03 mar, 2025 - 22:38 • José Carlos Silva
A indústria automóvel europeia está “entalada” entre Estados Unidos e China, mas a Comissão Europeia prepara-se para, na quarta-feira, dar um “empurrão” para colocar em marcha este motor da economia dos “27”, e tentar cortar a meta da eletrificação, à frente da China.
O setor agradece, mas lembra que no passado já se perderam outras oportunidades e, enquanto a Europa se enreda em superioridade moral e regulação, perde ritmo e desacelera face aos rivais.
Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui
Para António Coutinho, detentor de um dos grandes grupos no retalho automóvel, e responsável da divisão de retalho Automóvel da Associação do Comércio Automóvel (ACAP), a Europa tem o seu papel cada vez mais reduzido.
“Os Estados Unidos produzem e apostam na liderança em software, defesa, computação quântica e inteligência artificial. A China em baterias, drones e 5 G”. E o que faz a Europa? Os “27” apostam “na regulamentação pesada, na superioridade moral, mas isso, hoje não chega. O mundo anda mais rápido, perdemos nas energias, e não conseguimos ser o motor do mundo”, lamenta António Coutinho.
Como se não bastasse, “a Europa não se entende, e não fala a uma só voz, há vários discursos diferenciados, e assim não vamos chegar lá”.
É preciso arrepiar caminho. Como? “Retirando regulamentação, há um peso brutal de regulamentação em todos os setores e isso faz com que nos atrasemos todos os dias”, sublinha o responsável da ACAP.
Esta é sem dúvida uma preocupação que atravessa quem em Portugal tem de promover as marcas automóveis, num mercado que é inundado a uma velocidade incrível de novos modelos vindos de todos os cantos do mundo, e cada vez mais da China.
DÚVIDAS PÚBLICAS
A crise europeia no setor automóvel já chegou a Po(...)
A semana passada chegou mais uma marca automóvel chinesa ao mercado português, a Leap Motors, a somar a outras que já se implantaram e com um muito razoável sucesso como a BYD, ou a Xpeng.
A “invasão”, preocupa. Sobretudo porque a ideia instalada é que as regras não são para todos e quem menos cumpre é quem mais ganha e avança. Luís Morais, diretor da Mazda Motor Portugal, insiste na desvantagem de a Europa ser “o menino bem comportado”, enquanto a China e os Estados Unidos desarrumam a casa.
“A Europa tem sido um verdadeiro moralista em relação à descarbonização do mundo. Todos acreditamos que assim tem de ser, e isso nem se discute, mas esquecemo-nos que os dois maiores concorrentes, a China e os Estados Unidos não querem saber disso, e ficamos claramente entalados no meio dos dois, porque pagamos a fatura de tudo isso e sai caro aos fabricantes europeus”, afirma Luís Morais.
Pelo grupo que abarca mais de uma dúzia de marcas automóveis como a Peugeot, a Citroen ou a Fiat, Pedro Lazarino, o diretor regional da Stellantis Portugal, avisa que os anúncios da Comissão Europeia podem ser uma última oportunidade para a salvação do setor automóvel europeu.
A crise na Alemanha que afeta sobretudo o setor au(...)
Defende que “os sinais de alerta são mais do que muitos, que as mais recentes alterações geopolíticas obrigam a Europa a repensar o modelo”. Mas lembra que houve outras oportunidades, criadas pela pandemia de covid-19, que foram perdidas.
Mas nem tudo tem de ser negativo. Afinal de contas, lembra José Pedro Neves, diretor-geral do Grupo Renault Portugal, a Europa pode mudar o atual jogo: “está nas mãos da Europa evitar esta catástrofe e essa pode ser a boa notícia. Porque a Europa pode regulamentar sobre a sua própria Europa”.
E, como exemplo, aponta um contrassenso. “A Europa estabelece que a forma das marcas evitarem multas por não cumprirem metas de descarbonização, é comprarem créditos de poluição… aos chineses”, aponta.
A próxima quarta-feira pode constituir para a indústria automóvel europeia de que depende boa parte da economia, e milhões de empregos, uma última oportunidade para mudar de vida.