09 jan, 2025 - 00:00 • Anabela Góis
Uma em cada quatro mortes no mundo já é causada por fatores ambientais e a situação vai agravar-se. A aceleração das alterações climáticas, o crescimento da poluição e a perda de biodiversidade aumentam o peso dos fatores ambientais na nossa saúde. Mas em Portugal as políticas de Saúde continuam totalmente divorciadas destas questões, conclui o primeiro Relatório do Observatório Português da Saúde e Ambiente, uma iniciativa do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA).
“Os mecanismos de monitorização dos fatores ambientais determinantes da saúde são quase inexistentes no nosso país”, pode ler-se neste relatório, que indica, ainda, que “as estruturas de saúde não estão preparadas para prevenir ou reagir atempadamente a fenómenos extremos de origem climática ou ao surgimento de uma nova pandemia”.
Num retrato preocupante, os autores deste estudo apontam falhas na formação dos profissionais de saúde para estas questões e legislação obsoleta.
Luís Campos, presidente do CPSA, diz à Renascença que, apesar do peso dos fatores ambientais na saúde humana, o que se verifica “é que as políticas ambientais têm ignorado a saúde e as políticas da saúde têm ignorado o ambiente. A monitorização desse impacto praticamente não existe ou está muito disperso”.
“Sabemos que a probabilidade de uma nova pandemia é cada vez maior, que as catástrofes climáticas já fazem parte do nosso quotidiano”, diz Luís Campos.
No entanto, “verificamos que pouco aprendemos com a pandemia de covid-19. As decisões políticas estão pouco acompanhadas pela ciência, falta planeamento, falta uma articulação com o setor privado, atravessamos um período de indefinição do modelo de governação do SNS, que cria uma vulnerabilidade perigosa, persistem os problemas de articulação e comunicação entre os vários níveis de cuidados, o modelo hospitalar dividido em silos verticalizados, fragmentados, dificulta uma mudança de prioridades que poderá ter de acontecer de um momento para o outro”, sublinha.
Outro dado preocupante – apontado pelo presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente – é a falta de especialistas em Medicina Interna nos nossos hospitais.
Se houver uma nova pandemia em que é necessário tratar “doentes complexos, multissistémicos é necessária uma abordagem holística que a Medicina Interna pode propiciar”. “Ora no último concurso, nota o médico, metade das vagas ficaram por ocupar e, portanto, é fundamental aumentar a atratividade desta especialidade”.
Pela positiva, este relatório destaca a monitorização de doenças provocadas por zoonoses (transmitidas entre animais e seres humanos) e por vetores, como é o caso das carraças (responsáveis por febre escaro-nodular e a borreliose de Lyme) e por mosquitos, como a febre de dengue ou a febre do vírus do Nilo Ocidental.
Luís Campos diz que esta é a exceção: “a expansão de alguns vetores em Portugal, a vigilância epidemiológica deste tipo de doenças está a ser relativamente monitorizado”.
Porque todos os restantes que “também são fatores de risco para a saúde humana, como a poluição das águas, a poluição atmosférica, a poluição química, os plásticos, aí há não só uma dispersão a nível de informação, mas também falta de monitorização.”
O Relatório Saúde e Ambiente 2024, que esta quinta-feira é apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, contou com contribuições de quase uma centena de especialistas de diferentes especialidades.