10 set, 2025 - 08:26 • Daniela Espírito Santo
A presidente da Comissão Europeia proferiu, esta quarta-feira, o seu primeiro discurso sobre o Estado da União do segundo mandato, numa altura em que enfrenta críticas sobre o acordo comercial com os Estados Unidos e a sua postura sobre Gaza. No entanto, o discurso de Ursula von der Leyen, nesta manhã, tinha por fundo um inesperado incidente: durante a madrugada, a Polónia entrou em estado de alerta depois das suas forças militares terem abatido “objetos hostis” que invadiram o espaço aéreo daquele país europeu.
Em resposta, von der Leyen assegura: "a Europa vai defender cada centímetro do seu território".
Antes de mergulhar em assuntos comerciais e de falar de tecnologia, futuro e economia, Ursula von der Leyen usou boa parte do seu discurso para falar sobre desafios geopolíticos, numa intervenção que colheu muitos aplausos, mas também interrupções, sobretudo sobre Gaza, justo numa altura em que, para a presidente da CE, a Europa precisa, mais do que nunca, de se unir, ou "re-unir".
"A Europa está numa luta. Numa luta por um continente completo e em paz, por uma Europa livre e independente, uma luta pelos nossos valores e as nossas democracias, uma luta pela nossa liberdade e capacidade de decidirmos o nosso próprio destino", começou por dizer.
"Não se deixem enganar: esta é uma luta pelo nosso futuro", assegura, confessando que pensou "muito" sobre se deveria começar o discurso com uma avaliação tão "rígida", até porque a União Europeia é, sobretudo, "um projeto de paz". No entanto, "não podemos, simplesmente, esperar que esta tempestade passe".
"Este verão mostrou-nos que não há espaço nem tempo para nostalgia", defende, garantindo que "as linhas de batalha" da "nova ordem mundial" estão a ser desenhadas agora e são "baseadas no poder". "Por isso, sim, a Europa tem de lutar", até porque vivemos agora num mundo em que diversas potências ou não têm a certeza sobre o que achar da UE ou são "abertamente hostis". Vivemos agora, diz von der Leyen, "num mundo de ambições imperialistas e guerras imperialistas", onde as dependências são "impiedosamente usadas como arma".
"É por isso que uma nova Europa deve emergir", assevera, pedindo para que este seja o momento da "independência da Europa" e apelando à necessidade da União Europeia assegurar "a sua própria segurança".
"A pergunta central para nós hoje é simples: a Europa tem estômago para lutar?", lança, em jeito de mobilização das tropas e pedindo "união entre os Estados-membros, instituições e forças democráticas".
Durante o discurso, falou de uma família ucraniana - presente no hemiciclo - para defender a necessidade da Europa de lutar contra "a definição de diplomacia da Rússia", no contexto da "Coligação de Vontades".
Nesta nova "guerra de drones", a UE entra, agora, numa "aliança de drones com a Ucrânia", um anúncio que acontece horas depois do espaço aéreo polaco ter sido violado por "objetos hostis". Falando especificamente sobre o que aconteceu esta madrugada na Polónia, von der Leyen assumiu que tal incidente é uma violação "sem precedentes" do espaço aéreo europeu e um ataque "imprudente".
"A Europa está solidária com a Polónia", ressalvou, originando uma onda de aplausos no hemiciclo. De seguida, definiu que, se "se a mensagem de Putin é clara", a da Europa também tem de ser. "Esta guerra é da Rússia. A Rússia deve pagar por ela", disse, explicando que se está a trabalhar numa "nova solução" para utilizar os ativos russos em posse europeia na reparação da Ucrânia.
Já em francês, continuou: "A guerra económica de Putin continuará mesmo que a guerra termine", assegura, pedindo para que se garanta a segurança da Europa em todos os flancos.
"A Europa vai defender cada centímetro do seu território", repete. Voltando ao inglês, volta a repetir que lutar agora é lutar pela liberdade de "escolher o nosso próprio destino" e que os ideais europeus que nasceram da queda do muro de Berlim, em 1989, fazem ainda mais sentido agora, em conjunto com a Ucrânia e quem mais se quiser juntar. "Vamos trazer os futuros membros para junto da nossa União", diz, apoiando "reformas" e "integrando-os no mercado único".
"Temos de acelerar este processo de adesão baseado no mérito", destaca, defendendo que só uma "Europa unida" - ou "reunida", como salientou - pode ser independente. "Uma união maior e mais forte é uma segurança para todos nós", admite, falando da Ucrânia, Moldova e Balcãs e garantindo que o seu futuro passa pela União. “Vamos fazer acontecer juntos a próxima reunificação da Europa".
Gaza também não foi esquecida no discurso da presidente da Comissão Europeia. Num momento em que "a consciência do mundo" está "sobressaltada" com as "imagens catastróficas" de pessoas que "são mortas enquanto imploram por comida" e de "mãe que seguram bebés sem vida", von der Leyen lê o que se passa na Faixa de Gaza como mais uma prova da "mudança inaceitável" que ocorreu nas relações internacionais nos últimos meses.
"Quero deixar uma mensagem muito clara: fome criada por mão humana nunca pode ser uma arma de guerra". "Pelo bem das crianças e da Humanidade, isto tem de parar", reitera, entre aplausos.
Para von der Leyen não dá dúvidas: vários ministros israelitas estão a fazer de tudo para "minar" a solução de dois estados, coisa que "não podemos deixar acontecer".
Nesse sentido, "a Europa precisa de fazer mais", volta a defender Ursula, lamentando a falta de maioria que aprove medidas mais proeminentes neste sentido e não deixando de salientar que alguns membros da UE tenham "avançado a solo".
"Não nos podemos dar ao luxo de ficar paralisados", volta a sublinhar. Avançando com "todas as medidas" que a Comissão Europeia consegue "por conta própria", a Europa passa a colocar "em pausa" o "apoio bilateral de Israel". "Vamos parar todos os pagamentos nestas áreas que não afetem a sociedade civil israelita", explica, ao avançar de seguida com mais duas propostas de sanções aos ministros "extremistas" de Netanyahu e suspensão parcial do "acordo de associação em questões relacionadas com o comércio". Tais propostas foram recebidas entre aplausos e apupos, que Leyen não ignorou.
"Estou ciente de que será difícil encontrar maiorias", atirou, dizendo que, quando as medidas possam parecer "demasiado" para uns e "muito pouco" para outros, cada um tem de relembrar a sua própria "responsabilidade".
Um grupo de "dadores para a Palestina" também será criado brevemente, com o objetivo de ajudar na reconstrução de Gaza, assegura, num "esforço internacional com parceiros na região" e com vista a garantir que aquilo que a Europa "sempre defendeu", uma "solução de dois Estados", realmente acontece.
Depois de ter iniciado, em dezembro passado, funções como líder do executivo comunitário para mais um mandato de cinco anos, Ursula von der Leyen profere, em Estrasburgo, o habitual discurso anual perante os eurodeputados, após o qual há um debate.
Antes, Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, falou, igualmente, de "tempos sem precedentes", onde a Europa precisa de "claridade e de resolução".
"Precisamos de uma Europa que se responsabilize pela sua segurança", admite Metsola. "Precisamos de uma Europa onde as ruas são seguras para os nossos filhos e que defende os valores democráticos que nos definem", acrescenta, num discurso proferido antes do de von der Leyen.
"Quando o mundo parece estar a arder, com a agressão russa à Ucrânia e a situação horrível em Gaza, este Parlamento e as pessoas que representa estão ansiosos para saber como a Europa pode avançar, com ideias novas e ousadas", terminou, antes de dar a palavra à presidente da Comissão Europeia.
Realizado anualmente perante o Parlamento Europeu, o discurso sobre o estado da União da presidente da Comissão Europeia serve para definir prioridades para a União no ano que se segue e anunciar novas iniciativas, após uma reflexão sobre o ano que passou.
[Notícia atualizada às 10h36 de 10 de setembro de 2025 com mais declarações de Ursula von der Leyen]