Mariana Gomes levou a "Último Recurso" à Conferência da ONU sobre o Oceano, envolvendo-se em ações da sociedade civil contra a mineração em alto mar. Em entrevista à Renascença, a jovem jurista defende que a União Europeia deve direcionar novos investimentos na defesa para a proteção marinha.
Que balanço fazem da última Conferência da ONU sobre os Oceanos?
Da minha experiência em várias conferências, do clima e da biodiversidade, a UNOC acabou por ser uma lufada de ar fresco. Tivemos uma série de compromissos, ao nível da moratória de mineração em mar profundo e do Tratado do Alto Mar. Foi uma lufada de ar fresco porque vimos países com vontade em assumir uma série de compromissos, apesar de ainda não ser o suficiente, dado que ainda não temos um Tratado.
Estamos nos mínimos, porque as últimas conferências que tocaram o oceano e a parte climática foram, na minha opinião, um pouco desastrosas e fonte de desilusão. Mesmo que em setembro haja a possibilidade de ratificação e entrada em vigor do acordo, ainda estamos a falar de um Tratado formal apenas no próximo ano. Não estamos aqui a falar do desenvolvimento a nível nacional dos reais planos.
Em termos das áreas marinhas protegidas, estamos bastante satisfeitos com a decisão da Ministra do Ambiente em alargar ainda mais as áreas que tínhamos definido.
O facto da declaração final da Conferência da ONU não ser vinculativa não tira força jurídica aos compromissos que ali se tomaram?
Este é o problema do direito internacional. Este é feito de acordos e de compromissos políticos que, dependendo do ordenamento jurídico a nível nacional, podem ter uma força maior.
A questão é que, mesmo que tenhamos um Tratado de Alto Mar ratificado por 60 países, isso não é suficiente. Há aqui um dos grandes países, os Estados Unidos, que não vão assinar nos próximos anos. Só 5 países do G20 é que assinaram. Esta conjuntura internacional faz com que, mesmo que a nível nacional façamos vários compromissos, haverá sempre o risco de a nossa ação ser limitada pela não vontade política de outros países. dado que o Oceano é um bem comum e bastante extenso.
Então, juridicamente é difícil também combater os incumprimentos?
Juridicamente, é muito importante que haja um acordo a nível internacional sobre ambição e sobre metas. E que haja um acordo a nível de finanças, definindo quanto é que vamos ter que financiar. Face aos 175 mil milhões por ano que precisamos, temos 10 mil milhões a sair, o que não é suficiente. E os países também têm que decidir em quanto vão financiar para o bolo total.
Isto é importante para que a nível nacional, consigamos ter uma base jurídica e um acordo internacional que nos permita implementar a nossa legislação.
Ursula von der Leyen destacou a sua intenção de financiar o Pacto Europeu para o Oceano. Nós defendemos também, enquanto organizações da sociedade civil, na reunião com a ministra do ambiente, que o novo programa europeu REARM deveria tentar transferir algum dos seus financiamentos para a Proteção Civil, a Marinha Portuguesa, o ICNF, fazerem a monitorização das áreas marinhas protegidas.
Este acordo é importante para que a nível europeu e nacional haja desenvolvimentos na prática, porque tudo o que aconteceu na UNOC acabou por ser uma declaração de compromissos e acordos.
Houve um conjunto de apelos da sociedade civil em vários domínios, da poluição à prospecção marinha.
A Associação "Último Recurso" foi uma das duas centenas organizações a nível internacional que defenderam que uma das principais fontes de alterações climáticas são os combustíveis fósseis. Estes continuam em grande parte a serem explorados a nível marítimo, no offshore.
Defendemos que a eliminação e a proibição de novas explorações no oceano permitiria eliminar poluição marinha e também emitimos menos gases com efeito de estufa. A ciência explica como é que o resto acontece.
A conferência de Nice foi a mais participada de sempre. Mas a nível global, sobretudo na questão das alterações climáticas, há um aparente 'congelamento' de alguma mobilização. Na Europa, quando se fazem inquéritos, as alterações climáticas desceram no nível de preocupação, face às questões de custo de vida ou até de segurança.
Estamos a entrar numa narrativa alarmante a nível internacional, que é a normalização do discurso de que não vamos conseguir limitar o aumento da temperatura a 1.5 graus. Estamos a normalizar que o próxima meta será os 2 graus. E os cientistas sabem que esta normalização é muito perigosa, devido aos riscos que existem. Por exemplo, a nível dos oceanos, é muito triste que daqui a uns anos não vão existir corais e há determinadas perdas completamente irreversíveis.
Perante a situação de múltiplas crises que encontramos hoje, aquilo que, a nosso ver, tem acontecido é um 'greenwashing' muito grande por parte de empresas e um 'greenwashing' dos governos que normalizam a situação e dizem que estão a fazer mais do que aquilo que estão a fazer, que dá à população o sentimento de que está tudo bem e que estamos seguros. A verdade é que quando vêm os grandes incêndios ou as grandes secas, nós sabemos que não estamos seguros.
Como veem o cruzamento da agenda dos oceanos com a da Conferência do clima no Brasil ( COP30) no final do ano?
Há nota mais positiva. Macron e Lula - a minha dupla política favorita - fizeram desafios sobre as Contribuição Nacionalmente Determinadas Azuis, e ressaltaram em Nice o papel que o Oceano pode ter na redução de gases com efeito de estufa. Acredito genuinamente que esta dupla política, Macron e Lula, pode ter um papel a fazer, por um lado, o nexo oceano-clima, e a conseguir financiamento. A COP30 pode ser, mais uma vez, uma nova lufada de ar fresco.
A nível nacional há pouca ação e muito lenta. Portugal tem quase todas as normas e quase todos os planos em atraso, quase tudo está em incumprimento. Apesar de ter havido muitas justificações ligadas à crise política, a nossa sobrevivência, a proteção e os direitos dos cidadãos portugueses não podem estar à mercê das crises políticas. Os nossos políticos têm que começar a perceber que mesmo que haja uma crise política há questões prioritárias. Lidar com a crise climática é uma delas, porque os nossos direitos humanos estão em causa.