mês, o meu partido na Alemanha decidirá qual a estrutura que vai apresentar na campanha eleitoral. Depois decidirei sobre o meu futuro, mas sou candidato ao Parlamento alemão em Setembro, e irei para o Parlamento alemão. Na situação difícil em que nos encontramos na Europa, a Alemanha tem uma responsabilidade específica. E combater, enquanto alemão, por essa responsabilidade específica de manter a coerência social e política da União Europeia, por via de uma Alemanha forte a investir na União Europeia, é um dos meus objectivos, seja em Bruxelas, seja em Berlim.
A imigração vai ser um tema da campanha na Alemanha. É crítico das políticas de Merkel em relação à imigração?
Angela Merkel fez aquilo que a Alemanha tinha de fazer. O maior país da União Europeia tem de assumir a maior parte do fardo nestas situações. Mas a Alemanha sozinha não chega lá. Isto não é um problema alemão, ao contrário do que disse uma vez Viktor Orbá [primeiro-ministro da Hungria]. O problema migratório, o problema dos refugiados, é um problema europeu, e por isso a Alemanha deu, em 2015, asilo a cerca de um milhão de pessoas. Peguemos nessa figura. Se se distribuir um milhão por 508 milhões em 28 países, isso não representa qualquer problema para qualquer país. Mas se 24 países da União Europeia disserem que não têm nada a ver com isto, e deixarem o problema para a Itália, a Alemanha e a Grécia, então isso é um problema.
Temos austeridade na Europa porque a Alemanha o impôs. Na qualidade de político nacional lutará por uma posição diferente? Mário Soares era contra a austeridade.
Eu também sou contra a austeridade, mas não concordo minimamente com a sua formulação, a ideia de que a Alemanha impôs. A União Europeia não é só a Alemanha. No Eurogrupo a Alemanha tem um voto. E a maioria dos acordos no Eurogrupo são por unanimidade. Claro que a Alemanha influencia muito, mas os outros Estados-membros do Eurogrupo também influenciam, e por isso não se pode dizer que é uma austeridade alemã, é uma austeridade europeia. Mas a austeridade está errada.
Não podemos olhar apenas para o lado das despesas nos orçamentos, temos também de olhar para as receitas. Se cidadãos comuns em Portugal e na Alemanha, casais com dois salários, têm dificuldades em sobreviver no dia-a-dia ao mesmo tempo que as multinacionais não pagam impostos na Europa, é contra isto que devemos lutar. A luta contra a fuga aos impostos e a fraude é uma das principais medidas para aumentar as receitas nos orçamentos, para não termos de passar todos os dias a falar de cortes. Orçamentos sustentáveis são razoáveis, mas não é possível sustentar um orçamento a longo prazo sem aumentar também as receitas, por isso é essa a posição que eu defendo.